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Interações entre antirretrovirais, álcool e drogas recreativas

É comum que pessoas sob terapia antirretroviral (TARV) façam uso de substâncias psicoativas (álcool ou drogas) e tomem me- dicamentos sem orientação médica.

Embora a interrupção do uso de álcool e de outras drogas seja desejável para quem usa TARV, nem sempre isso acontece. Por- tanto, para adequado manejo da TARV em pessoas que utilizam álcool e drogas recreativas, é necessário não negligenciar esse tema junto ao paciente, abordando-o diretamente.

Para uma adequada orientação, é necessário compreender as po- tenciais interações e seus riscos para quem utiliza TARV. Para isso, assim como em relação aos medicamentos em geral, é necessário conhecer a metabolização de álcool, maconha, cocaína e outras drogas, embora os dados existentes sobre o tema ainda sejam es- cassos. Alguns estudos têm demonstrado que usuários de álcool e outras drogas estão sub-representados nas amostras da maioria dos ensaios clínicos que envolvem pacientes em terapia antirretroviral. O uso de produtos naturais é também crescente na população geral e nos pacientes infectados pelo HIV. Grande parte desses produtos são licenciados com informações genéricas e não existe uma padronização na formulação e nas doses de cada produtor. A interação desses produtos com os medicamentos ARV e ou- tros não é percebida pela maioria dos pacientes e pelos médicos (LEE, 2006). Muitos desses produtos são formulados com várias “ervas”, podendo ocorrer interação com os ARV. Há risco de uso indiscriminado de vitaminas (A,C, E, B12, B6, multivitami- nas), assim como de óleo de alho (garlic oil), beta-caroteno, zin- co, ginseng, selênio, aloe, folatos e ervas chinesas. Grande parte destas substâncias não foi totalmente estudada, bem como suas interações nos processos de metabolização hepática e intestinal. Os produtos naturais que foram estudados em associação com os IP (indinavir, saquinavir, ritonavir), anteriores aos esquemas ARV atuais com novos IP e ITRNN, são:

Erva de São João (Hipericum perforatum): usada por suas propriedades antidepressivas. Interage com todos os IP e ITRNN e não deve ser empregada em associação com estes.

Milk thistle/cardo leiteiro (Silybum marianum): usado por

suas propriedades de promover “saúde para o fígado”. Aparentemente sem interação com os ARV.

Óleo de alho/garlic oil (Allium sativum): usado por suas pro-

priedades antilipemiantes, antioxidantes e antimicrobioló- gicas. Devido à sua interferência no metabolismo hepático e intestinal, deve ser evitado com os IP, particularmente com o saquinavir e com os ITRNN.

Vitaminas: desconhecido o potencial de interação.

Goldenseal/hidraste (Hydrastis canadensis): usado por suas

propriedades imunoestimulantes. Pode diminuir a concen- tração dos ARV, devendo ser evitado.

Equinácea (Echinacea sp): usada devido a suas propriedades

imunoestimulantes. Usar sob monitoramento, pois pode interagir com ARV.

Grupo de “ervas” que aparentemente não interagem com os

ARV: kava-kava (Piper methysticum), valeriana (Valeriana

officinalis), panax ginseng, ginkgo biloba, ginseng siberiano

(Eleutheroccus senticosus), bitter orange (Citrus aurantium), saw palmetto (Serenoa repens).

Além disso, é necessário atentar para os riscos do uso abusivo de drogas e para a importância de disponibilizar insumos para sexo seguro e uso o menos danoso possível de drogas (como se- ringas e agulhas para usuários de drogas injetáveis), protegendo o paciente e seus parceiros dos riscos da transmissão e/ou de reinfecção pelo HIV.

Álcool (etanol)

Sua principal via de metabolização não está associada ao sistema Citocromo P450. Não existem evidências de que o uso concomi- tante de álcool reduza o efeito dos ARV. Por outro lado, os pro- blemas do uso de álcool por pacientes em TARV estão ligados à adesão ao tratamento e à hepatotoxicidade.

Os problemas mais frequentemente relacionados à adesão ao trata- mento dizem respeito a falhas na periodicidade da tomada de me- dicamentos ou à falta de percepção de que os antirretrovirais não podem ser utilizados em horários próximos à ingestão de bebidas alcoólicas. Como o uso de álcool é muito comum na população em geral, o farmacêutico responsável pela adesão ou orientação deve discutir ativamente o tema com seu paciente, para que este dispo- nha de informações corretas e confiáveis, evitando prejuízos em seu tratamento e minimizando a possibilidade de resistência antir- retroviral, caso sejam frequentes as falhas nas doses de ARV. O álcool por si só ocasiona hepatotoxicidade, o que pode levar à hepatopatia crônica e mesmo à cirrose, especificamente em pessoas coinfectadas com hepatite C.

Em pacientes que utilizam outros medicamentos, principalmente di- danosina (ddI) ou estavudina (d4T), o uso de álcool adiciona risco de pancreatite, especialmente na presença de outras condições, como, por exemplo, hipertrigliceridemia. Tanto o álcool como a didanosina e a estavudina estão associados ao risco de neuropatia periférica. Outro efeito que pode ser potencializado pelo uso concomitante de álcool são as manifestações neuropsiquiátricas do efavirenz, provocando no indivíduo uma sensação de “embriaguez”. Em síntese, é necessário sempre abordar os hábitos cotidianos do paciente, incluindo o uso de álcool. É essencial informá-lo sobre os efeitos do álcool na adesão ao tratamento e alertá-lo para a potencial hepatotoxicidade do seu uso concomitante a TARV, particularmente em caso de coinfecção com HCV ou HBV.

Cocaína

Não parece haver interação farmacocinética importante entre a cocaína e os medicamentos ARV, já que o metabolismo da cocaína não depende da via CYP450. Há relatos de potencializa- ção da neurotoxicidade do HIV pelo uso da cocaína. Da mesma forma que o uso de álcool, o uso de cocaína está associado a prejuízos na adesão à TARV.

Embora não existam dados de efeitos tóxicos dessa interação na literatura, a utilização de inibidores da CYP3A4, como os ITR- NN, pode elevar os níveis séricos de cocaína, aumentando o ris- co de hepatotoxicidade.

Em resumo, a cocaína não apresenta interações conhecidas com os medicamentos antirretrovirais. No entanto, estudos sugerem haver maior risco de progressão rápida da imunodeficiência em indivíduos que fazem uso regular dessa substância.

Maconha

Até o momento não há relatos sobre interação farmacocinética importante entre a maconha e os medicamentos ARV. O que se notou foi que, em um estudo observacional, os níveis séri- cos de indinavir (IDV) e nelfinavir (NFV) em 67 pacientes que fumavam maconha diminuíram, com redução da área sobre a curva (AUC) e da concentração máxima (CMáx) do IDV em 14% e 14%, respectivamente, e do NFV, em 10% e 17%, respec- tivamente, sem ter sido identificada repercussão na contagem de linfócitos T CD4 ou na carga viral (CV). Entretanto, as al- terações na memória e na atenção ocasionadas pela maconha podem levar à perda das doses de ARV, acarretando prejuízos à adesão e risco potencial de falha terapêutica precoce

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