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3 O PODER DOS INTELECTUAIS

3.2 Intelectuais no poder é algo positivo

A participação dos intelectuais no poder é um dos temas mais controversos. É comum se atribuir valor pejorativo aos intelectuais que participam diretamente do poder. Seja quando ocupa cargo de confiança em um governo, seja quando é o próprio governante. Já houve político que disse ―esqueçam o que eu escrevi‖. Outros dizem que não é possível fazer tudo aquilo que planejavam teoricamente. O fato é que tais justificativas não são exclusivas dos políticos intelectuais. Também os políticos que não têm qualquer habilidade com o mundo intelectual fazem suas concessões e cedem à realidade. Se com isso não se absolvem os intelectuais, ao menos é impossível condenar a todos sem que exista um problema no fato de ser intelectual e mudar a atuação política por conta das necessidades.

Eu posicionava-me no confronto dos dois extremos da cultura desengajada e da cultura demasiado engajada, das duas figuras opostas, daquele que se tranca na torre de marfim e do intelectual orgânico a serviço do Estado inteiro. (BOBBIO, 1997c, p. 114)

O tema dos intelectuais ocuparem o poder é antigo, como destaca Bobbio, mas não é visto contemporaneamente como algo positivo ou negativo, quer dizer, não determina o futuro de uma nação, necessariamente.

No entanto, não é apenas sobre o intelectual que exerce uma função pública que ele discute, mas também do intelectual que toma partido por algum ideal e deixa isso transparecer em sua obra. Bobbio foi um intelectual orgânico, além de político, e defende a participação militante na política cotidiana.

Das observações feitas até aqui, não gostaria que se extraísse uma conclusão negativa com respeito ao engajamento político dos intelectuais como tais. É, precisamente, o contrário. Meu discurso não é negativo, mas

crítico. É um convite não à renúncia, mas à decisão com base na razão. Acredito firmemente em uma política da cultura, isto é, em uma política dos intelectuais como tais, distinta da política ordinária. Mas não creio que ela seja uma política fácil, a ser praticada todos os dias, em todas as ocasiões, sem uma consciência amadurecida do plano diverso em que os fins da cultura se põem com respeito aos fins da política. (BOBBIO, 1997b, p. 64) A advertência de Bobbio fica na conta das paixões. Não é incomum, mas muito comum, o intelectual que chega ao poder utilizar de todos os seus recursos teóricos – aqueles mesmos utilizados para denunciar os sistemas – para justificar os erros dos grupos políticos com os quais se engaja. Ele afirma que a traição é quando o intelectual subordina a sua tarefa de alertar a sociedade aos interesses de parte dela apenas. Sabe-se que, para o poder político, o resultado é medido pela manutenção no poder. No entanto, a mesma regra não pode ser aplicada ao intelectual. O sucesso é medido pelo avanço social. A tarefa do intelectual não é manter um grupo no poder e sim manter um ideal no poder. Quando o ideal é perdido ou quando o intelectual perde esse horizonte de vista, ele traiu sua função e deixa a atividade intelectual para se dedicar exclusivamente à atividade política.

Este culto da emoção como ódio à inteligência os levou a se entregarem desenfreadamente às paixões; e, entre as paixões, a nossa época conheceu, como nenhuma outra época pôde fazê-lo, um tipo prevalente: a paixão política. Os intelectuais, por tradição, aplicavam a mente àquilo que é verdadeiro acima dos interesses de tempo e espaço, e eram os servidores da justiça abstrata acima das partes. A partir do momento em que a paixão política se tornou prevalente, os intelectuais começaram a subordinar as verdades eternas aos interesses contingentes da nação, do grupo ou da classe, a submeter a razão da justiça à razão do Estado: traem assim a sua tarefa. (BOBBIO, 1997b, p. 45)

Essa mesma crítica Bobbio faz aos políticos que, por serem eleitos com votos predominantemente de um grupo ou de outro, acabam por obedecer aos interesses dos seus eleitores mais do que aos interesses do país. Ressalta a paixão pela política que – inclusive como uma forma de libertação, importante lembrar que ele viveu durante o fascismo – induziu muitos intelectuais a defenderem regimes autoritários. Talvez o melhor exemplo seja o socialismo real vivido na Europa, apoiado por muitos intelectuais que em algum momento perderam a visão da

realidade e da teoria também em função da preservação de um ideal teórico. A crítica completa está em seu livro Nem com Marx, nem sem Marx.

Os intelectuais devem ser desaprovados porque são sempre ―contra‖. Mas isso é dito pelos poderosos do dia. Não, os intelectuais devem ser execrados porque são conformistas. Mas isso é dito pelos que pretendem se tornar os poderosos do futuro. Falam demais, são grilos falantes, prontos a responder todas as perguntas de modo a fazer aparecer seu nome nos jornais ou, pior, a serem chamados para participar de um debate televisivo. Não, dizem os que não querem se comprometer demais com as questões difíceis. Estão sempre quietos, não se comprometem porque não querem desagradar ninguém, dizem os que andam em busca de consensos, sejam eles arrivistas ou pessoas já bem-sucedidas. São incorrigíveis e inoportunos

enfants terribles. Não, são os ―cães de guarda‖ do poder constituído. (BOBBIO, 1997b, p. 10)

Como alertado anteriormente, as críticas de Bobbio não objetivam eliminar a participação dos intelectuais no poder político, ao contrário, alertam para que os mesmos erros não sejam cometidos mais vezes. Conforme o filósofo, o saldo da participação dos intelectuais é positivo. Dizer uma série de críticas a todos eles é algo simples e encontrar exemplos não virtuosos também é possível. No entanto, não há nada que justifique a exclusão do intelectual do meio político.

Por fim, ao que se refere aos intelectuais no poder, há um depoimento importante sobre qual é o modelo de intelectual que ele entende seguir o melhor caminho. Leva-se em consideração que, por ser intelectual, escreve sobre si mesmo como forma de exemplificar a postura julgada mais correta.

Jamais me distanciei do tipo ideal de intelectual mediador, cujo método de ação é o diálogo racional, no qual os dois interlocutores discutem, apresentando, um ao outro, argumentos raciocinados, e cuja virtude essencial é a tolerância. (BOBBIO, 1997b, p. 16)