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PARTE II – PESQUISAS DE CAMPO

5. PERCURSO METODOLÓGICO

5.3 Instrumentos

5.3.1 ITRA

O Inventário Sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA) teve a sua primeira versão criada e validada em 2003 por Ferreira e Mendes em uma pesquisa nacional com 1.916 auditores. Posteriormente, foi ajustado e novamente revalidado com uma amostra heterogênea de trabalhadores no ano 2004 e publicado por Mendes et al (apud FERREIRA; MENDES. 2007). Em 2006, sofreu algumas modificações que passaram a compor sua versão mais atual, pautada em uma pesquisa com 5.437 trabalhadores de empresas públicas federais do Distrito Federal (FERREIRA; MENDES, 2007).

Trata-se de um inventário bastante útil para atender pesquisas com grandes grupos de trabalhadores e estruturado com o objetivo de rastrear fatores que possam ser potenciais de adoecimento dentro das instituições/organizações de trabalho, na medida em que permite uma análise objetiva de “antecedentes, medidores e efeitos do trabalho no processo de adoecimento” (FERREIRA; MENDES, 2007, p. 111). Tais observações são possibilitadas por meio de quatro escalas que avaliam dimensões da inter-relação entre trabalho e produção de subjetividade em termos da representação individual do contexto de trabalho, das exigências físicas, cognitivas e afetivas, das vivências e dos danos.

A primeira escala foi denominada de Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho

(EACT) por descrever representações relativas às condições de trabalho (10 itens;

alfa = 0,89), à organização (11 itens; alfa = 0,72) e às relações socioprofissionais (10 itens, alfa = 0,87). As três representações mencionadas indicam os fatores dessa escala de 5 pontos. No total, são 31 itens distribuídos entre três fatores, com

engeinvalues de 1,5, variância total de 38,46%, KMO de 0,93 e correlações acima

de 0,25.

 A descrição das exigências físicas, cognitivas e afetivas está representada pelos itens da Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT). Essa escala é composta por três fatores e foi construída com 32 itens negativos, devendo ser respondida com base em uma variação numérica de 1 a 5 que indica a magnitude do esforço físico (10 itens; alfa = 0,91), cognitivo (10 itens; alfa = 0,86) ou afetivo (12 itens; alfa = 0,84) exigido do trabalhador. Os fatores dessa escala apresentam engeinvalue maior que 2, variância total de 44,98%, KMO de 0,91 e 50% das correlações acima de 0,30.

A Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST) é composta por dois fatores para avaliar o prazer (realização profissional – 9 itens; alfa = 0,93 - e liberdade de expressão – 8 itens; alfa = 0,80) e dois fatores para avaliar a vivência do sofrimento (esgotamento profissional – 7 itens; alfa = 0,89 - e falta de reconhecimento – 8 itens; alfa = 0,87). Estes possuem eigenvalues de 1,0, variância total de 59,80%, KMO de 0,92 e 50% das correlações acima de 0,30. Seus 32 itens devem ser respondidos utilizando uma escala de 7 pontos, nos quais o respondente deve ter como referência para as respostas os seis últimos meses.

 A última escala também é de 7 pontos e tem por objetivo avaliar os danos provocados pelo trabalho nos últimos três meses. Seus fatores apresentam

eigenvalues de1,5, variância total de 50,09%, KMO de 0,95 e correlações acima de

0,30. A Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT) é composta por 29 itens distribuídos nos fatores danos físicos (12 itens; alfa = 0,88), danos psicológicos (10 itens; alfa = 0,93) e danos sociais (7 itens; alfa = 0,89)

Desde a sua criação em 2003, o ITRA tem sido utilizado em diversas pesquisas em saúde e trabalho (ANCHIETA et al 2011; ANTLOGA et al, 2014; BARROS; HONÓRIO, 2015; CARVALHO, 2012; PINHEIRO, 2014; SILVA, 2011)

como um modo de tentar capturar uma representação compartilhada de determinado grupo de trabalhadores sobre o seu contexto laboral. Trata-se de um instrumento útil para se estudar grandes populações e organizações, ganhando-se em generalidade e servindo de base para o desenvolvimento de pesquisas epidemiológicas e diagnósticas que visem subsídios para a implantação de políticas de bem-estar, qualidade de vida no trabalho, promoção e prevenção da saúde nas instituições. Considerando, portanto, as finalidades para as quais o inventário foi construído, sua vasta aplicação pelo País e, consequentemente, as comprovações de sua validade e fidedignidade enquanto instrumento para coleta de dados acerca da saúde e adoecimentos dos trabalhadores é que optamos por utilizá-lo como ferramenta de screening na primeira parte da investigação aqui realizada.

Além disso, mesmo compreendendo que o instrumento aplicado em sua versão completa oferece maiores subsídios para pesquisas diagnósticas em saúde, tal como é o objetivo desse estudo, optamos por utilizar durante a primeira parte do processo investigativo apenas as Escalas de Avaliação do Contexto de Trabalho

(EACT), a Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT) e a de Indicadores de Prazer- Sofrimento no Trabalho (EIPST). Levando em consideração que o ITRA é um

instrumento que possibilita a utilização de suas escalas de forma individual e sem oferecer prejuízos às análises e resultados, decidimos excluir a Escala de Avaliação dos

Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT) para evitar, primeiramente, que o

instrumento se tornasse muito longo e tivesse uma baixa aderência do público-alvo, como sugere Pasquali (2010). Em segundo lugar, a escolha da retirada dessa escala em detrimento das outras foi baseada no objetivo desse estudo de rastrear fatores que possam potencializar e/ou desencadear sofrimento/adoecimento psíquico. Como descrito em parágrafo anterior, a EADRT já pressupõe um possível adoecimento por meio da observação da existência de danos nas esferas biológica, psicológica (por meio da indicação da frequência de sentimentos negativos) e social. Neste sentido, a exclusão dos itens descritos na referida escala, além de fugir ao propósito principal dessa pesquisa, não comprometeria a proposta delineada e tornaria mais exequível a aplicação do instrumento em virtude do que foi outrora mencionado.

Apesar de o Inventário de Trabalho e Riscos de Adoecimento – ITRA ser um instrumento construído com base nos princípios teóricos da Ergonomia da Atividade, sua utilização e interpretação não se mostra incompatível com a escolha

realizada para fundamentar as discussões da presente dissertação. Isso se deve ao fato de que tanto a Ergonomia quanto a Psicossociologia ressaltam o seu compromisso com pesquisas que preservem uma ação-intervenção transformadora nas situações reais de trabalho e que posicionem os participantes pesquisados em lugar privilegiado de envolvimento. Além disso, ambas assumem uma perspectiva interdisciplinar e colaborativa por compreenderam que a atividade laboral está inscrita em um contexto social e, consequentemente, é produto de ação individual e coletiva, apresentando restrições na sua compreensão caso se tentasse abarcá-lo sob os referenciais teóricos de uma única disciplina.

A interdisciplinaridade é condição obrigatória nesta perspectiva, assim, a psicanálise, a história, a antropologia, a sociologia e a política são campos disciplinares que ocupam importante lugar nas pesquisas e intervenções psicossociológicas. No campo trabalho, embora se encontrem ausentes da psicossociologia referências à atividade, ao trabalho concreto, o diálogo com

a ergonomia e a ergologia tem ampliado e tornado mais complexas as

análises, colocando o trabalho real e a experiências dos trabalhadores como categorias importantes na compreensão da subjetividade, do desenvolvimento do sujeito e dos processos de sua participação social. (CARRETEIRO, BARROS, 2011, p. 222, grifo nosso).

De acordo com Ferreira, Almeida e Guimarães (2013), a concepção de ser humano adotado pela Ergonomia da Atividade o vê como um sujeito ativo, agente de transformação, único e passível de compreensão apenas quando contextualizado nas suas inter-relações com o ambiente de trabalho e sociais, um ser humano inteligente que se utiliza de estratégias para lidar com a imprevisibilidade, cobranças e imposições comuns nas organizações de trabalho e um sujeito que não é variável de ajuste, ou seja, que deve existir uma mobilização do espaço organizacional para adaptar equipamentos, instrumentos e máquinas ao ser humano. A Ergonomia leva em consideração o ser humano, mas também a organização. O ITRA, por sua vez, é um instrumento que reúne as variáveis referentes à concepção de ambiente, nomeada pelos autores de Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS), definido como um “[...] espaço material, organizacional e social em que se realiza a atividade de trabalho” (p.567).

Nesse sentido, assim como propõe a perspectiva Psicossociológica, a Ergonomia da Atividade entende como fundamental a análise investigativa do contexto de trabalho para se aproximar da compreensão acerca do modo de funcionamento da organização na qual irá ocorrer a intervenção. Do mesmo modo, outros aspectos mais

amplos como, por exemplo, sociais, econômicos, políticos e geográficos também devem ser considerados, pois essa conjuntura de fatores influenciarão o surgimento de especificidades nas ações dos trabalhadores nas diferentes situações de trabalho. Ao ter acesso a essas particularidades, analisando o CPBS e dando voz aos indivíduos que participam da construção de parte desse ambiente, torna-se possível romper com a comum posição de expert do pesquisador, engajando-se em uma relação cooperativa com os sujeitos pesquisados e, consequentemente, conhecer de modo mais fiel o que está na origem de indicadores críticos (CARRETEIRO; BARROS, 2011; FERREIRA; ALMEIDA; GUIMARÃES, 2013)

Entende-se, no entanto, da importância em complementar o ITRA com outras técnicas e/ou instrumentos que auxiliem na captação dos processos de subjetivação dos trabalhadores e das especificidades que se fazem presentes em um contexto organizacional, mas que não se consegue identificar apenas por meio dos instrumentos screening.