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Interpretação e aplicação dos tratados de direitos humanos

CAPÍTULO III – RESERVAS AOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

5. Interpretação e aplicação dos tratados de direitos humanos

A interpretação dos tratados em geral é regulamentada pelas regras contidas nos artigos 31 a 33 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, que assim dispõem:

“Artigo 31. Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.

2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:

a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;

b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;

b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.

4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

Artigo 32. Meios Suplementares de Interpretação

Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:

a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou

b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado. Artigo 33. Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas 1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um texto determinado.

2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi autenticado só será considerada texto autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso concordarem.

3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos.

4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma diferença de sentido que a aplicação dos artigos 31 e 32 não elimina, adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor conciliar os textos”.

O artigo 31 acima disposto traz os elementos mais presentes no processo de interpretação de tratados na atualidade, quais sejam a boa fé, o texto, o contexto, o objeto e o propósito do tratado. O artigo 32, por sua vez, traz meios suplementares de interpretação, como os trabalhos preparatórios do tratado, a serem utilizados quando a interpretação efetuada com base no artigo 31 deixar o sentido ambíguo ou obscuro, ou conduzir a um resultado manifestamente desarrazoado. E o artigo 33 acrescenta diretrizes quanto à interpretação de tratados autenticados em mais de um idioma.

Sabe-se que os tratados clássicos (que estabelecem ou regulamentam direitos subjetivos, concessões ou vantagens recíprocas) têm suas obrigações interpretadas restritivamente, uma vez decorrerem da soberania dos Estados. No que toca aos tratados de direitos humanos (que prescrevem obrigações de caráter essencialmente objetivo, a serem garantidas ou implementadas coletivamente, e enfatizam a predominância de considerações de interesse geral), o entendimento é diverso, em virtude de sua interpretação não estar adstrita ao

voluntarismo das partes e, sim, à realização do objeto e do propósito do respectivo tratado. Na prática, esta tese se traduz no sentido de que, uma vez contraída uma obrigação convencional de proteção por parte de um Estado, não poderá este invocar sua soberania como elemento de interpretação do tratado em que se tornou parte.

Nota-se, assim, que o caráter especial dos tratados de direitos humanos têm forte influência em seu processo de interpretação, uma vez que são interpretados, não segundo concessões recíprocas, e, sim, visando à efetiva realização de seu objetivo primordial, qual seja a proteção dos direitos fundamentais do ser humano.

No sentido de tornar efetiva tal proteção, foram criados, pelos próprios tratados de direitos humanos, mecanismos próprios de supervisão, a nível global e regional. Isso levou à criação de uma jurisprudência constante dos distintos órgãos de supervisão internacional quanto à natureza objetiva das obrigações consagradas nos tratados de direitos humanos, bem como quanto ao caráter especial destes tratados, em contraposição aos demais acordos tradicionais de cunho multilateral. É, pois, de fundamental importância o papel desempenhado por tais órgãos (alguns deles inclusive adotando “comentários gerais”, contendo relevantes elementos de interpretação), sendo sua atuação responsável pela grande evolução ocorrida nesta seara, promovendo, assim, uma intensa comunicação entre os ordenamentos jurídicos internacional e interno no que diz respeito à proteção dos direitos humanos.

Ressalte-se, ainda, o fato de que não há como interpretar de maneira uniforme todo e qualquer tratados, independentemente de sua natureza. E isso é consagrado pelas próprias regras da CVDT, quando afirma que um tratado deve ser interpretado à luz de seu objetivo e sua finalidade. Daí se conclui que os tratados de direitos humanos possuem uma interpretação própria, baseada em seu caráter especial e na natureza essencialmente objetiva das obrigações que incorporam.

Segundo esse entendimento, os órgãos internacionais de supervisão têm adotado a interpretação teleológica, perseguindo a realização do objeto e propósito dos tratados de direitos humanos e assegurando, assim, a proteção eficaz a tais direitos.

Em suma, tem-se que os tratados que versam sobre direitos humanos partem de premissas distintas dos tratados clássicos, haja vista resguardarem a garantia coletiva dos direitos do ser humano e serem dotados de mecanismos próprios de supervisão, o que requer, pois, uma interpretação e aplicação guiadas pelos valores comuns superiores que abrigam.

Partindo, então, dessa premissa de que os tratados internacionais de direitos humanos têm uma especificidade própria, em virtude de seu conteúdo, analisaremos, agora, a questão principal do presente trabalho: até que ponto as reservas são permitidas e legítimas em tratados dessa natureza. Estudaremos, pois, as soluções possíveis para os impasses existentes nesta seara.