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ESTATÍSTICA APLICADA 71 9 80

4 AS AVIADORAS MILITARES BRASILEIRAS

4.2 O INTERESSE PELA AFA E PELA VIDA MILITAR

Sendo uma profissão inovadora, de difícil acesso e cuja dificuldade vai aumentando ao longo do curso, supõe-se que de alguma forma os candidatos conheçam essa realidade, quer por influência de algum familiar, por ter estudado em colégios militares ou por curiosidade advinda de uma pretensa aptidão para o seu exercício. Entretanto, apesar de algumas falas das cadetes demonstrarem a influência que tiveram, especialmente daquelas que são filhas de militares, é recorrente o fato de desconhecerem a rotina de uma academia militar:

Eu sempre tive influência do meu pai da parte da aviação, não que ele me incentivasse a ser piloto, ele ficava na dele e eu acho que ele até preferia que eu tivesse escolhido outra coisa, Direito, uma coisa assim eu acho. Ele nunca falou muito assim, me incentivando. Mas também não tinha nada contra. (...) Então a gente sempre teve uma imagem da FAB, ele sempre falou muito disso. (...) Aí eu pensava em seguir a carreira civil de aviação, sempre foi o que eu quis, sempre pensei em ser piloto. Então como o meu pai era piloto, seria mais fácil pra mim (...).

Comecei a AFA, caí aqui de pára-quedas... Não, não tinha intenção de ser militar, mesmo tendo estudado em colégio militar. Aí eu entrei aqui, porque eu quis fazer esse curso de pilotagem, eu achava interessante e também pela segurança do local, porque eu queria vir pra SP, eu queria estudar aqui, porque eu tinha vontade de conhecer.

Tenho familiares militares e o colégio (militar) também influenciou.

Os colégios militares, apesar de proporcionarem uma visão parcial da vida militar, não apresentam realmente a realidade de uma academia que forma oficiais, tendo em vista que seus objetivos são outros e sua clientela nem sempre está disposta a seguir a carreira. Entretanto, o ensino de qualidade proporcionado por estes colégios permite que o aluno opte por prestar concursos disputados e sugere que a educação na caserna é baseada na disciplina, o que influenciou aquelas que têm preferência por esse tipo de ambiente estruturado, organizado e padronizado:

Meu pai não (era militar), mas meu avô era; mas não cheguei a conhecê-lo, ele morreu quando meu pai tinha sete anos. Mas ficou aquela coisa assim de eu ter tido um avô militar, meu pai estudou em colégio militar e queriam que eu estudasse lá também; era um colégio muito bom e aí eu fiz concurso, entrei e fiquei lá estudando. E foi ali que eu conheci a vida militar e achei bom, porque pela disciplina, pela organização que às vezes não é tanta, mas já é mais que nos outros lugares, por ser um ambiente que te dá uma estabilidade entendeu. E eu gostava muito daquilo tudo, eu achava bom pra mim; tem gente que se incomoda com a disciplina, tem gente que nem conseguia estudar lá por

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causa disso e eu não, achava bom do jeito que era, eu gostava muito; então eu tinha uma idéia que eu queria ser militar, apesar que eu não sabia a carreira exatamente.

Então fui (para o colégio militar) e lá eu comecei a aprender, que eu não entendia nada de militarismo, aí comecei a conhecer IME, ITA, AFA, ESCOLA NAVAL... aí eu vi que pra mulher era altamente restringido. Não me incomodava com essa parte militar, porque eu sempre fui meio exigente, meio responsável, então achava legal essa organização que tinha dentro de uma instituição militar e era meio chato porque a gente via que o pessoal aqui fora era meio diferente, todo mundo era mais livre, mas pra mim era melhor, eu não gostava muito de “zona”. Lá então eu fiquei conhecendo e sabendo que a AFA podia entrar mulher, só que até então só podia pra intendência. (...) e eu brincava com os meninos “quando tiver pra piloto eu faço” e o pessoal ficava me zoando, “até parece, não vai acontecer nunca”. Então eu fiz pra intendência, não passei na prova e aí abriu. Foi no mesmo ano, eu tinha terminado o 3º ano e dei muita sorte, porque não perdi nem um ano (...). A minha influência foi o colégio militar, que aí eu comecei a conhecer mais as coisas.

Gosto de disciplina, em tudo o que faço, principalmente nos estudos, algo que eu não encontraria em nenhuma outra instituição.

Outras cadetes afirmam que a segurança proporcionada pela profissão, desde o momento em que adentram os portões da AFA, foi um fator decisivo para a escolha desta instituição de ensino, o que também traria certa independência financeira com relação à família de origem:

Mas eu queria alguma coisa que eu não precisasse ficar dependendo dele (do pai) pra eu não atrapalhar mais. Aí eu comecei a ver os concursos federais, na época eu estava na oitava série, aí eu vi que tinha muitos concursos que eu conseguiria ter um ensino médio bom e eu vou dar uma aliviada aqui, porque a situação não estava muito boa nesta época. (...) prestei todos os concursos que estavam ao meu alcance na oitava série, nas escolas federais que tinham lá (...). Eu passei e dentre as opções que eu tive eu escolhi o colégio militar, porque eu sabia que era o melhor ensino e que na hora que eu vi que tinha condições de entrar isso começou a despertar a minha curiosidade “até que pode ser legal esse negócio de vida militar” e eu nunca tinha pensado. E não tem nenhum militar na minha família. Pela estabilidade que possui a profissão e amor por defender meu país a qualquer custo.

Porque admiro a carreira militar, quero ser piloto, e a estabilidade financeira.

Optei por um curso militar porque admiro a profissão, a farda, a disciplina e hierarquia. Mas o principal motivo é a estabilidade que a profissão oferece.

Em outras falas, demonstram a satisfação da família e a emoção que sentiram ao serem aprovadas no vestibular da AFA. O sentimento de orgulho que a profissão ainda proporciona condiz com a percepção advinda do meio civil de que a carreira militar é promissora e respeitável, bem como de difícil acesso e permanência, mesmo considerando que atualmente se encontra um pouco desprestigiada, tendo em vista a citada crise de identidade. Apesar disso, algumas destacam que os pais inicialmente mostraram-se contrários

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à escolha, tendo em vista tratar-se de uma atividade de alto risco, o que lhes deixava temerosos, mas com o passar do tempo e com o entusiasmo demonstrado por elas, passaram a apoiar e incentivar. Esse apoio oferecido pelos familiares faz com que as cadetes tenham persistência em manter-se no curso, porque reconhecem no seu lugar de origem um “porto seguro” para onde poderão retornar, se houver necessidade:

Foi bom, meus pais ficaram muito orgulhosos, e eu também achei bom, eu tinha passado no vestibular também, aí eu optei pra cá porque eu podia trancar o vestibular se eu não gostasse, se não me adaptasse, se não fosse bem aquilo que queria para minha vida eu ia voltar para a minha cidade e ia fazer lá a minha faculdade, que ficava trancada por dois anos; então eu tinha muito tempo para ver e experimentar tudo, pra voar então. Aí vim com esta segurança de que eu podia voltar e tinha alguma coisa me esperando.

Puxa, foi uma emoção só, porque estava todo mundo esperando há muito tempo, meu pai ficou super feliz. Ao mesmo tempo que a gente ficava com medo, por ser aviação que eu tinha conseguido passar, mas ele ficou super orgulhoso, todo mundo lá em casa me apóia muito e é muito orgulhoso até hoje.

Pra mim foi uma coisa bem... na hora que eu vi eu não acreditei. E eu estudava só em casa, minha mãe me via estudando o dia inteiro, estudava na biblioteca pública, em casa... quando estava muito ruim de estudar em casa eu ia pra biblioteca. Minha mãe ficou muito orgulhosa.

No princípio meus pais não queriam que ficasse aqui. Meu pai dizia que era pouco para o meu potencial. Após o espadim, perceberam que era realmente o que eu queria e ficaram muito felizes. Todos os meus outros familiares são muito orgulhosos.

Eles me apoiaram e incentivaram minha decisão pelo fato de a profissão oferecer status, estabilidade e eu poder me tornar independente muito jovem.

Como foi possível perceber, o interesse pela carreira militar e pelo vestibular da AFA tem influência tanto da vivência familiar quanto da inclinação pessoal para o exercício de um cargo que exige dedicação, persistência, disciplina e uma boa dose de auto- estima, tendo em vista as constantes dificuldades que se fazem presentes ao longo do curso e da carreira.

A estabilidade financeira proporcionada pela carreira desde o momento que começam seus estudos na AFA, num país cujas contradições internas dificultam a participação dos jovens no mercado de trabalho, é também um fator de relevo na escolha dessa profissão, ainda mais se adicionarmos a ele a tradição brasileira de conduzir pacífica e diplomaticamente seus problemas internacionais. Ou seja, se há a perspectiva de usufruir os

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benefícios de uma profissão estável sem correr maiores riscos, possivelmente essa despertará grande interesse dentre os jovens que disputam um espaço no concorrido mercado de trabalho.

Mas, por outro lado, apesar do interesse que ainda persiste, como vimos no capítulo 2, o número de candidatos inscritos no concurso de admissão tem apresentado uma taxa decrescente nos últimos anos, o que pode ser interpretado de diversas formas, enfocando desde questões demográficas até ao recalque ainda existente por parte da comunidade civil com relação aos militares. A nosso ver, os jovens brasileiros dispõem de uma imensa variedade de opções em termos profissionais, e o ensino militar, especialmente da forma como ainda persiste no Brasil, com dedicação exclusiva, regime de internato e pouca assimilação no mercado de trabalho civil, desperta menos interesse que alguns outros cursos superiores das faculdades civis. Até porque um bom profissional, hoje, não fica restrito a terminar um curso superior, mas busca manter-se atualizado até fazendo outros cursos no mesmo nível ou acrescentando-lhes cursos de pós-graduação. A perspectiva de manter-se, pelo menos durante quatro anos, submetido aos muros e às regras disciplinares militares, pode não parecer tão atraente aos jovens que vivem numa sociedade cujas fronteiras espaciais estão tão distendidas e os atrativos sócio-culturais são tão variados.

Essa tendência decrescente pode também ser um motivo para a questão da abertura de vagas para as mulheres, tendo em vista que, como já ocorreu em outros países, é mais sensato aceitar mulheres bem qualificadas do que homens que não demonstram capacidade suficiente para o exercício da profissão.

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