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Instâncias decisórias e Exaurimento da Esfera Administrativa

No documento LARISSA BALDEZ CAMPOS DE SOUZA BRASÍLIA (páginas 69-75)

SUMÁRIO

1. Aspectos Gerais

1.4 Instâncias decisórias e Exaurimento da Esfera Administrativa

A Lei nº 9.784/99 permite que o recurso administrativo tramite por no máximo três instâncias administrativas – salvo se houver lei específica que discipline de modo diverso.

A Lei nº 9.782/99, que cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por sua vez, estabelece que dos atos praticados pela Agência caberá recurso à Diretoria Colegiada, com efeito suspensivo, como última instância administrativa.

O Regimento Interno da Anvisa, RDC n° 255, de 10 de dezembro de 2018, registra a existência de duas unidades organizacionais aptas ao julgamento de recurso administrativo. São elas: a Gerência-Geral de Recursos, competente para processar e julgar os recursos interpostos contra decisões proferidas pelas unidades organizacionais da Agência em primeira instância administrativa; e a Diretoria Colegiada, competente para julgar, em grau de recurso, como última instância administrativa, as decisões da Agência.

A RDC nº 266, de 8 de fevereiro de 2019, que dispõe sobre os procedimentos relativos à interposição de recursos administrativos em face das decisões da ANVISA, preconiza que os recursos interpostos em face das decisões proferidas pelas unidades organizacionais da Anvisa, incluindo os processos de contencioso

administrativo-sanitário, serão julgados em segunda instância pela Gerência-Geral de Recursos e, em última instância, pela Diretoria Colegiada.

Temos, portanto, três instâncias decisórias no âmbito da Anvisa:

Figura 1 – Instâncias decisórias da Anvisa

Fonte: elaborada pela autora

Como exemplo prático, tem-se um registro não deferido por uma decisão de 1ª instância, proferida pela Gerência-Geral responsável, que admite recurso para a GGREC. Se, após a decisão da GGREC, em 2ª instância, o interessado não restar satisfeito, ainda é cabível o recurso para a DICOL, como 3ª e última instância recursal.

Vale dizer que a Diretoria Colegiada da Anvisa é o órgão máximo da Anvisa, composto por cinco Diretores, entre os quais um é o Diretor-Presidente, e são diversas as suas competências, elencadas no art. 7º de seu Regimento Interno, e de extrema relevância para o setor regulado.

Embora a análise de recursos esteja entre o rol das mencionadas competências, e consiste em um direito dos agentes regulados, tem-se uma estatística relevante de petições que contestam a decisão final do Colegiado, sem respeito ao exaurimento da esfera administrativa.

É que contra a decisão da Diretoria Colegiada não cabe recurso, vez que é a instância decisória máxima na Agência. Ainda assim, verificamos o fenômeno de protocolo de recursos repetitivos incabíveis que, por vezes, alcançam o objetivo pretendido, embora assim não deveria ser.

Ocorre que o exaurimento da esfera administrativa literalmente pressupõe o esgotamento de questionamentos por essa via, razão pela qual uma vez utilizadas todas as instâncias decisórias para discussão do pleito, não há razão para revisitar o assunto, sob pena do processo se tornar infindável.

Os pedidos de reconsideração da decisão da Diretoria Colegiada não devem ser conhecidos, por força do que dispõe o art. 63, inciso IV, da Lei nº 9.784/99. Eles não podem, por consequência, sequer serem analisados quanto ao seu mérito, vez que não ultrapassam o juízo inicial de admissibilidade recursal.

1.4.1 A Revisão de Ofício e a preclusão administrativa

Existe a possibilidade, no entanto, da própria Administração Pública – em razão do seu poder de autotutela – rever os seus atos quando eivados de ilegalidade ou por motivo de conveniência ou oportunidade. A legitimação para tal feito deriva do poder/dever da Administração de exercer autocontrole de seus atos.

A própria Lei nº 9.784/99 declara, por meio do art. 53, que “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

A aplicabilidade da autotutela também alcança os processos administrativos, vez que, em suma, são conjuntos de atos administrativos concatenados. As decisões exaradas no curso desses processos, por óbvio, também são atos administrativos e podem ser discutidas e, eventualmente, revistas.

Contudo, há que ser observado se tal decisão é definitiva, se permite, ou não, a interposição de novos recursos. Se terminativa, a esfera administrativa restará exaurida e, stricto sensu, não admitirá mais o controle externo do agente regulado. No entanto o agente administrativo poderá, internamente, de ofício, realizar a correção de um ato eventualmente ilegal.

Tal autorização restou prevista mesmo nos casos em que um recurso não é conhecido. É que o artigo 63, §2º, da Lei de Processo Administrativo, preconiza que o “não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa”. Assim – e somente no caso de ilegalidade – ainda que não conhecido o recurso administrativo, por exaurimento

da esfera administrativa ou outra razão de não conhecimento, é possível que a própria Administração Pública anule seus atos ilegais, inclusive se se tratar de decisões.

Vale o reforço de que tal “permissão” /dever é da Administração Pública, de ofício. Não é supérfluo insistir na afirmação. Mesmo exaurida a esfera administrativa, é comum que os interessados protocolem os mencionados recursos incabíveis por razões de mérito, para rediscutir pontos já exaustivamente debatidos em todas as instâncias decisórias19.

De certo que é amplo o direito de petição e, portanto, os administrados podem arguir vício de legalidade na condução de um processo e chamar o feito à ordem, a fim de tornar sem efeito o ato irregular. Se ao tomar ciência e analisar o alegado, a Administração Pública concluir pela ocorrência de ilicitude, deverá proceder à devida anulação20.

Há que se considerar, contudo, que a Anvisa tem uma missão grande e essencial à proteção e promoção da saúde, não havendo tempo para revisitar o que já foi exaurido. Assim, a Agência poderá ser provocada pelo interessado a verificar a ocorrência da ilegalidade, mas a celeuma deve se restringir a essa hipótese – ainda que, por consequência direta, uma decisão possa ser anulada e outra deva ser proferida atacando o mérito.

É que a anulação de um ato gera efeitos e devolve o processo ao status quo ante. Sendo assim, se a decisão é anulada por vício de legalidade, o processo, em regra, volta ao momento anterior à sua prolação.

19 Vide as pautas de Deliberação da Diretoria Colegiada da Anvisa, incluindo sessão de julgamento denominada “Revisão de Ato”, nas quais não raras vezes constam processos de registros, autorizações, entre outros não sancionadores, que objetivam rediscutir o mérito de matéria exaurida.

20 Conforme já disposto neste Parecer, vigora no direito pátrio a ampla garantia do direito de petição. Assim, se no bojo de um processo administrativo ou como decorrência dele, a Administração tiver notícia de existência de alguma ilegalidade, como resultado do poder-dever de autotutela, deve anular o ato administrativo, qualquer que seja a natureza do processo em questão. PARECER n. 00069/2019/CCONS/PFANVISA/PGF/AGU

O vício de ilegalidade contamina algum dos requisitos que conferem validade ao ato administrativo, são eles a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto21.

Não se pode esquecer que embora a Lei nº 9.784/99 preveja a possibilidade da revisão de ofício de uma conduta ilegal – ainda que provocada pelo interessado – , ela excetua as situações em que ocorreram a preclusão administrativa.

Trata-se de situações em que a conduta fora exercida sob a égide de um entendimento pacífico, consolidado, da Administração Pública em um determinado momento. É que admitir que tal revisão possa ocorrer a qualquer tempo compromete a segurança jurídica.

Assim, se determinados atos foram praticados diante do conhecimento e interpretação consolidados, modificações futuras não devem alcançá-los.

As normas, por si só, não são estáticas, refletem o entendimento do legislador/

do regulador sobre o assunto em determinada época. Tal entendimento é subsidiado por razões diversas (técnico científicas, históricas, sociais, axiológicas, morais, legais etc).

No âmbito da Anvisa, as normas são construídas baseadas em um processo de regulação que envolvem análise de impacto regulatório, estudos técnicos, tecnologia em saúde disponível, participação social, entre tantos outros insumos. Se em um determinado momento os inputs/ dados disponíveis levaram a um entendimento uniformizado e a partir daí se concretizaram condutas, não serão essas, via de regra, passíveis de questionamento por ilegalidade em um momento futuro no qual o entendimento se concretiza de maneira diversa, baseado em novos e/ou diferentes insumos.

1.4.2 Recurso Hierárquico Próprio e Impróprio

Houve um momento em que a doutrina admitia diferentes tipos de recurso, entre eles os recursos hierárquicos próprios e os impróprios. Os próprios seriam

21 Sobre o assunto verificar a doutrina sobre os atos administrativos e seus requisitos de validade.

aqueles interpostos dentro da própria organização administrativa e seriam direcionados a uma autoridade hierarquicamente superior, com competência para alterar a decisão da autoridade que praticou o ato (FURTADO, 2013, p. 980).

Seriam esses os recursos que admitem a discussão de legalidade e de mérito e encaminham a discussão aparentemente solucionada à outra autoridade superior com competência para reavaliá-la (devolvem a discussão ao exame).

Já os recursos hierárquicos impróprios seriam direcionados a autoridades às quais aquela que praticou o ato não se encontra subordinada (FURTADO, 2013, p.

980). Esse seria o caso de não haver hierarquia e, sim, vinculação. Seria como interpor recurso ao Ministro da Saúde, a fim de questionar decisão exarada pela ANVISA, por exemplo. Ocorre que esse tipo de recurso, em regra, exige previsão legal específica22 e admite somente exame de legalidade.

Não foram raras as vezes em que as decisões da Diretoria Colegiada da Anvisa foram confrontadas por meio de recursos de tal natureza, direcionados ao Excelentíssimo Ministro da Saúde. A esse respeito a Procuradoria Federal junto à ANVISA/AGU se manifestou reiteradas vezes, subsidiada por doutrina e jurisprudência, vide Pareceres:

• Parecer Cons. N. 86/07-PROCR/ANVISA;

• Parecer Cons. N. 02/2008-PROCR/ANVISA;

• Parecer Cons. N. 144/2009-PROCR/ANVISA;

• Parecer Cons. N. 06/2010-PROCR/ANVISA;

• Parecer Cons. N. 04/2011/PF-ANVISA/PGF/AGU;

• Parecer Cons. N. 48/2011-PROCR/ANVISA;

• Parecer Cons. N. 04/2012/PF-ANVISA/PGF/AGU

• Nota Cons. N. 07/2019/PF-ANVISA/PGF/AGU

Em resumo, as orientações jurídicas consolidadas, nos mencionados pareceres, a respeito do assunto foram:

22 Entendimento flexibilizado pelo Parecer n. 51/2006; exarado pela Advocacia-Geral da União, ao qual se qualificou a conotação de parecer normativo, em face de sua aprovação pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os efeitos do art. 40, 8 1", da Lei Complementar no 73/1993.

• Inexiste Hierarquia entre o Poder Central e os Entes Descentralizados, que são instituídos por lei, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, caracterizada pelo poder-dever de exercer as atribuições que lhes foram conferidas por lei com independência;

• A tutela administrativa exercida pelos Ministérios sobre as Autarquias a eles vinculadas, denominada “supervisão ministerial” pelo Decreto-Lei n. 200/67, deve ser expressamente prevista e regulada por lei;

• Excepcionalmente, desde que haja previsão legal expressa, há possibilidade de recurso à Administração Direta dos atos praticados por entidades da Administração Indireta, chamado de “recurso hierárquico impróprio”;

• A Anvisa foi criada pela Lei n. 9.782/99, como autarquia sob regime especial para atuação como entidade administrativa independente;

• Em seu art. 15, § 2º, a Lei 9.782/99 conferiu à Diretoria Colegiada a competência para decidir os recursos interpostos contra atos praticados pela Agência como última instância administrativa, não prevendo a possibilidade de recurso ao Ministério da Saúde;

• O Parecer n. 51/2006, exarado pela Advocacia Geral da União e aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os efeitos do art. 40, §1º da Lei Complementar n. 73/1993, concluiu pela possibilidade excepcional de interposição de recurso hierárquico impróprio em face das decisões proferidas pelas Agências Reguladoras, inobstante a ausência de expressa previsão legal, ressalvando, entretanto, as decisões adotadas no exercício de suas competências finalísticas conferidas por lei;

• Assim, nos termos do Parecer n. AC-051/2006 da AGU, não é cabível o recurso hierárquico impróprio em face de decisão adotadas finalisticamente pela ANVISA, no estrito âmbito de suas competências definidas em lei,

• Portanto, enquanto a Anvisa estiver atuando no seu estrito dever, no exercício de sua competência finalística, a decisão possui "maior grau de autonomia decisória, para se garantir que os parâmetros técnicos sejam observados com primazia"23.

1.5 Requisitos mínimos de admissibilidade do Recurso Administrativo

No documento LARISSA BALDEZ CAMPOS DE SOUZA BRASÍLIA (páginas 69-75)