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2. AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS NO DIREITO BRASILEIRO

2.3. AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

2.3.6. Internação

A internação consiste na privação da liberdade do adolescente a quem se atribua a prática de um ato infracional, sendo, portanto, a medida mais severa a que está ele sujeito. Justamente por este motivo a internação está regida por três princípios básicos, quais sejam, a excepcionalidade, a brevidade e o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A internação não comporta prazo determinado, ou seja, diferentemente da sentença penal condenatória a quantidade da medida não guarda correspondência com o ato infracional praticado. Dentro de sua proposta pedagógica, a manutenção da medida deve ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Isto não significa que o juiz deva esperar o transcurso dos seis meses para só então realizar a avaliação, podendo fazê-la em menor prazo se assim achar conveniente.

Entretanto, o prazo máximo de internação não poderá exceder a três anos. Após este período, ou o adolescente é posto em liberdade ou a medida é convertida em outra mais branda, tais como a semi-liberdade ou a liberdade assistida.

Ainda que a execução da medida possa ser aplicada à pessoa maior de dezoito anos de idade, em todos os casos, a liberação será compulsória quando ela completar vinte e um anos. O juiz exerce papel fundamental neste contexto, uma vez que o próprio Estatuto define como crime o descumprimento de prazo em benefício do adolescente, nos termos do artigo 235, cuja pena pode chegar a dois anos de detenção.

O Estatuto também relaciona de forma exaustiva as hipóteses nas quais cabe a internação, quais sejam: a) quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; b) por reiteração no cometimento de outras infrações graves e c) por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

A medida de internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, sendo a permanência provisória em estabelecimentos para adultos medida temporária e excepcionalíssima. O local de internação não se confunde com abrigo e deverá ser obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

O artigo 124 do Estatuto prevê que são direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

É vedada, durante o período de internação a incomunicabilidade, sendo permitido, entretanto, que o juiz suspenda temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

No Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e do Tratamento do Delinqüente, foram aprovadas as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade. Do seu longo texto é possível retirar importantes balizas para o asseguramento de garantias mínimas ao adolescente autor de ato infracional e em cumprimento da medida sócio-educativa mais rigorosa, qual seja, a internação.

O item n° 38 das Regras preconiza que todo jovem em idade de escolaridade obrigatória terá o direito de receber um ensino adaptado à sua idade e capacidade, e ainda, destinado a prepará-lo para sua reintegração na sociedade e sempre que possível. Para tanto, este ensino deverá ser feito fora do estabelecimento de internação, em escolas da comunidade. É uma mudança de paradigma considerável, levando-se em conta o preconceito reinante na sociedade.

Quanto à profissionalização, as Regras estabelecem que todo jovem terá direito a receber formação para exercer uma profissão que o prepare para um futuro emprego, sendo que a opção pela classe de trabalho cabe ao adolescente. Lembre-se, ainda, que todas as normas nacionais e internacionais de proteção aplicadas ao trabalho da criança e aos trabalhadores jovens deverão ser aplicadas aos jovens privados de liberdade (itens n° 42 a 44).129 Prevê, também, que sempre que possível, deverá ser dada aos jovens a oportunidade de realizar um trabalho remunerado, preferencialmente na comunidade local (item n° 45).

As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade ainda trazem a obrigação de proporcionar aos adolescentes: acesso a atividades

129 O artigo 7° da Constituição Federal prevê que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”[...] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:

promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível

recreativas, assistência religiosa, atenção médica e odontológica, programas de prevenção do uso indevido de drogas e de reabilitação, comunicação adequada dos jovens com o mundo exterior, visitas regulares, comunicação, sem restrições, com a família e com o advogado de defesa, informação periódica acerca dos acontecimentos através de jornais, revistas ou outras publicações, programas de rádio, televisão e cinema, etc.

Em que pese todas as previsões legais que se relacionou, há considerável distância destes ditames para a prática dos estabelecimentos de internação de adolescentes. Um exemplo que ilustra a afirmação é o Centro Educacional São Lucas, localizado no Município de São José-SC. Em 2007 o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de Santa Catarina realizou visita à entidade e constatou diversas irregularidades, conforme se pode verificar pelas imagens que fazem parte do Anexo A do presente estudo. Elas deixam claro o longo caminho a ser trilhado e onde o Poder Judiciário torna-se protagonista do processo de transformação.