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Inserção e Representatividade – uma análise dos dados secundários

2. PARA ALÉM DAS ESTRUTURAS: DESAFIOS DO RECONHECIMENTO SOCIAL

3.1 Inserção e Representatividade – uma análise dos dados secundários

Para traçar um panorama a respeito da presença de pessoas negras nos cargos executivos das maiores empresas, foi necessário buscar dados que nos deem a possibilidade de analisar quantitativamente o perfil de ocupação dos cargos na estrutura hierárquica. Este levantamento por si só aponta que, não só as empresas não possuem grande preocupação em equalizar as diferenças através de programas de diversidade, bem como não há diversidade de pesquisas em torno da questão.

Em 2016, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, criado em 1998 por um grupo de empresários e executivos de empresas privadas com o intuito de ajudar empresas a gerir seus negócios de maneira sustentável (ETHOS, 2016), publicou a sexta edição da Pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e

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Suas Ações Afirmativas, única pesquisa do gênero no país, trazendo dados relacionados à inserção de mulheres, negros, pessoas com deficiências, escolaridade e faixa etária nos diversos níveis hierárquicos do setor empresarial sendo desde trainee e aprendizes a executivos e conselheiros com o objetivo de apresentar possíveis desequilíbrios nas composições do mercado de trabalho das grandes empresas brasileiras e analisar as políticas de ações afirmativas desenvolvidas pelas empresas (ETHOS, 2016).

Segundo a pesquisa, 500 questionários8 foram enviados às maiores empresas do país e um grupo de 117 empresas retornou com os questionários respondidos, sendo apenas 27 com 100% do questionário respondido. Para complementar as análises quantitativas, o Instituto utilizou um questionário com perguntas abertas para entrevistar gestores da área de diversidade das empresas que participaram da pesquisa quantitativa (ETHOS, 2016, p. 9).

O questionário foi dividido em quatro partes, sendo a última a ser preenchida pelo Recursos Humanos das empresas com o objetivo de traçar um perfil dos empregados da organização como grupo etário, questões envolvendo gênero, raça e pessoas com deficiência.

A maior parte das empresas analisadas nesta pesquisa está localizada nas regiões sudeste e sul, sendo centro-oeste, nordeste e norte regiões com baixa ocupação e 62,7% das empresas localizadas na região sudeste tem sua matriz na cidade de São Paulo, sendo 52,1% do setor da indústria e o menor índice no setor de produtos agrícolas com 13,7%.

Nas informações de Ethos (2016) dentre as 117 empresas analisadas, apenas 27 responderam a quarta parte do questionário que solicitava informações a respeito do perfil de todo quadro funcional da empresa. Dentre as 90 empresas que não responderam, a maior parte relatou não conseguir traçar um perfil profissional dentro da organização o que demonstra que as organizações ainda não se engajam em levantar dados estatísticos dentro da própria instituição a fim de conhecer as necessidades do quadro funcional e consequente definição de projetos e ações afirmativas.

Seguindo a análise, apesar de afirmarem que a participação de negros e mulheres é relevante em todos os níveis hierárquicos, os dados mostraram que, a maior parte das empresas não possui planos e metas com ações afirmativas relevantes dentro da organização e quando tem são ações pontuais. 85,5% das empresas participantes afirmaram não possuir medidas para incentivar e ampliar a presença de negros nos cargos executivos. Para além dos altos cargos da estrutura organizacional, em todos os níveis hierárquicos a falta de medidas

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Para mais informações sobre o questionário consultar as páginas 72 à 92 da publicação Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas.

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para inserção de negros ultrapassava os 80%, inclusive entre os trainees e estagiários, que apesar da falta de programas de inserção, tem o número de negros maior do que o de brancos no universo analisado. No gráfico 2, é possível observar a porcentagem de empresas que possuem políticas com metas e ações planejadas, ações pontuais e que não possuem medidas para incentivar e ampliar a presença de negros em todos os níveis hierárquicos:

Gráfico 2 – Incentivo à participação de negros

Fonte: (ETHOS, 2016, p. 47)

Para corroborar com as discussões suscitadas através dos dados qualitativos, Pedro Jaime de Coelho Junior na tese Executivos Negros: racismo e diversidade no mundo empresarial, contribui para uma análise a respeito do alcance dos programas de ações afirmativas das empresas passarem por um processo de interposição da média gerência que limita e determina a maneira como as ações serão e logo interferem no resultado das mesmas.

Os resultados observados por Coelho Junior (2011) a partir de uma entrevista com um executivo negro que coordenou o Comitê de Negros de uma corporação transnacional do setor financeiro, resultam na afirmação de que os negros são uma peça de marketing nos programas de diversidade. A análise apresentou um exemplo a respeito da inserção de trainees na empresa que segundo o entrevistado era o único cargo que possuía um plano de carreira

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estruturado onde o ingressante deveria chegar a um cargo executivo cerca de quatro anos após a contratação.

No entanto, as exigências do cargo não correspondem à realidade educacional da maior parte dos negros do país, pois exigia alta qualificação e inglês fluente. O entrevistado afirmou ainda, segundo Coelho Junior, que uma das dificuldades para inserção do negro encontrava-se na resistência da média gerência. Ainda no caso da inserção de trainees na empresa analisada, Coelho Junior descreve uma situação vivenciada pelo entrevistado:

A Matrix exigia que os candidatos a trainee tivessem inglês fluente. Ele considerava importante incluir jovens negros no programa, mas sabia que era difícil encontrar negros que preenchessem esse requisito. Sugeriu então que esse critério fosse retirado do processo seletivo. O seu argumento para tentar convencer os responsáveis pelo Comitê de Diversidade e pelo departamento de RH era que a empresa tinha condições de financiar, ao longo do programa, a formação no idioma para o negro com talento que eventualmente chegasse com essa lacuna. Ou seja, defendia que se a empresa tinha o propósito de promover a diversidade, seria importante adaptar as exigências do recrutamento. Não encontrou boa vontade desses profissionais, que decidiram que as regras seriam mantidas. Ainda assim conseguiu colocar três jovens negros para participar do processo seletivo. Um deles havia sido estagiário da ONU nos EUA, outro atuara no Lloyds Seguros, na Inglaterra, e o terceiro trabalhara na Holanda. Todos três, portanto, possuíam inglês fluente, mas nenhum deles foi recrutado. (COELHO JUNIOR, 2011, p. 64)

Desta forma, implementar um programa de ação afirmativa que tem dentre seus critérios pontos que destoam da realidade da maioria das pessoas negras é uma tentativa de não alcançar de fato o objetivo inicial da ação. Seria necessário, não apenas flexibilizar as regras e adequá-las à realidade de negros para que de fato as ações pudessem ser concluídas, mas também formular ações que rediscutam a cultura organizacional e influencie os gestores a pensar a implementação da diversidade de maneira real e efetiva.

Um dado relevante trazido pela pesquisa realizada pelo Instituto Ethos demonstra que no universo das empresas analisadas, 57,5% dos aprendizes e 58,2% dos trainees são negros (ETHOS, 2016, p. 15) No entanto, ao subir os níveis hierárquicos das empresas há um afunilamento de representatividade que demonstra a sub-representação das pessoas negras nos altos cargos das grandes empresas. Entre as mulheres, apenas 0,4% de mulheres negras ocupam cargos do quadro executivo (são apenas duas) e 1,6% do quadro de gerência (ETHOS, 2016, p. 23).

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Fonte: (ETHOS, 2016, p. 22)

A tabela 1 evidencia a enorme distância existente entre brancos e negros no que tange os cargos mais altos das maiores empresas. Considerando que, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (IBGE), os negros, considerando pretos e pardos, representam mais da metade da população brasileira (54%), nos cargos mais altos a ausência exorbitante de pessoas negras confirma a persistência das grandes desigualdades. Embora haja movimento, mídia e marketing por parte das empresas a respeito da diversidade étnico racial, há poucas ações que valorizem efetivamente tal diversidade e que assuma a problemática da disparidade como um problema social que necessita da articulação de setores da economia e da política na resolução dessa injustiça.

Por fim, ao coletar dados sobre a visão dos gestores a respeito da presença de negros na alta gerência e em todo quadro funcional, a pesquisa realizada pelo Instituto Ethos demonstrou que, 48,3% dos gestores entrevistados, atribui à falta de qualificação profissional a razão para baixa proporção de negros nos quadros hierárquicos; 10,3% atribui à falta de interesse dos próprios negros pelos cargos das empresas e 41,4% assumem que existe falta de conhecimento ou experiência das empresas para lidar com o assunto como demonstra o gráfico 3:

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Fonte: (ETHOS, 2016, p. 58)

A percepção do gestor a respeito da proporção do nível de diversidade da empresa mostra-se extremamente relevante uma vez que ele é o responsável pela gestão de medidas que podem ampliar o acesso de negros, construir planos de carreira sólidos ou impedir tacitamente que estes tenham crescimento dentro da instituição. Assumir o que os dados revelam é determinante pra que não aconteçam situações como a relatada na pesquisa de Coelho Junior sobre a resistência dos quadros gerencias em compreender a necessidade de flexibilizar os critérios para ampliar o acesso. Os dados apresentados no gráfico 3 salientam que a maior parte dos gestores atribui à falta de qualificação profissional a justificativa para o distanciamento das pessoas negras do quadro gerencial das empresas a que pertencem. Como já discutido anteriormente, à atribuição a qualificação profissional por si só faz parte de uma retórica de responsabilização individual em um mundo cada vez mais estruturado de acordo com as vontades de uma elite não inclusiva e mantenedora de privilégios. O que fica evidente dentre todas as análises apresentadas é que a ausência de negros é um fato dado, com baixa vontade de ser resolvido e com argumentos que responsabilizam o sujeito e retiram das empresas a necessidade de pautar uma sociedade mais justa através das relações de trabalho.

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