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Inserção da Mulher na Esfera Produtiva com o Advento da Grande Indústria A passagem da manufatura para a grande indústria constituiu um marco que

3 A TRAJETÓRIA DA MULHER NO MUNDO DO TRABALHO: UM ENFOQUE HISTÓRICO

3.2 Inserção da Mulher na Esfera Produtiva com o Advento da Grande Indústria A passagem da manufatura para a grande indústria constituiu um marco que

contribuiu significativamente para incorporação do trabalho feminino ao mundo da produção e para uma mudança no papel social das mulheres. Cada vez mais as máquinas e a energia mecânica foram substituindo o trabalho manual, ocasionando maior concentração de renda nas mãos de uma minoria e obrigando os trabalhadores, destituídos de renda e propriedades, a vender sua força de trabalho em troca de salários para sobreviver. Como destaca Hobsbawm,

A fábrica era realmente uma forma revolucionária de trabalho, com seu fluxo lógico de processos cada qual uma máquina especializada a cargo de um ‘braço’ especializado, todos ligados pelo ritmo constante e desumano do ‘motor’ e pela disciplina.78

Esse novo momento do modelo de produção material implicou a crescente substituição de mão de obra humana pela máquina. Como anota Marx, ao se transferir a força dos músculos dos trabalhadores para a máquina, abriu-se uma possibilidade de se instituir uma mudança de valores e incorporar mulheres e crianças a uma rotina de trabalho, fato que contribuiu significativamente para se atribuir à mulher o desempenho de tarefas desenvolvidas, antes, somente por homens. Marx assinala que,

À medida que a maquinaria torna a força muscular dispensável, ela torna o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a primeira palavra de ordem da aplicação capitalista da maquinaria! Com isso, esse poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores transformou-se rapidamente num meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família dos trabalhadores, sem distinção de idade ou sexo, sob o comando imediato do capital. O trabalho forçado para o capitalista usurpou não apenas o lugar do folguedo infantil, mas também ao posto de trabalho livre no circulo doméstico, dentro de limites decentes, para a própria família.79

Assim, no entender de Marx, a apropriação do invento da maquinaria pelos capitalistas, em vez de libertar o trabalhador do fardo do trabalho, reduziu o custo da produção dos produtos, minimizando as horas de folga do trabalhador e aumentando,

78 HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. In: NOGUEIRA, Claudia Mazei, A Feminização no Mundo do Trabalho: Entre a Emancipação e a Precarização. Op. Cit., p. 09. 79 KARL, Marx. O Capital: crítica da economia política. Op. Cit., p. 23.

consequentemente, a jornada de trabalho que ele seguramente daria de graça ao capitalista. Então, assevera: “É de se duvidar que todas as invenções mecânicas até agora aliviaram a labuta diária de algum ser humano”.80 Para Marx, esse não era o motivo principal para o invento da maquinaria, pois ela é utilizada como capital. Portanto,

Igual a qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela se destina a baratear mercadorias e a encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si mesmo, a fim de encompridar a outra parte da sua jornada de trabalho que ele da graça para o capitalista. Ela é meio de produção de mais-valia81.

Cada vez mais, o aperfeiçoamento da máquina – favorecido pelo avanço tecnológico – e a consolidação do sistema capitalista concorreram para que mulheres e crianças se inserissem no mercado de trabalho. O desenvolvimento da indústria, por seu turno, contribuiu para a desvalorização do trabalho, aumentando, assim, a exploração não apenas do operário individual, mas também de toda a família operária, fato este que configurou como outra forma de exploração humana. Como anota Marx,

Como certas funções da família, por exemplo, cuidar das crianças e amamentá-las etc., não podem ser totalmente suprimidas, as mães de família confiscadas pelo capital têm de arranjar substitutas mais ou menos equivalentes. Os labores domésticos que o consumo da família exige, como, costurar, remendar, etc., precisam ser substituídos, pela compra de mercadorias prontas. Ao menor dispêndio de trabalho doméstico, corresponde, portanto, ao maior dispêndio dinheiro. Os custos da produção da família operária crescem, portanto, e contrabalançam a receita suplementar.82

Especificamente sobre o ingresso das mulheres no mundo da produção, ocorre que os trabalhos anteriormente produzidos em ambientes domésticos – como costurar, remendar dentre outros – foram sendo substituídos por produtos fabris, aumentando, assim, o consumo de produtos prontos e a circulação de mercadorias. Notadamente, os trabalhos, antes realizados em oficinas domiciliares, foram substituídos pelo trabalho industrial.

As considerações de Marx sobre a força de trabalho feminino indicam que estas formas de extração de mais-valia acirram as contradições do sistema capitalista.

80 Ibidem, p. 07. 81 Ibidem, ibidem. 82 Ibidem, p.23.

Toledo, corroborando essas ideias, ressalta que, se a opressão feminina não nasceu com o capitalismo, foi seu advento e, sobretudo, a Revolução Industrial que transformaram radicalmente as condições de vida de milhões de mulheres ao inseri-las na classe trabalhadora83.

Desta feita, uma análise mais detida sobre a problemática da mulher em sua relação com o mundo trabalho revela que esta sempre trabalhou. Outrossim, se sua presença no mundo do trabalho se alterou com o advento do capitalismo, sabe-se é que a mulher sempre esteve presente, nas funções laborais, em fases anteriores ao capitalismo, por diversos motivos. Os estudos de Scott84 chamam a atenção para o fato de que

A mulher trabalhadora já existia muito antes do advento do capitalismo industrial, ganhando seu sustento como fiandeira, costureira, ourives, cervejeira, polidora de metais, fabricante de botões de renda, ama, criada de lavoura ou criada doméstica nas cidades do campo da Europa e da América.85

Assim, a possibilidade de a mulher desempenhar, à época da Revolução Industrial, as funções de trabalhadora, trouxe outros desdobramentos, pois muitos foram os questionamentos morais e sociais, no que concerne a uma suposta incompatibilidade de a mulher conciliar o lar e o trabalho. Os questionamentos sobre a saída da mulher do lar para a fábrica se ampliaram, na tentativa de evidenciar que não existia qualquer possibilidade de conciliação entre trabalho produtivo e reprodutivo86. E, se as mulheres assim o pretendessem, teriam que cumprir as atividades domésticas e do trabalho.

Nogueira destaca o fato de que a empregabilidade feminina haver passado por muitos preconceitos,87 chegando a ser considerada uma “imoralidade” por alguns segmentos da sociedade moderna. Muitos acreditavam que, por estarem as mulheres expostas a serviços pesados, à rude linguagem masculina e às provocações dos capatazes que chegavam até a exigir favores sexuais, tais fatos, segundo eles, poderiam atirá-las na prostituição. Na perspectiva da autora, a conotação do trabalho feminino,

83 Toledo, Cecília. Mulheres: O Gênero nos Une, a Classe nos Divide. Op. Cit., p. 90.

84 Sobre este aspecto, convém destacar que, embora tais estudos estejam no âmbito da Sociologia, consideramos oportuno situá-los em virtude da ampla discussão sobre a temática em questão nesse campo.

85 SCOOT, J. W. (1994) A mulher Trabalhadora. In: NOGUEIRA Claudia Mazei. A Feminização no

Mundo do Trabalho: entre a emancipação e a precarização. Op. cit, p. 14.

86 Ibidem, p.15.

87 Segundo Nogueira, no período de 1830 a 1840, alguns conservadores acreditavam que o trabalho poderia esterilizar a capacidade de aleitamento das mulheres. NOGUEIRA, Claudia Mazei. A

representado como uma imoralidade, tinha um propósito: repercutir de forma negativa e mascarar as condições e os baixos salários que elas recebiam por suas atividades88.

Nesse sentido, as apreensões de Marx servem para elucidar o quanto se torna mais lucrativa para os detentores do capital a lógica da empregabilidade feminina, que acentuou o contexto de exploração e alienação, não só para a mulher, mas também para todo o universo de trabalhadores. Consoante Nogueira, Marx e Engels, no Manifesto

Comunista, destacam:

Quanto menos o trabalho exige habilidade e força, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo trabalho das mulheres e crianças. As diferenças de idade e sexo não têm mais importância para a classe operária. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo idade e sexo [...] Os interesses, as condições de existência do proletariado se igualam cada vez, à medida que a máquina extingue toda a diferença do trabalho e quase por toda a parte reduz o salário a um nível igualmente baixo.89

Para Nogueira, uma das explicações para essa crescente apropriação do trabalho feminino tem relação direta com as características que se procura atribuir à mulher.90 Essa autora considera que esse fato não é um evento recente, pois, nos escritos de Marx,91 há um exemplo bastante elucidativo que pode justificar sua superexploração:

Um fabricante informou-me de que emprega exclusivamente mulheres em seus teares mecânicos; ele dá preferência às mulheres casadas, especialmente àquelas com família em casa, que dependem delas para se sustentar; são muito mais atentas e dóceis, e são compelidas a aplicar o máximo de seus esforços para obterem os meios de subsistência de que necessitam. Assim as virtudes, as virtudes peculiares do caráter feminino, são pervertidas para o seu próprio prejuízo – assim, tudo o que há de mais honesto e terno em sua natureza é transformado num meio de sua escravização e sofrimento.92

Percebe-se que as indústrias têxteis, em sua maioria, empregam um número significativo de mulheres em seu quadro de trabalhadores, e um investimento relevante em maquinaria moderna com o intuito de se servir maciçamente da mão de obra feminina, considerando suas características físicas e psicológicas e por acreditarem que 88 Ibidem, p. 23. 89 Ibidem, p.14. 90 Ibidem, p.14. 91 Ibidem, p.14. 92 Ibidem, p.13.

as mulheres possuem maior senso de responsabilidade e desenvolvem suas atividades com maior concentração e agilidade. Essas características são associadas, ainda, a docilidade, tolerância e paciência. Dessa forma, observa-se que o capitalismo se apropria das características peculiares do feminino, desde aquelas biológicas até as de caráter de conquista social, como forma de se perpetuar como ordem hegemônica.

Um estudo realizado em 2005 pela pesquisadora Edila Ferreira, nas empresas da Zona Franca de Manaus, revela que essas organizações empregam um grande número de mulheres no setor de produção, assemelhando-se às zonas francas industriais asiáticas e às do México, conhecidas como ‘indústria maquiladora’. Essas empresas têm uma predominância da presença de mulheres em seu quantitativo de trabalhadores justamente por que as mulheres parecerem estar mais dispostas a aceitar o grau de exploração a elas imposto93. Referido estudo revelou ainda que, como nas outras zonas francas, na Zona Franca de Manaus, as empresas empregam uma força de trabalho jovem, barata e não especializada em funções desgastantes e em condições precárias.

Além disso, é sabido que o capital se utiliza desse tipo de mão de obra por necessitar reduzir o preço pago pelos serviços, o significa outro aspecto significativo para o aumento das contratações das mulheres nessas e em outras empresas. Para Toledo, “a mulher é sinônimo de trabalho barato”.94 Mesmo sendo o valor da força de trabalho considerado por Marx igual para todos os trabalhadores, este, por sua vez, pode ter valores de troca distintos, justificando, assim, a diferença entre esses valores.95

Com base nessas conjecturas, podemos afirmar que o capitalismo se utiliza da divisão sexual e da desigualdade de gênero para aumentar a competição entre os trabalhadores e, conseqüentemente, sua lucratividade. Nesse viés, é expresso um panorama de trabalhos precários, vulneráveis e flexíveis, vivenciado pelas mulheres, que configura um regime de assalariamento para homens e mulheres.

Na perspectiva de Nogueira, é preciso considerar que as relações sociais de trabalho são sexuadas, perpassadas por outro viés que não apenas os da divisão do

93 Um estudo realizado, em 2005, pela pesquisadora Edila Ferreira, nas empresas da zona franca de Manaus. In: Toledo, Cecília. Mulheres: O Gênero nos Une, a Classe nos Divide. Op. Cit., p. 45/46 94 Toledo, Cecília. Mulheres: O Gênero nos Une, a Classe nos Divide. Op. Cit., p.47.

95 FERREIRA, Edila. In: Toledo, Cecília. Mulheres: O Gênero nos Une, a Classe nos Divide. Op. Cit., p. 40.

trabalho96. Atualmente, a desigualdade entre gêneros é expressa de forma bastante evidente no mundo do trabalho, pois as mulheres sofrem, de forma ainda mais intensa do que os homens, os obstáculos do trabalho em um modelo de sociedade antagônico. Como anota Nogueira,

A igualdade de salários entre homens e mulheres não existe em nenhuma parte [...] em toda a Europa, [...], as mulheres têm salários significativamente menores que os homens. Mas ainda durante o decênio 1980/1990, essas ilegalidades foram acrescidas em um conjunto de países, como é o caso da Itália, Dinamarca e Portugal. Os últimos dados de que nós dispomos relativos à Europa mostram que os desníveis de salários se escalonam entre 10% e 32%.97

Tal fato expressa a discriminação sofrida pelas mulheres que, embora mais recentemente venham desempenhando funções idênticas às dos homens, ainda recebem salários inferiores aos desses trabalhadores. Portanto, pode-se constatar que a precarização do trabalho e os baixos salários, na maioria das vezes, atingem muito mais as mulheres trabalhadoras, contribuindo de forma significativa para acentuar as desigualdades entre os gêneros.

Como assinala Nogueira, “a precarização do trabalho tem sexo” 98 se evidencia de forma clara no tocante às ocupações femininas e às condições de trabalho. Assim, o debate sobre gênero e trabalho mostra-se como relevante, uma vez que o papel desempenhado pela mulher na sociedade atual é marcado por uma histórica luta em busca da igualdade de direitos, em um contexto social caracterizado por discriminação e preconceito.

Como demarca Nogueira, é imperativo perceber no contexto do capitalismo contemporâneo a precarização diferenciada que se evidencia, de forma cada vez mais intensa, na força de trabalho feminina.99 Se nesse modelo societário já se fazem notórias e exacerbadas a exploração, a agudização da alienação, as condições de estranhamento e de desrealização humana no ato do trabalho, para o gênero feminino, então, essa circunstância passa para um quadro de agravamento ainda maior.

96 Sobre este assunto, ver obra de NOGUEIRA, Claudia Mazei, A Feminização no Mundo do

Trabalho: Entre a Emancipação e a Precarização. Op. Cit.

97 Ibidem, p. 47. 98 Ibidem, P. 87.

99 Sobre este assunto, ver obra de NOGUEIRA, Claudia Mazei, A Feminização no Mundo do

Na conjuntura atual, observa-se é que as tendências mais recentes do mundo do trabalho acarretam para a mulher circunstâncias de exploração e precarização mais intensificadas. Para Costa, as tendências mais atuais do emprego feminino parecem

Refletir a persistência de padrões de comportamento na sociedade que envolvem discriminação contra a mulher nos cargos de maior poder e decisão e maior dificuldade em compatibilizar as atribuições familiares, que continuam a ser predominantemente femininas.100 Vale salientar que a diferença dos trabalhos destinados às mulheres e aos homens é muito significativa. Percebe-se que a divisão sexual do trabalho atinge uma dimensão que envolve aspectos como a opressão e a subordinação. Desta feita, muito há ainda a se discutir sobre esta temática, haja vista que a inserção da mulher no mercado de trabalho revela um contexto diferenciado da exploração dos trabalhadores.

3.3 O Contexto de Precarização do Trabalho Feminino na Sociedade