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16 5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

5.3. Interações da pasta de cimento hidratada

O mecanismo de hidratação do cimento é um fenômeno bastante conhecido, amplamente estudado e não faltam trabalhos nas mais diversas especificidades e focos, o que constitui um amplo e rico acervo tecnológico e de pesquisas à disposição do meio interessado. Pertinente, entretanto, destacar que no caso de concretos com elevados teores de adições minerais ainda são necessários estudos mais aprofundados.

Esse mecanismo é constituído por um processo de dissolução-precipitação nas primeiras fases, seguido de um processo topoquímico. O enrijecimento da pasta é caracterizado pela hidratação dos aluminatos e a evolução da resistência (endurecimento) é realizada pelos silicatos (MEHTA; MONTEIRO, 2008).

A reação do C3A com água é imediata e, por isto, há necessidade de adição de sulfato para retardar a reação. A hidratação dos aluminatos na presença de sulfato resulta na etringita (C6AS3H32), que assume formas aciculares e em monossulfatos hidratados com a forma de placas hexagonais delgadas. A formação das agulhas de etringita

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começa minutos após o início da hidratação, sendo responsáveis pelo fenômeno da pega e desenvolvimento da resistência inicial. Dependendo da proporção alumina- sulfato do cimento Portland, depois de alguns dias a etringita pode tornar-se instável e decompor-se para formar o monossulfato hidratado, que é uma forma mais estável.

Os principais compostos resultantes da hidratação do cimento Portland são o silicato de cálcio hidratado (C-S-H), o hidróxido de cálcio (CH) e os sulfoaluminatos de cálcio, além de partículas de clínquer não hidratadas. O C-S-H constitui entre 50 a 60% do volume de sólidos de uma pasta de cimento Portland completamente hidratada, sendo o principal responsável pelas suas propriedades mecânicas. A estrutura do C-S-H varia desde formas semicristalinas até altamente cristalinas, não tendo sido ainda completamente descobertas todas as estruturas possíveis para esta fase, embora uma larga gama de C-S-H já seja conhecida, sabendo-se que as suas fases cristalinas são formadas a altas temperaturas (BLACK et al., 2003; ANJOS et al., 2011) e as fases semicristalinas a amorfas estão presentes nas hidratações à temperatura ambiente.

No caso A, a seguir (Figura 5.14), uma pasta contendo relação água/cimento de 0,63 e 100cm3 de cimento requer 200cm3 de água, o que totaliza 300cm3 de volume de pasta ou espaço total disponível. O grau de hidratação do cimento depende das condições de cura (duração da hidratação, temperatura e umidade). Assumindo que, sob as condições de cura da ASTM 312, o volume de cimento aos 7, 28 e 365 dias seja igual a 50, 75 e 100%, respectivamente, o volume calculado de sólidos (cimento anidro e produtos de hidratação) é de 150, 175 e 200cm3. O volume de vazios capilares pode ser determinado a partir da diferença entre o espaço total disponível e o volume total de sólidos, resultando em 50, 42 e 33%, respectivamente, aos 7, 28 e 365 dias de hidratação (MEHTA; MONTEIRO, 2008).

No caso B (Figura 5.14), considera-se um grau de 100% de hidratação para quatro pastas de cimento preparadas com diferentes consumos de água correspondentes a relações a/c de 0,7, 0,6, 05 e 0,4. Para um dado volume de cimento, a pasta com a maior quantidade de água terá o maior volume de espaço total disponível, mas, após a hidratação completa todas as pastas devem conter a mesma quantidade de produtos sólidos de hidratação. Assim, a pasta com o maior espaço total possuirá um volume total correspondente de vazios capilares. Desta forma, 100cm3 de cimento com

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hidratação completa produziriam 200cm3 de produtos sólidos hidratados em cada caso. No entanto, uma vez que o espaço total disponível nas pastas com 0,7, 0,6, 05 e 0,4 de relação a/c foi de 320, 288, 257 e 255cm3, os vazios capilares calculados são iguais a 37, 30, 22 e 11%, respectivamente. Como resultado, para uma pasta com relação a/c de 0,32, não haveria porosidade capilar quando o cimento estivesse completamente hidratado (MEHTA; MONTEIRO, 2008).

Figura 5.14 – Variações na porosidade capilar com diferentes relações água/cimento e grau de hidratação

Fonte: MEHTA; MONTEIRO, 2008, p.37.

Para argamassas de cimento normalmente hidratadas, POWERS e BRUMAUER (1962) demonstraram existir uma relação exponencial do tipo fc = ax3 entre a resistência à compressão fc e a relação sólidos-espaço (x), em que a é uma constante igual a 234MPa. Considerando certo grau de hidratação, por exemplo, de 25, 50, 75 e 100%, é possível calcular o efeito do aumento da relação a/c inicialmente na porosidade e, subsequentemente, na resistência, empregando-se a fórmula de POWERS e BRUMAUER (1962). Os resultados constam da Figura 5.15.

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A pasta de cimento hidratada é alcalina e, portanto, a exposição às águas ácidas pode ser prejudicial ao material. Sob essas condições, ‘impermeabilidade’ ou ‘estanqueidade’ torna-se um fator primário preponderante no que tange à durabilidade. A impermeabilidade da pasta de cimento hidratada é uma característica altamente desejável porque se acredita que uma pasta impermeável resultaria em um concreto impermeável (o agregado é geralmente considerado impermeável). A ‘permeabilidade’ é definida como a facilidade com que o fluido sob pressão pode fluir através de um sólido, sendo certo que o tamanho e a continuidade dos poros na microestrutura do sólido determinariam sua permeabilidade. Resistência e permeabilidade da pasta de cimento hidratada são dois lados da mesma moeda, uma vez que ambos estão estreitamente relacionados à porosidade capilar ou à relação sólido-espaço. Isso fica evidente na curva de permeabilidade mostrada na Figura 5.15, que se baseia em valores determinados experimentalmente por POWERS e BRUMAUER (1962).

Figura 5.15 – Influência da relação água/cimento e do grau de hidratação sobre a resistência e a permeabilidade

Fonte: MEHTA; MONTEIRO, 2008, p.38.

A relação exponencial entre permeabilidade e porosidade mostrada na Figura 5.15 pode ser compreendida a partir da influência que os vários tipos de poros exercem na permeabilidade. À medida que a hidratação se processa, o espaço vazio entre partículas originalmente individualizadas de cimento começa a ser gradualmente

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preenchido com os produtos da hidratação. A partir dos dados da Figura 5.16 fica claro que o coeficiente de permeabilidade sofre uma queda exponencial quando o volume dos poros capilares for reduzido de 0,4 para 0,3.

A pasta de cimento hidratada saturada não é dimensionalmente estável. Desde que mantida a 100% da umidade relativa (UR), praticamente nenhuma variação dimensional ocorrerá. No entanto, quando exposto à umidade ambiente, que normalmente é muito menor que 100%, o material começará a perder água e se retrai.

HERMITE (1960) descreve como a perda de água da pasta de cimento hidratada saturada está relacionada à UR por um lado e à retração por secagem pelo outro. Logo que a UR cai abaixo de 100%, a água livre retida nas grandes cavidades (>50nm) passa a evaporar para o meio ambiente. Uma vez que a água livre não está associada à microestrutura dos produtos da hidratação por qualquer ligação físico- química, sua perda não seria acompanhada por retração, como demonstra a curva A- B da Figura 5.16(a).

Desta forma, a pasta de cimento hidratada saturada exposta a uma UR ligeiramente inferior a 100% de UR pode perder uma quantidade considerável de água evaporável total antes de sofrer qualquer retração. Quando a maior parte da água livre tiver sido perdida, verifica-se, no prosseguimento da secagem, que uma perda de água adicional resulta em acentuada retração. Esse fenômeno, mostrado pela curva B-C da Figura 5.16(b), é atribuído, principalmente, à perda de água adsorvida e água retida nos pequenos capilares.

Figura 5.16 – (a) Perda de água em função da umidade relativa; (b) retração de uma argamassa em função da perda de água

Fonte: MEHTA; MONTEIRO, 2008, p.39.

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Tem sido sugerido que, quando confinada a espaços exíguos entre duas superfícies sólidas, a água adsorvida causa ‘pressão de desligamento’. A remoção da água adsorvida reduz a pressão de desligamento e causa retração do sistema. A água interlamelar, presente como uma membrana monomolecular de água entre as camadas da estrutura do C-S-H, pode também ser removida sob condições severas de secagem, o que ocorre em função do contato mais próximo existente entre a água interlamelar e a superfície sólida e da tortuosidade da trajetória de transporte através da rede capilar requerer maior força motriz. Uma vez que a água nos pequenos capilares (5 a 50nm) exerce ‘pressão hidrostática’, sua remoção tende a induzir uma tensão de compressão nas paredes sólidas do poro capilar, causando, também, contração no sistema.

Estudos de porosimetria por intrusão de mercúrio em pastas hidratadas de cimento, com diferentes relações a/c e em várias idades, demonstram que a redução na porosidade total capilar está associada à redução de grandes poros na pasta de cimento hidratada (Figura 5.17). O intervalo de porosidade capilar parece corresponder ao ponto em que volume e tamanho dos poros capilares em uma pasta de cimento hidratada são reduzidos de forma que as interconexões entre eles deixam de existir. Como resultado, a permeabilidade de uma pasta completamente hidratada pode ser da ordem de 106 vezes menor do que uma pasta jovem. Na década de 1960, POWERS e BRUMAUER (1962) demonstraram que, mesmo em uma hidratação completa, uma relação a/c de 0,6 pode se tornar tão impermeável quanto uma rocha densa, como basalto ou mármore.

Figura 5.17 – Curvas de distribuição de pequenos poros em pastas de cimento com diferentes relações água/cimento

Nota: Distribuição de tamanho dos poros menores que 1320 Å para corpos de prova com relações água/cimento de 06, 0,7, 0,8 e 0,9 aos 28 dias.

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Conforme MEHTA e MONTEIRO (2008), as porosidades representadas pelo espaço interlamelar do C-S-H e pequenos capilares não contribuem para a permeabilidade da pasta de cimento hidratada. Ao contrário, com o aumento do grau de hidratação, embora ocorra um aumento considerável no volume dos poros devido ao espaço interlamelar do C-S-H e pequenos capilares, a permeabilidade sofre grande redução. Na pasta de cimento hidratada, foi observada uma relação direta entre permeabilidade e volume de poros maiores do que 100nm3. Isto se dá, provavelmente, porque os sistemas de poros, constituídos principalmente por pequenos poros, tendem a se tornar descontínuos.

ANJOS et al. (2012) comentam que o ganho de resistência de concretos com adição mineral é mais lento devido ao aumento no tempo inicial e final da pega, que pode chegar a mais de 100% em pastas de cimento e cinza volante, em proporções de 62,5% e 37,5% em massa. Este nível de substituição do cimento pode ser considerado convencional, uma vez que, na prática, são correntes teores de adição de até 40% da massa de ligante (ALONSO; WESCHE, 1991) e, portanto, teores acima deste podem ser considerados como sendo ‘elevados teores de adições’ (HOPPE FILHO et al., 2013). MALHOTRA (2002) propôs a divisão dos concretos com cinzas volantes em duas classes, tendo em conta a quantidade de cimento substituído: concretos com cinzas volantes (em massa), inferior a 50% e superior a 50%.

Considerada revisada a literatura necessária ao estudo, o próximo capítulo discorre sobre os materiais e métodos utilizados. Os itens envolvem a infraestrutura e recursos, fases da pesquisa, análises prévias e comentários.

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