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3 SISTEMA JORNALÍSTICO E SEUS AGENTES

3.2 Fontes formais nesta pesquisa

3.2.5 Interação social das fontes

Vimos, pelo exposto, que o relacionamento entre fontes e jornalistas acontece sob o impacto da interação entre jornalistas, fontes e sociedade, sendo que esta muitas vezes se manifesta no fenômeno da opinião pública.

BOURDIEU (1997:22) assume que “o jornalista é uma entidade abstracta que não existe”; o que existe são jornalistas de diferentes idades, de um e de outro sexo, com diversos graus de formação, diversos estatutos na profissão e trabalhando em quadros institucionais bastante distintos, fatos que não podem deixar de ser considerados na análise de sua relação com as fontes. Como seres dotados de subjetividade, os jornalistas pretendem tomar suas próprias decisões e receiam ser manipulados pela fontes ou por seus assessores. Para compor uma "estória", o repórter precisa saber a quem fazer perguntas e quem pode ou tem competência para falar, sendo a entrevista um instrumento de trabalho e de pesquisa (SERRANO, 2003) Se o jornalista é um ator, ele está inserido em processo específico de trabalho. Seus meios de produção são os recursos oferecidos pela empresa que o emprega. As relações de produção pressupõem a submissão à hierarquia burocrática

de sua empresa, a obediência aos superiores e à influência de seus pares. Na busca por informação junto às fontes, os jornalistas recorrem a algumas estratégias. Dentre elas, destacam-se a recorrência às fontes “anônimas” ou aos “disfarces” para obtenção de dados, como a prática do off the record 58 e do embargo, o recurso aos rumores e boatos e a realização de sondagens investigativas (PINTO, 1999).

O recurso às fontes anônimas ou off the record, que designa aquilo que se diz confidencialmente ao jornalista e que não pode ser publicado, constitui destacado ponto de conflito no relacionamento entre as partes. Recomenda-se a prática apenas quando o repórter tem plena confiança na fonte, com base em seu histórico de credibilidade (BUCCI, 2000:133). A informação fornecida anonimamente só deve ser publicada se for de extrema relevância e a fonte pode ser omitida em casos extremos, como punição ou risco de vida. O caso mais famoso de utilização de fonte anônima aconteceu na década de 1970, em uma série de reportagens investigativas empreendidas por Bob Woodward e Carl Bernstein a respeito do Caso Watergate, que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon em 1973. O principal informante, Mark Felt, ex-integrante do FBI, só teve sua identidade revelada em 2005. Para exemplificar o nível de conflito, em 2004, a repórter americana do New York Times, Judith Miller, foi condenada a três anos de prisão, por não ter cedido à pressão do governo americano para revelar a fonte que, numa reportagem sobre o Iraque, teria denunciado manipulações de informação por ordem do presidente Bush. A mesma pessoa foi fonte de Matthew Cooper, da revista Time , que a identificou como a agente da CIA, Valerie Miller.

O produto final gerado pelo jornalista não é uma matéria científica. Assim, não é costume colocar referências bibliográficas ou fontes em notas de rodapé ou num quadro “saiba mais”, fato que tende a isentar as fontes de qualquer responsabilidade com o que é publicado (SABBATINI, 2003). As matérias geradas

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Off é o recurso de destacar que a fonte não quis ser identificada, enquanto o embargo é a total

precisam ser aceitas pelo público. Uma "estória" depende do repórter conseguir ou não que as fontes digam qualquer coisa com valor noticiável. Mas, em muito casos, os repórteres limitam-se a verificar informação que recebem, ler o que outros jornalistas escreveram sobre o mesmo assunto, relacionar os fatos, ouvir os intervenientes e tentar publicar primeiro que os outros. A elaboração da matéria, ressente-se de investigação apurada, fenômeno explicado por vários autores como resultado da pressão imposta pelos deadlines59, tipo de constrangimento que caracteriza o processo produtivo jornalístico, sobretudo nos jornais diários.

Outro fato que caracteriza a ação do jornalista é a recorrência às fontes pessoais e orais. Numa cobertura política, por exemplo, os jornalistas fazem pouco uso dos documentos disponíveis nos centros de documentação e arquivos das redações, construindo suas "estórias" com base nos contatos com as assessorias de imprensa ou com os próprios políticos. O jornalista pode, também, gerar informações, sendo comum solicitar comentários às fontes em situações hipotéticas, criando notícias completamente fictícias do ponto de vista da sua espontaneidade. É o que se chama "fazer render as notícias". Ao solicitar reações e comentários de figuras institucionais sobre acontecimentos, o jornalista privilegia os líderes legitimados, deixando de fora o "homem da rua" (TUCHMAN, 1993).

A principal característica da ação das fontes é o próprio poder formal e legitimado que lhes é conferido pela sociedade, em que pese duas variáveis: conhecimento técnico que detém e a autoridade institucional conferida pelo seu estatuto profissional burocrático. Segundo GENTILLE (2001), quando as fontes dominam um saber que os jornalistas desconhecem, a tensão tende a tornar-se muito mais intensa. Fontes diferentes apresentam requisitos diferentes, em termos de exposição e de reserva de conhecimento, as estratégias de atuação das fontes são

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Deadline é o momento, hora limite, a partir do qual não se pode mais esperar para que a matéria seja finalizada.

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bem diversas, mas podemos agrupar algumas: as fugas, a promoção dos pseudo- eventos e o investimento em ações de relacionamento com a mídia.

Definimos como "fuga" o meio, através do qual a fonte, com propósito bem definido, fornece uma informação, preparando ela mesma perguntas e respostas sobre o fato a ser coberto pela imprensa, chamando (ou desviando) a atenção para seus interesses. Mais que um anúncio direto, a "fuga" pode esconder determinados objetivos. A "fuga" é um “pseudo-evento” por excelência e pode acontecer na prática ocasional de a fonte oficial confidenciar informação a alguns jornalistas, querendo criar um clima de confiança mútua entre as partes (SERRANO, 2003).

Quanto aos “pseudo-eventos”, eles podem ser classificados como eventos culturais e esportivos, divulgação de projetos, inauguração de obras, declaração de decisões sobre políticas e estratégias de relacionamento com a comunidade. Os “pseudo-eventos” confundem bastante os papéis de fontes e jornalista, a ponto de não sabermos quem de fato cria o acontecimento, compõe e faz a notícia. Os eventos parecem aparentemente espontâneos e pode existir relativa transparência em suas ocorrências. Nesse caso, o relato dos acontecimentos satisfaz ao jornalista. Mas, caso contrário, se os eventos são construídos e reconstruídos por indivíduos e instituições, o jornalista limita-se a reportar as notícias, tarefa incompleta que fere sua ética profissional (SERRANO, 2003).

Outra estratégia utilizada pelas fontes são os investimentos no relacionamento com a mídia, o que inclui programação de gastos com almoços, encontros, patrocínios de prêmios jornalísticos e outras práticas. Incluímos como uma dessas ações a técnica da conversa de background, em que os políticos fornecem enquadramentos de fatos aos jornalistas, por exemplo. Essa estratégia é eficaz, pois, nem todas as fontes oferecem as mesmas facilidades de acesso (SERRANO, 2003). As fontes que melhor se posicionam junto à mídia são aquelas que estabelecem relações habituais e freqüentes com os jornalistas, isto é, as que produzem fluxos de

informação freqüentes, enviando briefing60 e releases diários. Essas fontes são, em geral, organizadas e profissionalizadas, constituindo importante sustentáculo das relações de poder instituídas na estrutura da burocracia social (TUCHMAN, 1993).

A política de relacionamento institui a cultura da sala de imprensa. Os jornalistas aderem a ela devido ao pouco tempo de que dispõem para confirmar e trabalhar as informações e à dificuldade de acesso rápido a outras fontes documentais ou pessoais. No caso de uma coletiva, a informação fornecida é assimilada por todos os presentes, de forma padronizada e única.

Se, como vimos, a mídia contribui para a reprodução, transformação ou criação de determinada ordem social, as notícias devem, em última instância, agradar ao público. Assim, a terceira e grande ação que envolve a notícia encontra-se no fenômeno da opinião pública, que precisamos mencionar, mas, de forma alguma, detalhar, devido à sua complexidade. Se, como relata SERRANO (2003), a mídia decide o que seja importante para ser noticiado, se algumas pessoas e instituições são aceitas como "fontes de informação" e se alguns eventos são considerados de interesse para o público, ou seja, se os jornalistas e fontes são atores políticos não desprezíveis, é o público que ambos querem atingir e é ele que sofre toda a sorte de manipulações de informações ocorridas até a publicação das notícias .

BOURDIEU (1998) ironiza que os jornalistas agendam uma série de pensadores como "fast-food", fato que passa desapercebido ao público, alienado à ordem vigente. No imaginário popular, espera-se que o jornalista seja guardião dos interesses da comunidade. Devido a essa responsabilidade, cabe principalmente à mídia o patrocínio do jornalismo crítico e ativo (SERRANO, 2003).

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Briefing, por exemplo, é a publicação diária da agenda de um executivo, como prefeito, governador ou presidente.

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