• Nenhum resultado encontrado

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.2 Inovação no Brasil e em Portugal

A proximidade cultural entre Brasil e Portugal, que se evidencia na histórica relação entre o

33

os países, também os faz se aproximarem relativamente quando o debate se envereda para o campo da inovação. A análise comparativa justifica-se pela necessidade de se avaliar um mesmo objeto de análise (inovação organizacional) em realidades distintas, com o intuito de tomar conclusões consistentes, contribuindo para debate até então colocado nesta dissertação. Cabe destacar que se pretende realizar comparações no nível das práticas organizacionais e não no nível do país. Por isso, as discussões apresentadas a seguir não tem por objetivo estabelecer paralelos de comparação, buscando convergências ou divergências, e sim de contextualizar ambas as realidades nacionais.

Os três temas que compõem o eixo central da argumentação desta dissertação – Inovação, Recursos humanos e Competências – são complexos por si só. Ademais, tomá-los em conjunto faz com que a construção da solução para o problema de pesquisa colocado no campo prático, ou seja, no contexto organizacional, torne-se ainda mais desafiador. Os fundamentos desses três eixos teóricos, bem como a argumentação realizada, seguiram uma abordagem generalista, com o objetivo de esclarecer tanto os temas quanto as interseções entre eles e suas tendências no campo teórico. Assim, a possibilidade de ampliar as análises incluindo empresas situadas em diferentes contextos nacionais (ainda que se reconheçam as implicações deles para a gestão) permite ampliar também o alcance das evidências encontradas no campo prático, oferecendo elementos e subsídios para a construção de teorias e de pesquisas futuras na área de Administração.

Como já ressaltado, muitos estudos vêm sendo realizados objetivando ampliar a compreensão do fenômeno da inovação e subsidiar as decisões de gestores dos campos público e privado. Embora o Manual de Oslo (OCDE, 2005) chame a atenção para a inovação organizacional, geralmente, tais estudos envolvem o levantamento de indicadores de inovação e de obstáculos e a criação de rankings entre países, dentre outros aspectos, a maioria para aferir níveis de desempenho relacionados à inovação tecnológica. Cabe mencionar que inovação é um tema que aparece em destaque quando se deseja definir políticas e estratégias sobre a competitividade das empresas e, sobretudo, das nações.

No caso brasileiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2005) constatou que empresas e nações se desenvolvem ao produzir, absorver e utilizar conhecimentos científicos e inovações tecnológicas, incentivadas por um sistema nacional de inovação e aprendizado. Em termos institucionais, um passo importante para o incentivo da inovação no contexto brasileiro foi a regulamentação, em outubro de 2005, da Lei da Inovação (BRASIL, 2004),

que estabelece regras não só para o aumento não só dos investimentos públicos, como também dos investimentos do setor produtivo.

Os reflexos desses e de outros estímulos podem ser identificados na incidência de inovações em organizações de diversos setores da indústria, das telecomunicações, e da informática, assim como em instituições de pesquisa e desenvolvimento. Dados da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, realizada entre 2006 e 2008 (PINTEC 2008) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que das 107.605 organizações pesquisadas 38,3% realizaram algum tipo de inovação tecnológica (IBGE, 2010). Na PINTEC 2005, esse índice foi de 34,4% (IBGE, 2007). Mesmo a evolução tendo sido positiva, muitos desafios importantes precisam ser superados, como evidenciam os obstáculos à inovação identificados pelas empresas: elevados custos da inovação, riscos econômicos excessivos, falta de pessoal qualificado e escassez de fontes de financiamento.

Portugal, segundo os resultados do Innovation Union Scoreboard 2010 (UNU-MERIT, 2011), que avalia a performance dos países com base em 24 indicadores de inovação – nos países da União Europeia (UE), Croácia, Islândia, Antiga República Iugoslava da Macedônia, Noruega, Sérvia, Suíça e Turquia34 –, Portugal ainda está abaixo da média europeia. Tomando-se desempenho de inovação média desses 24 indicadores, os Estados-membros foram divididos em quatro grupos de desempenho: Inovadores líderes; Seguidores; Moderados e Modestos. Situando-se ao lado da República Checa, Grécia, Hungria, Itália, Malta, Polônia, Eslováquia e Espanha, Portugal encontra-se no grupo dos inovadores moderados. Cabe destacar, todavia, que Portugal é um dos líderes de crescimento (além da Bulgária, Estônia, Malta, Romênia e Eslovênia) em termos de crescimento da taxa de performance em inovação, com uma média anual em torno de 5%.

Dados consolidados do Inquérito Comunitário à Inovação 2008 (CIS 2008 – Community Innovation Survey 2008), fornecidos pelo Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI, 2010), indicam que 50% do total das empresas pesquisadas inovaram em tecnologia no período entre 2006 e 2008. Contudo, a inovação concentra-se na região de Lisboa e do Centro. Além disso, o estudo identificou grande disparidade entre os diversos setores na percentagem de empresas inovadoras, sendo que o

34

Observa-se que esta pesquisa também inclui comparações com base em um número mais reduzido de indicadores: Estados Unidos, Japão e os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

setor de serviços apresentou as maiores taxas. Destacam-se ainda como pontos fracos referentes ao desempenho dos indicadores de inovação: os investimentos das empresas, o patrimônio intelectual e as realizações (UNU-MERIT, 2011).

Kovács (2002) observa que uma das fragilidades da indústria portuguesa no contexto da sociedade da informação tem a ver, precisamente, com o fraco peso de setores de média alta e de alta intensidade tecnológica. Segundo essa autora, predomina uma atitude tecnocêntrica por parte dos gestores. Há, também, uma referência à inovação nos processos com vista à redução dos custos com pessoal. A fraca difusão de novas práticas organizacionais em Portugal relaciona-se também ao baixo nível de escolaridade, com a estrutura de formação desequilibrada, manifesta na fraca percentagem do nível intermediário (KOVÁCS, 2002). Em termos de desempenho comparativo global, Brasil e Portugal encontram-se entre os países mais atrasados. Portugal encontra-se à frente do Brasil em termos da evolução positiva de seus indicadores. Tal evidência demonstra um desempenho superior de Portugal no tocante ao incremento da inovação em produto e processo no país, apesar de apresentar um desempenho abaixo da média dos outros países da Europa (UNU-MERIT, 2011). No Brasil, entre as 41,3 mil empresas inovadoras em produto e processo no período 2006-2008, 69,0% realizaram ao menos uma inovação organizacional (IBGE, 2010). Em Portugal, tal índice foi de 62% (GPEARI, 2010). Assim, no que tange à inovação organizacional em empresas inovadores em produto e processo, Portugal e Brasil apresentam cenários relativamente idênticos.

Existe muita controvérsia e "potenciais problemas" com relação a qualquer tipo de classificação, listagem, ou ranking baseado em indicadores – ou seja, em medidas de síntese que aferem a generalidade de um fenômeno. Muitas vezes, essas abordagens não são capazes de captar toda a complexidade da inovação, evidenciando possível "fragilidade metodológica desses indicadores" (GODINHO, 2007, p. 256).

Em suma, é possível identificar algumas pistas na contribuição do debate luso-brasileiro considerando suas diferenças e proximidades. Naturalmente, não é possível dissociar o fator linguístico, associado à colonização, como elo entre os dois países. Mesmo que essa proximidade ocorra por razões culturais e históricas, a proximidade econômica, ilustrada pelo fluxo comercial e de investimentos (SILVA, 2012) e por uma eventual semelhança entre ambientes de trabalho e culturas organizacionais dos dois países, não permite estabelecer relações diretas entre a temática da inovação entre eles. Seja pela ausência de estudos

comparativos sistemáticos entre os dois contextos, seja pela inserção de cada um deles em diferentes blocos econômicos, as proporções distintas de ambos (em termos de território, população, produto interno bruto e número de empresas, dentre outros) impõem um olhar relativizado quando o assunto é inovação. Um dos pontos que merece atenção e que aproxima fortemente os dois países prende-se à qualidade e ao déficit de mão de obra em termos de especialização, capacidade de aprendizagem, nível educativo e competências, fatores observados por Bóia et al. (2004) em Portugal e Barbosa (2009) no Brasil.

Considera-se como um dos desafios à inovação em Portugal a qualidade dos recursos humanos em diferentes níveis, dentre outros aspectos de natureza burocrática, empreendedora e de inserção de pequenas e médias empresas. Portugal tem ainda como maior desafio, segundo sua Associação Industrial (AIP) – Conferência Empresarial, em termos de inovação e competitividade – promover o alargamento e o reforço de sua carteira de atividades, produtos e serviços transacionáveis com que se expõe perante a globalização (MAGRINHO, 2009). O Brasil tem gastos com atividades inovativas (Pesquisa e Desenvolvimento) considerados baixos. Isso demonstra a necessidade de desenvolver condições estruturais, instituições e outros mecanismos de incentivo que promovam a inovação de maneira eficaz, a exemplo de um verdadeiro sistema nacional de inovação.

Supondo-se que os potenciais problemas relativos à comparação desses dois países sejam superados, o que os indicadores podem dizer sobre o fenômeno da inovação organizacional se maior ênfase se dá nas inovações tecnológicas (produtos e processos) e em outras variáveis, como aquelas destinadas ao entendimento dos mecanismos dos sistemas de inovação e das atividades de pesquisa e desenvolvimento?

Embora se verifique maior atenção às atividades de inovação no nível organizacional (comparativamente às versões dos surveys citados sobre inovação), pouco espaço é destinado ao estudo das inovações organizacionais nos contextos brasileiro e português. Particularmente na leitura do contexto brasileiro, percebe-se uma preocupação intensa das organizações com a inovação tecnológica em produtos e em processos, bem como do Estado e suas instituições em fomentar novos desenvolvimentos nessa área.

As inovações organizacionais, todavia, tornam-se cada vez mais importantes, como apontado nos tópicos anteriores. Do ponto de vista teórico-conceitual, a discussão sobre essa dimensão

da inovação é mais profícua, evidenciando sua importância35.

Estudos sobre inovação nos contextos brasileiro e português podem trazer à tona questões relacionadas à inserção dos países em blocos regionais. De um lado, Portugal está inserido num bloco econômico consolidado – a União Europeia –, que possui um projeto comum de inovação chamado “Estratégia de Lisboa”, cujo maior enfoque está na inovação e no conhecimento como elementos centrais para a competitividade do bloco. Por sua vez, o Brasil, que sofreu um processo de industrialização mais recente, está inserido num contexto menos integrado que o europeu – em termos econômicos, principalmente.

É importante também ampliar as discussões explicitadas no que diz respeito às similaridades entre Brasil e Portugal no que tange à inovação. Esses países possuem similaridades não somente em sua posição em um ranking global, mas também no que diz respeito às transformações necessárias e aos desafios para o desenvolvimento de inovações (embora em "escalas" diferentes) compatíveis com os contextos nos quais estão inseridos.