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3. PROBLEMATIZANDO A QUESTÃO FUNDIÁRIA URBANA

3.3. A questão fundiária a partir do Estatuto da Cidade, do Ministério das Cidades

3.3.2. Instrumentos jurídicos

Embora não seja o foco do presente trabalho, considera-se relevante pautar, ainda que brevemente, alguns dos principais instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para fins de regularização fundiária27.

A definição do instrumento a ser utilizado em cada processo de regularização fundiária depende das especificidades de cada área, sendo imprescindível a identificação da titularidade legítima da propriedade, ou seja, o que consta na matrícula no Cartório de Registro de

27 Para aprofundamento sobre os instrumentos jurídicos de regularização fundiária, consultar: MINISTÉRIO

DAS CIDADES. Manual de Regularização Fundiária Plena. Brasília: Ministério das Cidades: Programa Nacional de Capacitação das Cidades, 2007. O texto aqui apresentado tem por base este Manual.

Imóveis. Alguns instrumentos são utilizados somente em áreas privadas, outros em áreas públicas e outros para ambas.

Em áreas privadas utiliza-se comumente a Usucapião Especial de Imóveis Urbanos, destinada à regularização da posse de moradores que utilizam para fins de moradia própria área de até 250m², durante no mínimo cinco anos ininterruptos, desde que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Este instrumento já aparece na Constituição Federal de 1988 (Art. 183) e foi reafirmando no Estatuto da Cidade, que inova trazendo a possibilidade de usucapião coletiva, para regularizar áreas em que não é possível identificar os limítrofes dos lotes. Nestes casos atribui-se a mesma fração ideal para cada morador, podendo ser diferenciada se houver acordo entre os mesmos. O Estatuto da Cidade também inovou ao garantir a gratuidade do registro do imóvel e por possibilitar que a Associação de Moradores seja parte legítima para propor a ação de usucapião especial urbana.

Em áreas públicas pode ser utilizada a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – CUEM, que destina-se a regularizar a posse de moradores que utilizam para fins de moradia própria área de até 250m², ininterruptamente e sem oposição, durante cinco anos até 30 de junho de 2001, desde que possuam apenas um imóvel. Como já colocado anteriormente, este instrumento foi vetado no Estatuto da Cidade e regulamentado em setembro de 2001, através da Medida Provisória nº 2.220. A CUEM é gratuita, pode ser transferida, vendida ou doada, pode ser utilizada em empréstimos habitacionais e também possui a modalidade individual e coletiva.

Em ordem cronológica, um dos instrumentos jurídicos mais antigos para regularização fundiária é a Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, regulamentado pelo Decreto-lei nº 267, de 1979 e também citado no Estatuto da Cidade. Consiste em direito real de uso sobre propriedade alheia, em que o proprietário concede a terceiro, por tempo determinado ou indeterminado, o direito a usar sua propriedade. É uma espécie de contrato, gratuito ou oneroso, firmado entre o proprietário e o cessionário. Para fins de regularização fundiária é dispensável a licitação (Lei 8.666/1993). Este instrumento pode ser utilizado tanto para imóveis de propriedade privada, quanto do poder público. O Estatuto da Cidade estabeleceu um avanço relativo a este instrumento na medida em que quando concedidos pelo poder público para ações de habitação de interesse social possui o caráter de escritura pública e deve ser aceito obrigatoriamente em financiamentos habitacionais.

Cita-se também o instrumento jurídico denominado Aforamento, que pode ser utilizado exclusivamente para a regularização de áreas da União. O termo origina-se ainda do período colonial; O detentor direto da posse do imóvel paga uma taxa (foro) ao proprietário

legítimo do imóvel. Segundo o Manual de Regularização Fundiária Plena (2009), o foro cobrado por ano pela União corresponde a 0,6% do valor total da propriedade.

O Direito de Superfície é um instrumento que pode ser utilizado tanto em áreas públicas quanto privadas. Está disposto no Estatuto da Cidade e no Código Civil (arts. 1.369 a 1.377), e consiste em cessão do direito de uso do solo, subsolo e espaço aéreo do imóvel do proprietário para o superficiário. O contrato deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, pode ser gratuito ou oneroso, por tempo determinado ou indeterminado e pode ser utilizado como garantia para financiamentos habitacionais. Este instrumento pode ser utilizado também em situações que não atendem os requisitos para a CUEM ou Usucapião.

A Doação também pode ser utilizada em áreas públicas ou privadas como instrumento que leva à regularização fundiária, onde o proprietário transfere a propriedade de forma gratuita a um donatário. Tal instrumento pode exigir ou não alguma contrapartida do donatário.

Em áreas públicas ou privadas pode ser utilizada também a Alienação (compra e venda), que consiste na venda do imóvel aos ocupantes da área. Este instrumento pode ser utilizado desde que leve em consideração a renda dos beneficiários, devendo ser estipulados valores reduzidos ou simbólicos.

Também pode ser utilizada a Desapropriação como instrumento que facilita a regularização fundiária de loteamentos irregulares. Está prevista legalmente desde 1941, quando da aprovação do Decreto-Lei nº 3.365, e após a promulgação da Lei nº 4.132, de 1962, se ampliou a possibilidade de aplicá-la para regularização fundiária.

Tendo em vista o exposto, pode-se afirmar que em termos de instrumentos legais para a efetivação da regularização fundiária o Brasil apresenta grandes avanços. No entanto, ainda há muito que avançar em termos de implementação. Firmar instrumentos legalmente é imprescindível, mas a distância existente frequentemente entre a lei e sua aplicação na realidade é muito grande. Tal aplicabilidade depende de recursos financeiros disponíveis, equipes estruturadas e capacitadas, organização institucional e, sobretudo, de vontade política dos gestores públicos.

Neste sentido, a população deve ser protagonista no processo de reivindicação para que a regularização fundiária, em seu sentido amplo, seja efetivada, bem como para que os instrumentos urbanísticos convergentes com o princípio da função social da propriedade sejam previstos no Plano Diretor Municipal, e sejam aplicados na realidade.

Por força da lei, a participação social deve ser garantida em todas as etapas dos projetos de regularização fundiária; É tarefa dos profissionais de Serviço Social estimular e

garantir essa participação, inclusive na definição dos instrumentos jurídicos. Portanto, é fundamental que os profissionais de Serviço Social conheçam tais instrumentos, de modo que possam esclarecer aos moradores as diferenças entre cada um, os critérios, as vantagens e desvantagens, a fim de que os mesmos possam opinar e decidir com clareza sobre o que lhes é mais propício.

É importante que os moradores conheçam ainda outras possibilidades de regularização da posse da terra, por exemplo, em áreas privadas há como se aplicar a Usucapião Ordinária ou Extraordinária, sendo que através da primeira é possível regularizar áreas ocupadas pacificamente e ininterruptamente por dez anos e da segunda por quinze anos. A vantagem destes instrumentos é que não se exige limite de terreno e o requerente pode ser proprietário de outro imóvel. Contudo, a regularização através destes instrumentos fica a encargo do próprio morador, inclusive o registro da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis. Nestes casos, os moradores devem ser informados sobre outro direito disponível, que consiste na assessoria jurídica gratuita. Este direito tem base legal na Constituição Federal de 1988, que em seu Art. 5º, inciso LXXIV, dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O Estatuto da Cidade também coloca a assistência técnica e jurídica como instrumento da política urbana, conforme já citado anteriormente.

3.4. A participação social como princípio legal constitutivo do processo de regularização