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5. Análise sobre as conciliações na Justiça do Trabalho

5.1. Instrumentos coletivos de composição

O artigo 7°, inciso XXVI, da Constituição de 1988 garante como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais o direito de celebrar Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.

O artigo 611 da CLT disciplina as Convenções Coletivas do Trabalho como acordos de caráter normativos, ou seja, as partes criam normas a serem cumpridas tanto pelos empregados quanto pelos patrões. Essas normas são denominadas, no âmbito do Direito do Trabalho, como normas autônomas, isso é, normas advindas da autocomposição, mas que não podem, segundo o que se denomina de caráter protetivo do Direito do Trabalho, a não ser em algumas significativas exceções, ficar abaixo do patamar mínimo estipulado pelas normas chamadas heterônomas, normas estipuladas pela legislação trabalhista. Além disso, nas Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho tem-se a liberdade de fixar normas mais favoráveis aos trabalhadores que as fixadas nas negociações coletivas anteriores, mas nunca menos favoráveis.

As exceções nas quais as normas autônomas podem reduzir direitos estão no artigo 7º da Constituição de 1988:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

(…)

No inciso VI, flexibilizaram-se os salários podendo serem reduzidos por instrumento coletivo. No inciso XIII criou-se o chamado Banco de Horas e, no inciso XIV, permitiu-se o aumento da carga horária para os trabalhadores em turnos ininterruptos. Os reflexos desta “flexibilização normatizada” para a exploração do trabalho e, consequentemente, para o ganho do capital, pode parecer pequeno em

primeira observação mas, se essas consequências forem observadas de forma detida, podem-se detectar consideráveis perdas para os trabalhadores. É o caso, por exemplo, de se observar que ínfima parcela do conjunto dos trabalhadores brasileiros estão ligados a sindicatos fortes que podem garantir em negociação coletiva a não aplicação desta “flexibilização normatizada”. Seguindo esse raciocínio, para a maioria dos trabalhadores certamente houve perdas.

Na convenção coletiva de trabalho, dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas (patronais) e também dois ou mais sindicatos de trabalhadores, respeitadas as condições impostas acima, podem estipular as condições de trabalho no âmbito de suas respectivas representações para as relações individuais de trabalho.

Os acordos coletivos de trabalho podem abranger um coletivo mais restrito, tanto de empregados quanto de empregadores, uma vez que, segundo o artigo 611, parágrafo primeiro da CLT é facultado aos sindicatos dos trabalhadores celebrarem acordos coletivos com uma ou até mais empresas de categorias econômicas, correspondentes à categoria profissional. As condições de trabalho acordadas nesse caso são aplicáveis apenas às partes envolvidas no acordo.

A validade dos instrumentos coletivos de trabalho celebrados entre as partes é dada por sentença normativa exarada pelo Tribunal Regional do Trabalho ou pelo Tribunal Superior do Trabalho e o prazo de validade desses instrumentos é de dois anos.

A diferença entre o acordo e a convenção coletiva de trabalho está principalmente na celebração. O acordo coletivo é celebrado entre o sindicato representante de uma categoria profissional (sindicato de trabalhadores) e uma empresa ou um coletivo (grupo) de empresas. A convenção coletiva, por outro lado, é celebrada obrigatoriamente entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais.

Os sindicatos só poderão celebrar convenções e acordos coletivos do trabalho por deliberação de assembléias especialmente convocadas para esse fim26.

5.1.1. Dissídios coletivos de trabalho

O artigo 114 da Constituição, antes da emenda constitucional número 45 de 30 de dezembro de 2004 garantia:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

(…)

§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

O dissídio coletivo de trabalho, antes da Emenda Constitucional 45 de 30 de dezembro de 2004, era ação que podia ser ajuizada quando frustrada a autocomposição de interesses coletivos, tanto dos trabalhadores por seus sindicatos, quanto dos patrões, também pelas representações sindicais. As negociações poderiam ser promovidas diretamente pelas partes em disputa, ou mediante intermediação administrativa de órgão competente do Ministério do Trabalho, no caso o Ministério Público do Trabalho – MPT. Quando os sindicatos dos trabalhadores e os sindicatos patronais não chegavam a consenso em torno do conflito estabelecido, fosse em razão do percentual de reajuste na data-base, fosse em razão de qualquer outra reivindicação dos trabalhadores ou qualquer cláusula convencional, havia o ajuizamento do dissídio coletivo.

Tratava o dissídio coletivo, como já exposto, de uma ação judicial em que as partes, sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais expunham seus motivos e direitos e formulavam seus pedidos que eram julgados pela Justiça do Trabalho em

sentido lato, podendo ser nos tribunais regionais do trabalho ou no Tribunal Superior do Trabalho o que está disposto nos artigos 677, 678 e 702 da CLT, a depender de cada caso.

Depois da Emenda Constitucional 45 de 30 de dezembro de 2004 o parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(…)

§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (Grifos meus).

A partir da modificação do artigo 114 da Constituição da República pela referida Emenda Constitucional 45, o instrumento autônomo considerado como o mais importante quando do acirramento da luta capital versus trabalho, o dissídio coletivo, parece ter ficado inteiramente descaracterizado com a entrada em vigor da nova legislação que disciplina esse instrumento.

Atualmente, todos os dissídios propostos sem um anterior “comum acordo” são extintos sem julgamento de mérito. Portanto, o surgimento da necessidade do comum acordo, na prática, parece ter posto fim aos dissídios coletivos e aprofundado a extenuação do poder normativo da Justiça do Trabalho que, mesmo com sua atuação dento dos parâmetros do Estado Democrático de Direito, diante de reivindicações, pelo menos de categorias mais organizadas e com sindicatos mais fortes, exarava sentenças normativas mais vantajosas para a classe trabalhadora.

Hoje, se não há acordo, não existe instrumento coletivo de trabalho, cria-se, então, uma situação em que vão sendo aspirados todos os direitos conquistados. Parece a total desregulamentação na relação entre capital e trabalho. Fica, entretanto a imaginativa ideia de livre negociação sem interferência do Estado, imaginativa porque não existe igualdade mínima entre as partes, existe a força do

capital contra a hipossuficiência do trabalho. Parece tratar-se de incondicional precarização das relações de trabalho.

Os dissídios coletivos de trabalho passaram do ápice do conflito e da síntese das lutas dos trabalhadores diante do tribunal a uma figura de retórica, pois continuam presentes no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, sua propositura depende de um fator que lhe tira completamente o conteúdo, o dissídio que necessita previamente de acordo parece não ser dissídio. Não é simples haver consideração na possibilidade de que duas partes que se contrapõem de forma acirrada e contundente possam acordar para que seja proposta uma ação em que o sindicato dos trabalhadores seja autor e o sindicato patronal seja réu ou vice-versa! Por outro lado, caso haja o “comum acordo” qual é realmente o papel da Justiça?

Com o requisito do comum acordo parece ter, na prática, encerrado com os dissídios coletivos na Justiça do Trabalho, isso pode trazer grandes prejuízos aos trabalhadores, desregulamentando as relações de trabalho, enfraquecendo a organização sindical dos trabalhadores e afastando, assim, da cena política o movimento sindical mais combativo que busca, para além das reivindicações meramente econômicas ou salariais, a emancipação dos trabalhadores como classe.