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4 PELA NECESSIDADE DE CONSTRUÇÃO DE AXIOMAS QUE

4.8 Não há investigação criminal sem mínima publicidade

4.8.1 Interesse público na divulgação de malfeitos x direito à

A publicidade de casos criminais opõe os direitos à intimidade/privacidade (artigo 5º, X, da Constituição Federal) e os direitos de acesso à informação e de livre publicação (artigos 5º, XIV, e 220 da Carta da República):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Se por um lado a sensação de impunidade cede com a divulgação dos resultados alcançados pelos órgãos de persecução penal nas investigações, é preciso muita cautela, com o fito de evitar antecipação de culpa.

O poder destrutivo de informações hoje facilmente disseminadas pelos meios de comunicação, e que podem ganhar ainda mais velocidade de trânsito em razão da internet, das redes sociais e de aplicativos de mensagens instantâneas, pode vir

a macular irremediavelmente quem for envolvido por equívoco nos crimes investigados.

É extremamente difícil mensurar os problemas que podem ser causados pela errônea divulgação do nome de uma pessoa como participante de um caso criminal grave, em caso de posterior absolvição (ainda que esta se dê por insuficiência de provas). A reputação do indivíduo e mesmo seu círculo familiar podem ser gravemente afetados.

No curso da investigação policial, a regra é o sigilo (tal qual determinado pelo artigo 20 do Código de Processo Penal). É da lógica investigativa que a publicidade antecipada do objeto da apuração prejudica a elucidação do fato criminoso.

O anseio da população em conhecer os detalhes da investigação deve ser freado neste momento, visto que a colheita de provas pode ser afetada caso os autores do fato apurado descubram a linha investigativa traçada pelo aparelho policial (não é seguir a melhor doutrina policial divulgar a todo instante as provas coligidas no curso do inquérito policial ainda não finalizado – isso pode redundar em interferência indevida da opinião pública e da mídia na condução da investigação).

Finda a investigação policial, não parece haver óbice em dar certa publicidade ao trabalho materializado pelo Estado-investigação, com o fito de demonstrar que a prática delitiva restou elucidada. A publicidade neste momento (ou em instante imediatamente posterior – o oferecimento da exordial acusatória) deve ser extremamente cautelosa, sob pena de se transmudar em antecipação de culpa (a influenciar a sociedade, que finda interpretando que a repetição da notícia significa, inexoravelmente, que a mesma é verdadeira, e o íntimo dos juízes que vão apreciar futuramente o processo).

A sensação de que a notícia posta pela mídia pode funcionar como condenação antecipada é assustadora para o investigado/acusado. É inegável que, além da tarefa de se defender no bojo do feito, a publicidade exacerbada em torno de um caso judicial tornado famoso pela mídia finda trazendo novo encargo para o acusado, o de tentar convencer a população da sua inocência.

Antoine Garapon188 descreve sua preocupação com excessos midiáticos na

França (sua abordagem, quanto ao juízo de instrução francês, adequa-se à nossa fase pré-processual):

As relações entre a imprensa e a justiça são exacerbadas pelo arcaísmo do nosso sistema inquisitorial, que confere demasiada importância ao juiz de instrução e não a suficiente à audiência. Em muitos casos comuns, a verdadeira pena não é decidida pelo tribunal mas ab initio pelo juiz de instrução no decorrer da detenção preventiva. Esta será, na maior parte dos casos, coberta pela jurisdição do julgamento. O momento da justiça, o único em que as garantias processuais podem desempenhar convenientemente as suas tarefas, é a audiência.

O pretenso arcaísmo do nosso sistema penal justifica todos os excessos dos media. Por que razão todos desprezam o segredo da instrução e a presunção da inocência? Porque os próprios magistrados não a respeitam, afirmava recentemente um jornalista. Em França, começa-se por destruir a reputação dos suspeitos encarcerando-os, e investiga-se depois. Tudo se desenrola com a exposição dos suspeitos na praça pública pelo juiz de instrução e pelos media. Tudo é tornado público, nas piores condições, já que é a imprensa quem, em última análise, quem define quem é culpado e quem é inocente.

4.8.2. Interesse público na divulgação de malfeitos x direito à intimidade/privacidade de réus (análise da fase processual)

O estudo do processo penal constitucional, por seu turno, parece conduzir à constatação de que, em regra, a fase processual é pública e que é direito do cidadão brasileiro se informar acercado trâmite de ações penais em curso e do desfecho das mesmas.

É o quanto desenhado pelo artigo 93, IX, da Constituição Federal:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

E pelo artigo 792, § 1º, do Código de Processo Penal:

Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

A análise do sistema processual penal brasileiro faz crer que eventual restrição à publicidade processual só pode ser levada a efeito como exceção e desde que respeitado o interesse público à informação (nos crimes contra a dignidade sexual, para salvaguardar a intimidade da vítima, por exemplo).

Ainda assim é importante cautela, visto que só é possível efetivamente considerar cidadão brasileiro culpado de prática delitógena depois do trânsito em julgado de sentença condenatória, nos exatos termos do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.