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2. O PAPEL DO INTELECTUAL NA SOCIEDADE

2.1. O INTELECTUAL PARA GRAMSCI

2.1. O INTELECTUAL PARA GRAMSCI

Na tentativa de delinear um possível perfil do intelectual, é imprescindível citar um dos maiores nomes teóricos sobre esta temática: o filósofo italiano Antônio Gramsci (1981-1937). O estudioso produziu inúmeros escritos sobre a ação e relevância do intelectual como agente emancipador das classes subalternas, por meio do incentivo à construção de uma nova cultura.

Para o autor “[...] seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais [...]. (GRAMSCI, 2001, p. 18). Ou seja, independente de sua profissão, todo homem desenvolve uma atividade intelectual, qualquer indivíduo

“[...] é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar. (GRAMSCI, 2001, p. 53)

O intelectual não provém necessariamente dos espaços formais da sociedade, mas pode ser aquele que apresenta um posicionamento crítico diante da realidade com a perspectiva de transformação, para qual a práxis é essencial. Formam-se, assim, categorias especializadas para o exercício da função intelectual. Em seus estudos, Gramsci definiu duas categorias de intelectuais: o orgânico e o tradicional. O intelectual orgânico é aquele que não se desvincula de sua classe social de origem e comporta-se como porta-voz das ideologias e interesses e tal classe, utilizando-se de sua função social para intervir no meio público. O intelectual tradicional é aquele que se vincula a um determinado grupo social ou instituição (igreja, Forças Armadas, instituições de ensino superior) e manifesta-se conforme os interesses compartilhados pelos integrantes dessa instituição.

Além disso, o filósofo faz uma distinção entre intelectuais urbanos e rurais: para ele, os intelectuais do tipo urbano “confundem-se cada vez mais com o estado- maior industrial propriamente dito. ” (GRAMSCI, 2001, p. 22). Isso porque surgiram e cresceram ao mesmo passo da industrialização e foram, portanto, sujeitos às suas variabilidades. Já os intelectuais do tipo rural, em sua grande maioria, tradicionais, estão ligados à massa social do campo e à pequena burguesia, em cidades ainda

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não acometidas pelo movimento capitalista. Neste caso, os intelectuais exercem uma função político-social, pois articulam a comunicação entre a massa camponesa e a administração local ou estatal.

Esses grupos de intelectuais, de acordo com o autor, posicionados em lugares sociais estratégicos, exercem influência nos mais diversos âmbitos da sociedade. Além disso, na trajetória de formação de uma nação, o desenvolvimento intelectual deve ser paralelo a outros:

No desenvolvimento de uma classe nacional, ao lado do processo de sua formação no terreno econômico, deve-se levar em conta o desenvolvimento paralelo dos terrenos ideológico, jurídico, religioso, intelectual, filosófico, etc. Aliás, deve-se dizer que não existe desenvolvimento no terreno econômico, sem estes outros desenvolvimentos paralelos. (GRAMSCI, 2001, p. 149- 150)

Além disso, para Gramsci, a formação do Estado está intrinsecamente ligada aos movimentos intelectuais, pois os intelectuais são os indivíduos pioneiros no despertar da consciência nacional de um povo. São eles os principais responsáveis por apontar e despertar o sentimento comum que une toda uma nação. Segundo Gramsci (1998)

"Estado" significa, en especial, la dirección consciente de las grandes multitudes nacionales; es necesario entonces un "contacto" sentimental e ideolóligo con tales multitudes, y en cierta medida, simpatía y compreensión de sus necessidades y exigencias. (GRAMSCI, 1998, p. 33-34)

Neste sentido, os intelectuais têm de compartilhar e compactuar com as ideologias e necessidades das multidões, das massas sociais. Além de estabelecer tal contato, na maioria das vezes, os intelectuais serão porta-vozes desses anseios. Em Gramsci, o sentimento nacional deve servir como guia da atividade intelectual. Ademais, o filósofo ressalta a importância da formação de intelectuais ao longo do tempo e, nesse contexto, a relevância da organização da vida escolar.

O enorme desenvolvimento obtido pela atividade e pela organização escolar nas sociedades que emergiram do mundo medieval indica a importância assumida no mundo moderno pelas categorias e funções intelectuais: assim como se buscou aprofundar e ampliar a “intelectualidade” de cada indivíduo, buscou-se igualmente multiplicar as especializações e aperfeiçoá-las. (GRAMSCI, 2001, p. 19)

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Para o autor, quanto mais numerosos forem os “graus verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado. Para ele, após a fase do cotidiano escolar, com disciplinas de estudos impostas e controladas, “passa-se a uma fase de estudo ou de trabalho profissional na qual a autodisciplina intelectual e a autonomia moral são teoricamente ilimitadas.” (GRAMSCI, 2001, p. 38)

Isto ocorreria, segundo o estudioso, após a conhecida fase de “crise” da puberdade. Na última fase escolar do ensino básico, na qual o indivíduo deve formar sua base de Humanismo, autodisciplina intelectual e autodisciplina moral. Para ele

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanentemente”, já que não apenas orador puro — mas superior ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho, chega à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece “ especialista” e não se torna “dirigente” (especialista + político). (GRAMSCI, 2001, p. 53)

2.2 O INTELECTUAL PARA SAID

O estudioso palestino Edward Said (1935 - 2003) está entre as maiores referências teóricas sobre questões atualmente muito relevantes, como o pós- colonialismo e a temática dos intelectuais. No que se refere a essa última, um de seus trabalhos mais citados são as conferências Reith, que ocorreram em 1922, reunidas na obra Representações do Intelectual - As conferências Reith de 1993.

Tais conferências foram transmitidas pela emissora de televisão e rádio norte- americana BBC (British Broadcasting Corporation) e, quando anunciadas, geraram uma série de críticas ao conferencista. Muitos, erroneamente, apoiaram sua tese apenas sobre o papel público do intelectual como um outsider ou perturbador. Isto denotou um sentido ainda maior e mais importante às conferências, visto que para Said os intelectuais devem desconstruir estereótipos e romper com categorias redutoras que limitam o pensamento humano.

Segundo ele, os intelectuais não podem ser enquadrados num slogan ou em dogmas rígidos, pois “nada distorce mais o desempenho público do intelectual do que os floreios retóricos, o silêncio cauteloso, a jactância patriótica e a apostasia

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