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Normas de interpretação Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liber-

RODRIGO TERRA CYRINEU

Artigo 29. Normas de interpretação Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liber-

dades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados; c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

Atendo-se a esse comando normativo, Flávia Piovesan sinteticamente aduz que “os direitos internacionais cons-

tantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo interno”.51 A partir dessa pauta interpretativa, cabe analisar

a decisão da Corte Interamericana no caso Castañeda Gutman v. México e verificar se este decisum impõe óbice ao reconhecimento do direito à candidatura avulsa no sistema brasileiro.

50“Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Eis a síntese da decisão na pena de Marcelo Ramos Peregrino Ferreira52:

A corte entendeu a necessidade de filiação partidária como uma necessidade social imperativa (interesse públi- co imperativo) pelas seguintes razões: i) a necessidade de criar e fortalecer os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histórica, política e social; ii) a necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral num universo de eleitores de 75 milhões de pessoas; iii) a necessidade de financiamento predominan- temente público para assegurar o desenvolvimento de eleições autênticas e livres em igualdade de condições e, finalmente, a necessidade de fiscalizar os recursos usados nas eleições.

Sobre a “a necessidade de criar e fortalecer os sistemas de partidos como uma resposta a uma realidade histórica,

política e social” (i), o argumento é por demais abrangente e poderia ser utilizado para justificar qualquer decisão.53

Ademais, parece não ser uma necessidade premente da sociedade brasileira54, não se podendo importar para cá

os problemas mexicanos. Quanto ao argumento “iii”, isto é, “a necessidade de financiamento predominantemente

público para assegurar o desenvolvimento de eleições autênticas e livres em igualdade de condições e, finalmente, a necessidade de fiscalizar os recursos usados nas eleições”, não é este, nem de longe, o caso brasileiro.

Isto porque, muito embora o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade do financiamento empresarial da política no julgamento da ADI 4.65055, ainda é permitida a doação de pessoas físicas e o autofinanciamento dos

candidatos de forma praticamente ilimitada56. No Brasil, hoje, um milionário pode realizar, sozinho, todas as des-

pesas da campanha presidencial sem nenhum óbice legal. Imagine-se, então, a nível estadual e municipal. E, até o momento, o princípio da igualdade de oportunidades não foi invocado para derrubar a previsão normativa, a qual favorece, a mais não poder, a pessoalidade da disputa eleitoral em detrimento dos partidos políticos.

Essa distorção, aprovada pela última reforma eleitoral de 2015 (Lei nº. 13.165), bem evidencia a falta de centrali- dade dos partidos políticos e a personalização das campanhas, favorecendo o status quo e impedindo a renovação dos quadros políticos. Portanto, o sistema não pode ser considerado como “predominantemente público”, de modo que a presente justificativa também não é idônea para o caso em apreço.

No que atine à fiscalização dos recursos usados nas eleições, o sistema legal de prestação de contas é mais do que suficiente para atender aos reclamos de transparência, havendo previsão de sanções e perdas dos mandatos conquistas ao arrepio da disciplina legal (art. 30-A da Lei nº 9.504/1.997, dentre outros). Há, ainda, previsão legal57

de chamamento de servidores dos demais órgãos de fiscalização para auxiliar a Justiça Eleitoral, de modo que o or- denamento jurídico pátrio possui aptidão suficiente para lidar com a fiscalização da arrecadação e gastos eleitorais dos candidatos.

52Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-jul-12/marcelo-peregrino-candidaturas-avulsas-sistema-interamericano-direitos-humanos. Acessa-

do em: 05 de dezembro de 2017.

53“(...) a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial - que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso

concreto e singular - é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum”. (HC 78013, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTEN-

CE, Primeira Turma, julgado em 24/11/1998, DJ 19-03-1999 PP-00009 EMENT VOL-01943-01 PP-00135).

54 Em pesquisa denominada "A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas", coordenada pelos cientistas políticos José Álvaro Moisés,

da Universidade de São Paulo (USP), e Rachel Meneguello, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que ouviu 2,004 mil pessoas de todas as regiões brasileiras, no que diz respeito aos partidos políticos, os índices de reprovação chegaram a 80,6% em 2006 ante 67,6% em 1993 e 57,3% em 1989. Imagine-se hoje, mais de uma década após com o aumento vertiginoso dos escândalos de toda sorte envolvendo as agremiações partidárias. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,populacao-desconfia-das-instituicoes-mostra-estudo,20070108p26763. Acessado em: 05 de dezembro de 2017.

55Aliás, nem isso parece ser mais certo, haja vista que o Ministro Luiz Fux vem defendendo publicamente a necessidade de revisitação do tema do

financiamento da política por empresas. “- Eu, muito embora tenha sido relator do (processo sobre) financiamento de campanha, eu entendo que hoje

é possível se repensar esse financiamento por pessoa jurídica de direito privado, desde que ela (empresa) o faça de acordo com sua própria ideologia. A pessoa jurídica, assim como o cidadão, pode votar num candidato. Foi essa razão pela qual vetamos (doações para candidatos que concorriam ao mesmo cargo) o financiamento de campanha por empresa privada. Não tinha ideologia nenhuma, doavam para todas as campanhas, e o que é pior, posteriormente, exigiam contrapartida. É até admissível que uma pessoa jurídica de direito privado possa financiar (a campanha), se o candidato parti- cipa das ideias da empresa. O que não pode haver é contrapartida da empresa depois, de alguma maneira, compensar com o poder público” - afirmou o

ministro. Disponível em: http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2017/08/fux-diz-que-e-o-momento-de-repensar-proibicao-de-doacoes-de-em-

presas.html. Acessado em: 05 de dezembro de 2017.

56Lei nº. 9.504/1.997. “Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o

disposto nesta Lei. § 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. § 1o-A O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido nesta Lei para o cargo ao qual concorre”.

57 Art. 30, §3º, da Lei nº. 9.504/1.997: “Para efetuar os exames de que trata este artigo, a Justiça Eleitoral poderá requisitar técnicos do Tribunal de

Resta, enfim, o argumento “ii” da Corte, a saber: “a necessidade de organizar de forma eficaz o processo eleitoral

num universo de eleitores de 75 milhões de pessoas”. Talvez o argumento valha para uma candidatura à Presidência

da República, tal qual pretendido pelo Representante no caso paradigma. Mas o seu caráter instrumental/funcional não o torna absoluto e não convence de que, numa eleição municipal ou estadual, as candidaturas independentes poderiam levar à babel.

O sistema de votação brasileiro e a mundialmente conhecida urna eletrônica têm condições mais do que sufi- cientes de agasalhar todas as pretensas candidaturas, como aliás já o faz no caso das eleições proporcionais muni- cipais e sua enxurrada de candidatos, sem que tenha ocorrido qualquer intercorrência que ponha em dúvida a efi- ciência do sistema. Aliás, a própria relatividade do argumento da CIDH, aliada às circunstâncias próprias do sistema

político-eleitoral mexicano, não torna o argumento uma premissa válida e correta a ser adotada no julgamento do ARE nº 1.054.490/RJ, assim como a própria Corte Interamericana, dadas as circunstâncias próprias do precedente

Yatama versus Nicarágua, o afastou no julgamento do sobredito caso Castañeda Gutman v. México.

Destaca-se, ainda, a seguinte alegação dos Estados Unidos Mexicanos: “La introducción de candidaturas indepen-

dientes implicaría un cambio radical del sistema electoral que ha sido probado exitosamente en la última década”58. A

realidade brasileira está longe disso e não é preciso gastar tinta para se comprovar a assertiva.

Por derradeiro, importa não olvidar que a Suprema Corte brasileira deu o primeiro passo rumo à uma com- preensão mais liberal tocante às candidaturas, no que dizem respeito aos partidos políticos, quando decidiu pela inexistência do princípio da fidelidade partidária em eleições majoritárias, decisão esta que restou assim ementada – verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TSE. INAPLICABILIDADE DA REGRA DE PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA AO SISTEMA ELEI- TORAL MAJORITÁRIO. 1. Cabimento da ação. Nas ADIs 3.999/DF e 4.086/DF, discutiu-se o alcance do poder regu- lamentar da Justiça Eleitoral e sua competência para dispor acerca da perda de mandatos eletivos. O ponto central discutido na presente ação é totalmente diverso: saber se é legítima a extensão da regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário. 2. As decisões nos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, que é adotado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. As características do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obti- dos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas. Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu. 3. O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcio- nal. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1º, parágrafo único; e art. 14, caput). 4. Procedência do pedido formulado em ação direta de inconstitucionali- dade.59

Por uma questão de coerência e integridade, é de se ter como juridicamente válida e necessária a possibilidade de candidaturas avulsas, ao menos no sistema majoritário, eis que, nesse tipo de escrutínio, como decidido pela Suprema Corte, a ênfase está na figura do candidato, e não do partido.

4. CONCLUSÃO:

A questão colocada no recurso extraordinário alhures referenciado é extremamente sensível e não escapa, como a maioria das questões jurídicas polêmicas, ao intenso debate acadêmico, com sólidas opiniões fixadas em ambos os lados da celeuma.

Nossa compreensão, entretanto, como já se pôde perceber, é a de que a sistemática internacional dos direitos humanos confere ao cidadão, no que recepcionada pela própria Constituição Federal, a prerrogativa de se lançar em uma disputa eleitoral sem a filiação a uma agremiação partidária.

E, a despeito de respeitosas posições em sentido contrário, é o Poder Judiciário, sobretudo pelo Supremo Tri- bunal Federal, a instância atualmente apta a equacionar o dilema, eis que o Congresso Nacional, em nossa visão, jamais enfrentaria o tema com a amplitude e isenção necessárias.

58Parágrafo 189 da decisão da CIDH

59 ADI 5081, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 18-08-2015

Portanto, é necessário que se dê interpretação conforme ao Pacto de São José da Costa Rica à parte final do

caput do artigo 9º60 e ao inciso III, do §1º, do artigo 1161, ambos da Lei nº. 9.504/1.997, de forma a se extrair das referi-

das normas o caráter facultativo da filiação partidária, à luz do artigo 23 da Convenção Americana, permitindo-se,

por conseguinte, as candidaturas avulsas, a redundar, portanto, no provimento do recurso extraordinário analisa-

do no presente artigo para a fixação da tese de repercussão geral no sentido da viabilidade da candidatura avulsa.

60“Art. 9o Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes

do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição”.

61“Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que

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