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Inovações e contribuições – um paralelo com o momento histórico

É na Universidade de Cambridge que Harvey forma-se como geógrafo no ano de 1957 e finda seu doutorado em 1961. Em Cam- bridge, ocupavam assento acadêmico até 1966 duas grandes referên- cias da Nova Geografia que em muito contribuíram para oferecer bases conceituais e práticas ao movimento renovador em curso – e pelo próprio chamamento carinhoso que Harvey (1969, p.ix) faz no prefácio de Explanation a essas duas personalidades, podemos ter noção de seu impacto no meio acadêmico e da disposição em divulgar os novos conhecimentos – eram os “gêmeos terríveis” da geografia britânica, Richard Chorley e Peter Haggett.

Nesse período, Harvey realiza estágio de assistente de ensino durante sua pós-graduação e auxilia os trabalhos dos dois professores, ligados aos métodos quantitativos e à modelagem. Desse período resultam artigos acadêmicos com referências e usos de técnicas quantitativas aplicadas em geografia, como cadeias de Markov e, especialmente, um capítulo no livro Models in Geography, de Chorley & Haggett (1967), intitulado “Models of the Evolution of Spatial Patterns in Human Grography”, que pela grande aceitação do livro projeta o nome de Harvey; a análise desse capítulo será retomada adiante. Em seu doutorado, intitulado Aspects of agricultural and rural change in Kent, 1815–1900, Harvey também aplica técnicas es- tatísticas e modelos como o de Lösch. Esses podem ser considerados os pré-manuscritos que irão ser mais bem desenvolvidos por Harvey em Explanation. Barnes (2006, p.40) também faz menção à influência do professor Tony Wrigley, demógrafo histórico, que introduziu Harvey ao pensamento mais geral do século XIX, o positivismo de Auguste Comte e o pensamento de Marx; o que vem a sustentar a base filosófica de Harvey, enquanto Chorley e Haggett auxiliam na formação da base do método científico.

A continuidade desse processo se dá na Universidade de Bristol, onde Harvey encontra subsídios e elementos para concretizar seu pri- meiro livro, e é nesse local que se dá a maior parte da redação da obra,

onde o jovem Harvey já se encontra como professor e tem novamente a figura de Haggett, recém-contratado pela universidade em 1966, como professor de geografia urbana e regional, e agora seu colega de trabalho. Explanation in Geography é resultado de quase uma década de ensino de graduação na Universidade de Bristol sobre a “nova base” científica para trabalhar a geografia, e não menos do que isso, é fruto de debates com colegas na Suécia e nos Estados Unidos, já que Harvey realizou um pós-doutoramento na Universidade de Uppsala entre 1960 e 1961, e muito provavelmente tomou conhecimento da vertente da Nova Geografia que se desenvolvia na Suécia, a visão temporo-espacial dos trabalhos iniciais de Hägerstrand.

Barnes (2006, p.34) sintetiza esse momento fundamental na carreira de Harvey e na elaboração de Explanation:

The broader point is that the Department of Geography at Cam- bridge during the period Harvey was a student, and later a young lecturer at Bristol, was a “truth spot”. That is, it was one of an ini- tially small number of sites in Europe and North America, and which by the mid- 1960s included Bristol, where geographical practices were remade in the likeness of natural science in a movement dubbed “the quantitative revolution” (Barnes 2001, 2004). That revolution was to move the discipline from the dark ages of its ideographic past to the dazzling promise of a nomothetic future. As a young, bright, ambitious student interested in ideas, Harvey inevitably was caught up in the change even though it went against the grain of his “strong ‘Arts’ background” (Harvey 1969a: v). Indeed, it may have been that Arts background that made him move away from his earlier sometimes fumbling attempts at quantitative analysis to the later philosophical and discursive treatment found in Explanation.1

1 Tradução do autor: “O ponto principal é que o Departamento de Geografia na Universidade de Cambridge durante o período em que Harvey era um estudante e, posteriormente, a Universidade de Bristol, onde Harvey era um jovem professor, eram um ‘ponto de verdade’, ou seja, eram alguns dos locais, de um número inicialmente pequeno na Europa e América do Norte, onde em meados da década de 1960 as práticas geográficas foram refeitas, à semelhança

Trata-se de um verdadeiro guia de estudos e referencial para se proceder a uma pesquisa científica em geografia. Observando o livro desse modo, vê-se que, ao se propor um guia, é porque claramente um novo modo de se fazer as coisas é possível, e sendo novo, necessita de maior clarificação dos procedimentos. Harvey (1969, p.v) coloca que, acima de tudo, o livro foi escrito para a sua própria educação, ou seja, foi a forma que o autor encontrou para concatenar o processo de aprendizagem que vinha desenvolvendo, na perspectiva de tornar claro a si mesmo todo o acúmulo de conhecimento e informação ad- quirido durante sua formação acadêmica e na sua prática de ensino, que, como vimos, sofreu grande influência da Nova Geografia que vinha surgindo.

Esse novo modo também não pode ser algo esparso, sem nexo, deve estar ligado a um corpus teórico que viabilize a tomada opera- cional de análise, já que Explanation visa dar uma contribuição à geografia, quanto à sua forma de proceder para tornar a pesquisa realmente científica. E nesse ponto a obra traz contribuições relevan- tes quanto ao método hipotético-dedutivo em geografia, necessário para os pressupostos e anseios de tornar a geografia uma disciplina científica.

Os geógrafos tiveram de avançar nesse sentido. No campo da geografia física a derivação de teorias a partir de postulados e axiomas possibilitou a capacidade de dedução, como a paisagem produtora de processos e as formas provavelmente resultantes de leis físicas. Na área de geografia humana, hipóteses relacionadas ao comportamento humano possibilitaram deduções de padrões espaciais.

dos métodos das ciências naturais, em um movimento chamado de ‘revolução quantitativa’ (Barnes 2001, 2004). Essa revolução mudaria a disciplina da Idade das Trevas e seu passado ideográfico para a deslumbrante promessa de um futuro nomotético. Como jovem e brilhante aluno, ambicioso interessado nas idéias, Harvey foi inevitavelmente apanhado por esta mudança, mesmo que fosse contra a semente de seu ‘forte conhecimento das ‘artes’’ (Harvey, 1969a: v). Na verdade, pode ter sido esse conhecimento das artes que o fez afastar-se da sua anterior, às vezes desastrada, tentativa de análises quantitativas, para o mais filosófico e discursivo tratamento encontrado em Explanation”.

Outra contribuição foi o uso de técnicas quantitativas. Para Harvey, também, a quantificação foi necessária, mas longe de ser suficiente: essa medida foi uma ferramenta necessária, mas muito mais importante foi para os geógrafos humanos e físicos para avaliar e implantar a filosofia que subderrotou o “poder fantástico” do modelo científico (Johnston, 2008). A leitura que Harvey (1969, p.viii) fez desse momento resulta em Explanation, “this book is therefore about the ways in which geographical undestanding and knowledge can be acquired and the Standards of rational argument and inference that are necessary to ensure that this process is reasonable”.2

De acordo com Johnston (2008), o modelo de Harvey em relação à Nova Geografia foi a representação de uma teoria – isto é, um re- sultado de uma série de leis, como declarações. Tais representações se tornaram a fonte de hipóteses, conduzindo a testes de validade empírica da teoria. O exemplo de uma teoria em geografia huma- na que ilustra esses conceitos fundamentais é a teoria dos lugares centrais: base para um grande volume de trabalhos geográficos na década de 1950 de 1960.

Harvey mostra que ela era derivada de um conjunto de postulados fundamentais econômicos (assumindo leis) sobre o comportamento do consumidor e fornecedor com minimização dos custos de trans- porte para os consumidores de acordo com a natureza dos produtos/ serviços que estão sendo fornecidos. Esses são ligados em uma única teoria, a partir da qual é possível deduzir o arranjo espacial dos centros de serviço. Modelos poderiam ser derivados mostrando a morfologia esperada do arranjo espacial em diferentes contextos, que tinham características comuns, tais como o arranjo hexagonal de cen- tros em hierarquias de nidificação. Hipóteses específicas poderiam então ser testadas em determinadas situações empíricas (Johnston, 2008; Barnes, 2006). Para Harvey (1969, p.169), o mais importante

2 Tradução do autor: “este livro é, portanto, sobre as formas em que a com- preensão geográfica e conhecimento podem ser adquiridos e as normas da argumentação racional, considerando que são necessárias para garantir que o processo seja razoável”.

desses conceitos era a teoria: “without theory of some kind the explana- tion and cognitive description of geographic events is inconceivable”.3

Trilhando o caminho da explicação: modelos em