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Na proposta epistemológica que adotamos, concebemos os instrumentos como agentes geradores de dialogicidade e inteligibilidade, ou seja, ferramentas para que a abertura ao diálogo, à reflexão e à expressão subjetiva dos atores do processo de pesquisa seja facilitada e possibilite a construção de informações a respeito do que foi expresso e conversado no ambiente de pesquisa. Longe da simples aferição e coleta de informações a serem reproduzidas integralmente, pensamos os instrumentos como ferramenta flexível, viva e dinâmica para que se possa produzir conhecimento a partir de um cenário de pesquisa e demais práticas pertinentes a esta. (GOULART, 2013, GONZÁLEZ REY, 2011, 2012, 2017).

6.3.1 Dinâmica conversacional

Tendo já ressaltado as possibilidades que emergem a partir de um bom cenário de pesquisa e subsequente contexto dialógico estabelecido entre os participantes do processo de pesquisa, temos a conversação como elemento primordial e crucial para nossas práticas. Escreve Silva (2008) sobre a conversação:

[...] um processo vivo e dinâmico cujo objetivo é propiciar à pessoa estudada falar sobre campos significativos de sua experiência pessoal e, conseqüentemente, possibilitar ao pesquisador a visibilidade de indicadores, elementos hipotéticos que surgem durante a processualidade da fala do sujeito. (p.67).

Portanto, temos por meio desta algo que nos proporcione a riqueza epistemológica tão almejada no processo de pesquisa; ainda que nos seja claro que é impossível a apreensão completa e integral de um fenômeno, vemos o diálogo como elemento rico e amplo no que diz respeito à construção da informação, pois dele advirão possibilidades de construções de indicadores, emergências de configurações subjetivas e produções de sentidos subjetivos por parte dos envolvidos no processo. Ainda que estes não estejam acessíveis de maneira direta, compõem as configurações subjetivas daqueles que estão implícitos no diálogo, revelando assim que a emergência subjetiva a partir de cenários dialógicos, a respeito da dinâmica conversacional, se dê de maneira a compreender os fenômenos em questão a partir de uma construção de informação realizada pelo pesquisador, com a implicação direta e ativa dos demais participantes.

Também é importante ressaltar que em um contexto dialógico, rompe-se com a formalidade e o apriorismo de métodos tradicionais de pesquisa; vemos a dinâmica conversacional como um instrumento de pesquisa repleto de diferentes tensões, desdobramentos e momentos ao que os diálogos são estabelecidos. Logo, a dinâmica conversacional não é um instrumento “fechado”, tomado como “coisa em si” como questionários, escalas ou testes padronizados, e sim, um instrumento que propicia a emergência dos indivíduos em questão, não mais vistos em uma postura passiva e acrítica dos processos de pesquisa dos quais participa.

6.3.2 Complemento de frases

O complemento de frases, que consiste em algo que “[...] se organiza em torno de um número variável de frases que a pessoa estudada deve completar, e que sempre tomam formas singulares a partir do que é relevante para quem as responde. [..] é sempre apresentado aos participantes da pesquisa depois que o clima dialógico foi constituído dentro do grupo pesquisado (GONZÁLEZ REY, 2010, p.6) será trabalhado como “instrumento aberto para o estudo da subjetividade” (González Rey, 2010, p. 6), utilizando-o não como instrumento fechado ou como fim em si mesmo, mas com a finalidade de apreender a singularidade no que é expresso por meio do conteúdo presente nas frases. Foram utilizadas nas frases temáticas relacionadas à saúde, cardiopatia, cronicidade, dentre outros aspectos, mas que foram diversas vezes mudadas no curso da construção de conhecimento, o que evidencia mais uma vez o caráter flexível dos instrumentos. Sobre estes, escreve González Rey:

Os instrumentos são usados dentro de uma perspectiva que vai além do instrumentalismo, tão dominante na Psicologia. Não são os critérios de sua construção que definem o valor dos instrumentos, mas é a qualidade da informação que eles propiciam que deve ser construída e interpretada pelo pesquisador. (2010, p.4).

Portanto, ainda que tenhamos criado hipóteses e imaginado possíveis situações no decorrer da pesquisa, devemos manter-nos abertos à vasta gama de cenários, possibilidades e emergências no decorrer da pesquisa, sem ater-nos por demasia aos instrumentos em si. Sobre termos gerais do contexto de pesquisa, escreve González Rey:

[...] o sujeito participante da pesquisa é compreendido a partir de sua expressão aberta, autêntica, capaz de expressar seus desejos, necessidades e contradições, processos esses que não aparecem de forma direta na palavra, mas através de elementos indiretos que recebem significado pela interpretação do pesquisador. A pesquisa se baseia em uma relação dialógica orientada para a abertura de novos espaços de troca e reflexão que, pela sua autenticidade, vão envolver as emoções do sujeito, condição essencial para a emergência dos sentidos subjetivos. O pesquisador aparece envolvido em uma troca permanente de ideias com as pessoas que participam do projeto, convertendo o espaço da pesquisa em novo espaço social para os participantes. (2010, p. 5).

Sendo assim, a metodologia empregada se prestou à construção de informação em um cenário amplo e dinâmico a fim de compreender os fenômenos em questão de maneira que seja contemplada a devida complexidade e riqueza destes, com participação ativa dos presentes e, epistemologicamente, em permanente tensão em diferentes momentos da produção de conhecimento.

As frases utilizadas neste instrumento buscaram contemplar aspectos referentes aos diálogos e informações construídas a partir destes, dizendo respeito principalmente à história de vida e produções subjetivas dos participantes. Reconhecendo o caráter singular de cada um destes e de suas experiências, buscou-se atrelá-las ao tema, mas obviamente ocorreram variações entre elas, em especial no participante profissional de saúde.A temática da “saúde” foi a mais presente, com frases a serem completadas bastante semelhantes entre os participantes, a fim de proporcionar expressões subjetivas sobre um tema que é tão importante, mas ao mesmo tempo tão abstrato. A temática familiar também é marcante, ao que todos os participantes expressaram o valor significativo que suas relações familiares tinham em suas vidas, permitindo novas construções hipotéticas quando da realização deste instrumento. Por fim, as especificidades de cada participante são mais explícitas nas últimas frases usadas nos complementos, com perguntas mais direcionadas a fatos específicos de suas vidas.

7 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO

Esta pesquisa contou, em seu trabalho de campo, com três participantes acometidos de cardiopatias distintas e dois profissionais de saúde com experiência na área de cardiologia. Se buscou olhares diferentes a respeito dos fenômenos em questão, tendo em vista o quão variado e multifacetado o campo da saúde é, o que não é diferente nos fenômenos das cardiopatias. Ao buscar pessoas de diferentes tipos de acometimentos, formações e leituras sobre o fenômeno, fugindo do vínculo institucional presente em diversas pesquisas sobre o campo da saúde, pôde se ter um olhar mais amplo e livre de amarras institucionais, tais como a categorização amorfa dos grupos de pacientes. Os casos a seguir buscam refletir e contemplar os fenômenos em questão levantados nesta pesquisa em sua fundamentação teórica.

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