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CAPÍTULO I A INTERNACIONALIZAÇÃO da P&D nas TELECOMUNICAÇÕES

I. 2.2 Interoperabilidade e modularização

considerado na descrição da natureza desse tipo de atividade nesse setor específico. Esse elemento diz respeito à mudança na base de conhecimento do setor, fruto da convergência tecnológica entre as disciplinas relacionadas às telecomunicações e à TI. Seu reflexo é sentido no papel dos órgãos de padronização no setor, que fomentam a modularização da atividade de P&D e exigem a interoperabilidade entre os subprodutos obtidos por cada equipe de P&D.

Em primeiro lugar, a convergência tecnológica pode ser descrita através de uma mudança nos regimes tecnológicos e de aprendizado, que por sua vez levam a um novo modelo de inovação para o setor de telecomunicações (Fransman, 2002b). Nesse novo modelo, denominado "Infocomunicações" por Fransman, a interoperabilidade entre diferentes redes passa a ser chave de sucesso para a proliferação de serviços e cristaliza-se a fusão entre telecomunicações e computação.

Essa convergência tecnológica também pode ser descrita, não como uma mudança de paradigma, mas sim como a fusão de diferentes paradigmas – oriundos das telecomunicações e da TI – em torno da evolução de um novo "programa de pesquisa" da comunidade científica relevante (Engelstad, 2000). Enquanto o objetivo tácito do antigo processo de P&D em telecomunicações era o controle centralizado da infra-estrutura de rede por uma prestadora de serviços (ibid., p. 7), na TI o objetivo é garantir a conectividade entre diferentes equipamentos e aplicações (ibid., p. 8), tanto em hardware quanto em software, através da interoperabilidade descrita acima.

Esse processo de convergência tecnológica tem levado a uma crescente especialização e consequente modularização das atividades do processo de P&D (Rao, 1999). Para esse autor, o que se vê é o início de uma tendência maior de desintegração de importantes segmentos da P&D nas telecomunicações. Isso seria ocasionado em grande parte pela emergência de uma indústria de software independente, ajudada pela convergência entre tecnologias de computação, telecomunicações e imagem (Fransman, 2002b; Rao, 1999), e em menor parte pelo rápido crescimento das alianças tecnológicas (Rao, 1999). Segundo Rao, partes significativas da P&D em software tem se tornado divisíveis, levando à divisão e especialização do trabalho e a um atendimento mais satisfatório de nichos de mercado específicos do que aquele que seria possível com os fabricantes de hardware integrados verticalmente. Essa desintegração da atividade de P&D na indústria de telecomunicações também pode ser inferida pelo rápido crescimento das alianças tecnológicas, não só no setor de telecomunicações mas também em software em geral,

sendo muitas delas de curta duração e com objetivos bem específicos (Rao, 1999, p. 89-91). As tendências supracitadas sentidas nas telecomunicações também já ocorreram anteriormente na indústria de computadores (Cloodt, Hagedoorn e Roijakkers, 2006) e proporcionam outra evidência empírica para a tese de Rao.

Em segundo lugar, a citada modularização da atividade de P&D nas telecomunicações está intimamente ligada à necessidade de padronização das interfaces de interoperação dos diferentes artefatos tecnológicos que compõem a infra-estrutura de uma rede de comunicação (Leiponen, 2006). Conforme citado no item anterior, o papel exercido pelos órgãos setoriais internacionais, como o ITU, na padronização das tecnologias, é o de agrupar as diferentes tecnologias em vários níveis hierárquicos. Seu intuito é modularizar o trabalho de padronização e facilitar a cooperação entre os diversos colaboradores desse trabalho, dentre os quais estão as equipes de P&D das empresas do setor. Um resultado disso é a modularização da atividade de P&D realizada pelas próprias empresas. Diferentes grupos de P&D podem trabalhar em etapas distintas dentro de um sistema de hierarquia superior. Em outras palavras, cada equipe de P&D se dedica a um dos módulos que compõem um artefato tecnológico qualquer. Por exemplo, um grupo de P&D de uma firma pode cuidar especificamente do hardware necessário ao funcionamento de uma placa de central telefônica, enquanto outro grupo na mesma firma trabalha com o software que será embarcado neste hardware. A concreta união do resultado desses dois grupos é possível exatamente pelo processo de padronização das interfaces que permitem a interoperabilidade entre os diversos elementos que compõe um produto comercializável. Como os diferentes módulos precisam ser interoperáveis, é imprescindível que haja, da mesma forma, interfaces de comunicação padronizadas entre as equipes de P&D. A formalização dessas interfaces permite, assim, a desagregação das diferentes equipes e cria um potencial para a dispersão geográfica das mesmas.

Em suma, conforme apresentado no item anterior, o setor de telecomunicações é caracterizado pela alta complexidade das atividades de P&D, evidenciada pela grande quantidade de campos tecnológicos que integram a base de conhecimento do setor, ou seja, sua multidisciplinaridade. Também pela própria estrutura de negócios dos fabricantes de tele-equipamentos – que agregam simultaneamente diversos desses campos tecnológicos em suas unidades de negócio. Essas características por si só poderiam levar à conclusão de que dificilmente as atividades de P&D poderiam ser desagregadas e espalhadas em diferentes locais, conformando assim uma força

centrípeta, sob a óptica de Pearce. No entanto, o presente item também descreve que o setor tem passado por uma transformação na sua base de conhecimento, agregando aspectos do modelo de inovação da TI. Nesse modelo, os órgãos de padronização possuem dupla influência. Uma delas é estimular a modularização das atividades de P&D, levando à formação de diferentes equipes de P&D, focadas em elementos distintos de um artefato tecnológico. A outra é exigir a interoperabilidade entre os subprodutos obtidos por cada uma dessas equipes de P&D, o que leva à criação de interfaces padronizadas entre elas. O resultado dessa influência é o de permitir a divisão do trabalho das atividades de P&D nas telecomunicações, criando assim um potencial para a dispersão geográfica das mesmas. Logo, a natureza das atividades de P&D, cuja complexidade a princípio parece surgir como força centrípeta – dificultando a dispersão das atividades de P&D no setor de telecomunicações – possui elementos adicionais que, quando analisados em conjunto, oferem condições para essa dispersão. Em outras palavras, é de se esperar que haja um potencial de espalhamento das atividades de P&D em diferentes locais. A Figura I.2 ilustra esses aspectos de forma resumida.

I.3 - Elementos que permitem a internacionalização das atividades de P&D nas