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A instrução pública no Império

No documento PR ZENIRA MARIA MALACARNE SIGNORI (páginas 80-86)

A monarquia tem sido funesta ao Brasil. A ela é que devemos todos os nossos males – a centralização que nos atrofia, os desperdícios que nos arruínam, a ignorância que nos deprime, a política de opressão que nos esmaga, a corrupção, de que ela e seu governo precisam para sustentar-se.

(Oliveira, 2003, p. 32)

Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil e a posterior independência política em 1822, ocorreram mudanças socioeconômicas, políticas e culturais que suscitaram a reorganização do estado brasileiro, incluindo-se a reorganização do sistema educacional. A corte, conhecedora da desestruturação jurídica e administrativa do Brasil, busca num primeiro momento, organizar um sistema de ensino que atendesse às suas necessidades, criando cursos com um sentido profissional prático e com objetivo de preparar quadros para ocupações técnico-

burocráticas, tais como: curso do comércio, agricultura e escola real de ciência, artes e ofícios, e cursos de Medicina, Economia Política, Química e Botânica, além das academias Militares, Academias de Ensino Artístico, Museu Real, a Biblioteca Pública, entre outros. Cumpre lembrar que apesar das muitas tentativas de organizar o ensino, não houve por parte do governo imperial uma proposta eficiente de instrução pública para a população menos favorecida economicamente, ou seja, os pobres livres e escravos. As ações e investimentos na educação, no Brasil império, se voltaram quase que exclusivamente para o ensino superior, ressaltando-se que esses cursos eram frequentados apenas pela elite (PAIVA, 1983; ROMANELLI, 2003).

A instrução pública passa a ser pensada de forma mais sistematizada a partir do momento em que liberais burgueses, utilizando-se de discursos eloquentes, disseminam a ideia de que o desenvolvimento e a prosperidade da nação só seriam possíveis com uma educação para todos, o que ganha legitimidade com a constituição de 1924, que preconiza ser a “instrução primária gratuita a todos os cidadãos”. No entanto, como bem lembra Paiva (1983), as ações em prol do ensino primário na época do império permaneceram ineficientes, dando-se muito mais ênfase ao ensino secundário, já que este era de interesse da elite, pois possibilitava o ingresso para o ensino superior. Porém, com o crescimento da produção na indústria, ganha relevância em nível nacional a necessidade de instruir, mesmo que minimamente, as classes populares, ensinando a ler e escrever para que pudessem ser inseridos na nova base da organização produtiva. A escolarização, na visão da burguesia, segundo a mesma autora, também facilitaria o controle social e inibiria a revolta dos escravos e homens livres e pobres, “adestrando-os” para o mercado de trabalho.

Oliveira (2003, p. 76), defensor da instrução pública no Brasil Império, enfatizava que deveria ser de interesse da sociedade que não houvesse em seu meio homens ignorantes, afirmando que é na ignorância e na falta de educação “[...] que reside a fonte da miséria e da desordem, dos crimes e dos vícios de toda a sorte, como é nestes males que estão as principais causas dos perigos e desprezos sociais”. Defendia ser responsabilidade do pai instruir o filho, e do Estado promover

e facilitar o cumprimento dessa responsabilidade. No seu entendimento, o estado abria escolas em todos os lugares e esperava que os pais matriculassem seus filhos; porém, se estes não frequentavam as escolas por irresponsabilidade de seus genitores, os mesmos deveriam ser punidos. Defendia, assim, a obrigatoriedade do ensino:

O aprendizado obrigatório é medida necessária, por que para a instrução ser geral não basta haver escolas em toda a parte. Alguns pais se descuidam do dever de mandar instruir seus filhos. Outros precisam deles para auxiliares do seu trabalho. Outros enfim, por serem pobres, não os podem apresentar decentemente vestidos nas escolas (idem, p. 66).

O autor segue afirmando que eram muitas as objeções com relação à obrigatoriedade do ensino, tais como: o território era imenso, a população estava a grandes distâncias da escola, os meninos não tinham roupas adequadas para frequentar a escola, não havia escolas ao alcance de todos, entre outros. No entanto, ele defendia que tais argumentos não eram verdadeiros uma vez que as escolas estavam nos centros urbanos e de fácil acesso. Assim, com relação às roupas, afirmava que se as roupas que tinham os alunos não eram adequadas para a escola diurna, para a “[...] escola noturna qualquer vestimenta servia” (ibidem, p. 70), o que demonstra que mesmo antes de ser efetivada a escola noturna já tinha um status inferior à escola diurna.

O mesmo autor também entendia que se os pais não pudessem comprar o material escolar para seus filhos, o estado deveria prover tais materiais e caso estes precisassem trabalhar para auxiliar a renda da família, o estado deveria criar as escolas noturnas ou abrir exceções para aqueles que precisavam prover o seu sustento, frequentando a escola somente metade do dia e, ainda, para aqueles que a distância era empecilho haveria as escolas ambulantes. Fica evidente que a preocupação não era com a qualidade, mas sim a necessidade de proporcionar um mínimo de escolarização e, para tanto, se ofereceria horários e maneiras alternativas para elevar estatisticamente os índices de alfabetização.

A organização e promoção do ensino público no império toma novo curso com o Ato Adicional de 1834(Lei nº16 de 1834), quando é estendido às províncias o direito de legislar sobre a instrução pública, tornando-as responsáveis pela

organização da instrução primária e secundária, tendo aí o princípio da descentralização do ensino. Entretanto, cabe ressaltar que as instâncias governamentais continuaram omissas com relação ao ensino primário, priorizando o ensino secundário e superior, sendo o primeiro concebido apenas para possibilitar acesso aos cursos superiores.

O Ato Adicional também preconizava a gratuidade do ensino primário, sendo este responsabilidade das províncias, que permaneceram desamparadas, pois o governo não disponibilizou recursos financeiros para as províncias que pouco puderam fazer para ampliar e melhorar esse nível de ensino, entretanto, mantendo- se no controle das ações pedagógicas. Sendo assim, o ensino primário ficou relegado ao abandono e, o secundário passou para a iniciativa privada; o fato de estar sob o comando da elite acentuou o caráter classista e acadêmico do ensino secundário, seguindo os moldes europeus. Com relação ao ensino superior, estavam à disposição daqueles que dispunham de condições materiais para frequentá-los, inclusive em outro país (PAIVA, 1983; RIBEIRO, 1993; ROMANELLI, 2003).

Objetivando a formação dos filhos das elites para ocuparem os cargos públicos disponíveis, é fundado em 1837 o Colégio Pedro II, subsidiado pelo Estado e articulado para servir de padrão de ensino sendo frequentado por alunos com alto poder aquisitivo. Cabe lembrar que neste colégio foram abertas algumas concessões com relação à gratuidade, disponibilizando um número restrito de vagas para crianças e jovens pobres.

Estruturalmente, o Colégio Pedro II, colégios particulares e Liceus Provinciais apresentavam currículos seriados, embora predominasse a preocupação em oferecer as disciplinas exigidas para os exames preparatórios para o ensino superior. O colégio Pedro II tornou-se referência para a organização do ensino secundário, pois sua estrutura organizacional serviu de norte para a reestruturação do ensino secundário regular e seriado no Brasil. Aos poucos os colégios particulares e Liceus provinciais, por pressão da classe dominante, tornaram-se meros cursinhos preparatórios para o ensino superior.

de projetos para organizar o ensino no Império, merecendo destaque, pois resultaram em reformas: Couto Ferraz em 1854 e Leôncio de Carvalho em 1879. A reforma Couto Ferraz preconizava que as escolas públicas deveriam ser divididas em duas classes: escolas de primeiro e segundo grau, cabendo ao estado a responsabilidade pela educação, que deveria fornecer todo material necessário ao ensino. A reforma definia também a padronização das inspeções nas escolas adotadas pela maioria das províncias, estabelecia regras para o ingresso e carreira do magistério, preconizava a necessidade de se criar classes para adultos, estando aí presente a ideia de escola noturna para alfabetização de adultos.

A reforma empreendida por Leôncio de Carvalho em 1878-1879 apresentou diretrizes que, aparentemente, resolveriam o problema da instrução pública, mas, que na prática pouco aconteceu. A reforma aproximou o governo geral das províncias e buscou tratar das três esferas da educação, primária, secundária e superior em uma mesma legislação. Outra iniciativa foi a criação de escolas normais para formar professores, pois havia uma preocupação quanto ao fato de que a maioria dos professores não tinham uma formação adequada (PAIVA, 1983; RIBEIRO, 1993).

Não se pode refutar que a reforma de Leôncio de Carvalho suscitou intenso debate em torno da instrução pública, definindo-se muitas diretrizes, mesmo que na prática pouco tenha sido feito por conta, inclusive, da instabilidade política que perdurou por todo o império. No entendimento de Ribeiro (1993), Leôncio de Carvalho acreditava que havia muito a ser feito pela educação e, dentre as muitas medidas necessárias destacava a necessidade de liberdade de ensino, liberdade de freqüência e sinalizava que o exercício do magistério era incompatível com o de cargos públicos e administrativos, pois era necessário o Estado pagar bem e oferecer garantias aos profissionais da educação.

À vista disso, pode-se inferir que a população pobre que buscou se instruir e instruir seus filhos no Brasil Império sofreu com as agruras da falta de escolas, falta de recursos materiais, de uma cultura escolar que lhes impunha condições hostis para frequentar a escola, tais como: não ser portadores de moléstias contagiosas,

ser vacinados, entre outros e, sem esquecer que eram homens, mulheres e crianças que não podiam trocar suas horas de trabalho essencial à sobrevivência por horas de estudo. Ressalta-se, ao mesmo tempo, que esta população pobre estava envolta em uma cotidianidade de diversas doenças contagiosas, não tinham acesso a serviços de saúde, mas quando doentes lhes era negado o direito de frequentar a escola.

Mesmo com todas as precariedades da escola e de seus frequentadores, a instrução pública se expandiu. De acordo com Paiva (1983) alguns fatores contribuíram de forma decisiva para a criação de escolas e o desenvolvimento da instrução pública, dentre estes a mudança de uma sociedade de base rural agrícola para uma urbana e comercial, na qual a lavoura cafeeira passa a determinar a economia brasileira, ocorrendo o deslocamento do eixo econômico do norte-nordeste para a região sul e sudeste. Outro fator foi o movimento migratório para o Brasil a partir de 1871, deslocando muitas famílias de países como Alemanha, Itália, Ucrânia entre outros.

A partir de 1870 acorre uma expansão das escolas públicas e, com elas, a expansão das escolas noturnas, principalmente com o ato de 1885 que criou cursos noturnos para adultos trabalhadores das cidades, propondo ajuda às escolas que oferecessem cursos profissionalizantes a esses sujeitos, acreditando ser esse o caminho para a inserção social da parcela da população que se encontrava à margem do sistema. Cabe dizer que a dualidade, ou seja, de um lado as escolas secundárias, acadêmicas e superiores para a elite, e, de outro as poucas escolas primárias e profissionais para a classe trabalhadora se mantiveram ao longo de todo o Império.

É fato, considerando os dizeres de Ribeiro (1993) e Romanelli (2003), que com a Constituição da República promulgada em 1891, o cenário da dualidade educacional não se altera. As autoras apontam que este documento consagrou a descentralização do ensino e a dualidade dos sistemas, uma vez que coube àUnião criar e controlar a instrução superior e o ensino secundário acadêmico, bem como a instrução em todos os níveis no Distrito Federal, educação para a classe dominante.

Aos estados cabia criar e controlar o ensino primário e profissional, educação do povo, situação que refletia a dualidade da própria organização social brasileira.

No documento PR ZENIRA MARIA MALACARNE SIGNORI (páginas 80-86)