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2 EM MOVIMENTO: UMA ETNOGRAFIA SOBRE JUVENTUDES E SUAS

2.1 Inserção no Campo

Estou no bairro Bom jardim, na praça Santa Cecília. Faz sol, são 15:00 horas. A praça recebe os jovens do Levante com seus gritos, faixas, seu batuque, tambores, alto-falantes. De um lado, um pequeno grupo abre uma caixa, contendo cordas, pincel, adesivos, tesouras, cola, tinta e iniciam um processo de confecção de materiais pedagógicos para serem levados no Ato. Aos poucos a praça vai ganhando a atenção de outros moradores. Os jovens, as crianças vão se chegando, contagiados pelo som da batucada, pelas palavras de ordem. Um outro grupo fazia a cota para comprar água, na tentativa de amenizar o calor (DIÁRIO DE CAMPO, 14/03/2016)

Toda nova pesquisa inaugura uma nova possibilidade de pensar, de olhar, sentir e se perceber na realidade que se propõem investigar dada a subjetividade do pesquisador, sua formação e o seu jeito de construir o objeto. O estranhamento é reflexo do novo que se apresenta, uma vez que se trata de um novo lugar, outra realidade, novas relações que precisam ser construídas com os sujeitos em cena.

Desde o contato inicial percebia “vir no vento o

cheiro da nova estação”7, ou seja das mudanças que aquele trabalho provocaria em mim. Foi estranho estar ali, não sabia o que olhar, como olhar, como me comportar. No entanto, foi na

busca por viver esses movimentos juvenis dos jovens do LPJ que busquei me deslocar, sair do meu campo espacial naturalizado e adentrar ostros espaços da cidade na busca de encontrar a juventude em suas atividades educativas emancipadoras em luta por uma cidade mais viva, uma juventude mais participativa e engajada.

Peguei um ônibus na linha Centro Terminal do Siqueira em direção ao primeiro encontro com os jovens do LPJ que organizavam um ato em defesa da abertura de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro Bom jardim. Ainda no terminal vi alguns jovens com camisas pretas com o nome Levante Popular de Juventude. O grupo de mais ou menos oito integrantes. Ao longo do percurso, observei suas conversas e sem saber em qual parada descer, resolvi deixar ser guiada pelos caminhos que aqueles jovens iriam percorrer. Na parada desci com eles e fui, um pouco atrás seguindo seus rastros.

Ao chegar na praça, local de concentração, procurei falar com um dos jovens que tinha me convidado para o ato. Alguns olhares estranhando minha presença ali me fitaram. Aos poucos os jovens iam organizando as faixas para a manifestação que adentrou algumas ruas do bairro até chegarem na UPA. Em outro espaço um grupo de jovens começava a aquecer a batucada, tocar os tambores iniciando a agitação do grupo que estava presente e das pessoas que passavam próximo do local.

Nas primeiras aproximações senti que eles ficavam um pouco desconfiados. Acho que não me levavam muito a sério, era só mais uma querendo dados para sua pesquisa. Como os jovens do Levante são mais politizados, eu fiquei muito insegura, com medo do modo como eles iam me ver e se isso poderia afastar ou aproximar a relação. Vi que eu precisava estar presente em outros espaços, contribuindo de algum modo, para além do ofício de pesquisadora. Percebi que na pesquisa etnográfica o contato ocorre pela (e na):

Estreita aproximação entre pesquisador/a e sujeitos investigados, de modo a demandar a constituição de relações, a criação de laços, de empatias e, por que não dizer, de afinidades e/ou identificações que permitam não somente a inserção do/a pesquisador/a no campo, a sua acolhida, como também a confiança e a disponibilidade dos sujeitos investigados a participação nos processos metodológicos da investigação (JOCA, 2013, p. 300).

Então, se eles/elas estavam em feiras, eu também estava. Se eles/elas estavam em reuniões, em também estava. Quando postavam coisas no Facebook, eu comentava, compartilhava. Isso tudo foi importante para que eu fosse aceita no grupo. Não estou querendo com isso dizer que eu tinha que ser igual a eles/elas, sabia que esse não era o objetivo. Mas, me coloquei de um modo que o meu lugar de fala e de ser não se tornou um elemento de afastamento, mas de respeito e confiança. “A acolhida depende de tudo isso e a

circulação do etnógrafo é orientada pelas múltiplas angulações com que a cena é percebida” (SILVA, 2009, p. 177).

Quando me convidaram para o III Acampamento Nacional, adiantaram-me que era um evento grande, o maior do Movimento. No período que antecedeu ao evento, me coloquei à disposição para ficar com um caderno de ouro8, para ajudar o movimento a conseguir recurso para as despesas do evento. Todas essas pequenas coisas foram construindo uma relação mais próxima com os/as jovens do movimento.

Nesse itinerário, o pesquisador é desafiado o tempo inteiro a imaginar, a descobrir e a construir a realidade que observa (PAIS, 2003). Por isso, os caminhos podem ser percebidos como um desvio, um descaminho para se chegar o mais próximo possível da realidade. Então esse percurso é também uma experiência, sempre falha, de modo que ela escapa ao que estava previamente programado:

Fazer soar a palavra “experiência” em educação tem a ver, então, com um não e com uma pergunta. Com um não a isso que nos é apresentado como necessário e como obrigatório, e que já não admitimos. E com uma pergunta que se refere ao outro, que encaminha e aponta em direção ao outro (para outros modos de pensamento, e da linguagem, e da sensibilidade, e da ação, e da vontade), porém, sem dúvida, sem determiná-lo. Só porque ainda queremos continuar vivos, prosseguir. E porque ainda intuímos, ou acreditamos intuir, um além de (LARROSA, 2016, p. 74).

Nessa direção e consciente de que nesse caminhar muitas vezes nos perdemos para chegarmos à outra margem, esse trabalho pretende estudar os jovens a partir de um olhar e de uma relação de perto, na qual essa aproximação me permita romper algumas fronteiras, minimizar as desigualdades e as diferenças na tentativa de lançar um olhar, uma escuta e uma escrita além do que possa estar no campo do aparentemente colocado/visível.