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Interpretação Teorizante e Analítica do Caso de Maria A

3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: Interpretação Teorizante e Analítica dos

5.8. Interpretação Teorizante e Analítica do Caso de Maria A

O caso de Maria A apresenta 3 Momentos Marcantes: o M1 (1930-1959): “Do nascimento à juventude”, ao qual correspondem 3 Etapas; o M2 (1959-2005): “Casamento, Maternidade e vida de casada”, com 3 Etapas (1 Fator de Mudança); o M3 (2005-2012): “Abandono definitivo da vida no campo e regresso do casal à Amareleja – alterações da rotina diária”, com 2 Etapas (1 Fator de Mudança) (Ap. J – p.131).

Esta é uma Trajetória Identitária marcada pela constante alteração do T. S-I Habitacional/geográfico, enquanto filha e mais tarde como esposa. Uma mulher que toda a vida acompanhou e ajudou o pai e o marido na realização de trabalhos rurais sem nunca ter recebido qualquer ordenado.

Maria A é uma mulher alentejana, nascida em 1930 na freguesia da Amareleja (M1). Irmã de 2 rapazes, sabe-se que, a partir dos seus 3 anos de idade (1933), teve de mudar-se para o campo, juntamente com a sua família, assistindo-se à primeira alteração do seu T. S-I Habitacional/geográfico (Etapa 1 do M1). Segundo nos disse, o pai era ganadeiro e a mãe era doméstica, como tal, e devido a dificuldades financeiras da família, Maria A não pôde frequentar a escola, esse é para si “ (…) o maior desgosto (…)” (pág.9); sendo, por isso, afectado o seu T. S-I Escolar, é com alguma tristeza que ela nos diz que aos 82 anos de idade não sabe escrever (Etapa 2 do M1). Na impossibilidade de estudar, a narradora recorda que a sua infância foi passada no campo, a ajudar o pai a cuidar dos animais e, depois de crescida realizando actividades rurais como: vindima, monda, ceifa e apanha da azeitona (Ap. J – pp.131-132). Tendo em conta a profissão do pai da narradora, eram frequentes as deslocações geográficas da família (Etapa 3 do M1), isto porque, estavam sujeitos a mudar constantemente de propriedade. Desta feita, quando tinha 14 anos (1994), a família mudou novamente de propriedade – voltava a alterar-se o seu T. S-I Habitacional/geográfico. Ao chegar à nova propriedade, Maria A continuava a ajudar o pai a cuidar do gado, tarefa que às vezes a deixava envergonhada pois, já estava crescida e também já namorava com o seu atual marido. Segundo nos disse, namorou durante 8 anos, o namorado era lavrador e ganadeiro no campo (Ap. J – pp.132-133). Ao fim de todos esses anos, Maria A regressou com a família à Amareleja e, casou, sendo essa a mudança que permite assinalar o M2 da sua Trajetória Identitária (Ap. J – p.133).

24 O Casamento realizou-se em 1959 numa propriedade muito bonita, segundo nos disse (Etapa 1 do M2). Depois de casada, sabe-se que, enquanto vivia na Amareleja Maria A trabalhou à monda e, tendo as tarefas de casa a seu cargo, passou a conciliar a dupla tarefa. Para a narradora essa foi uma época de muito trabalho o que fazia com que as tarefas de casa tivessem de ser realizadas à noite (Ap. J – pp.133-134). Passado um ano do seu casamento, Maria A ficou grávida, como tal, sendo a gravidez um Fator de Mudança na vida dela, é com o nascimento da filha que o T. S-I Habitacional/geográfico do casal se altera, isto porque, decidem deixar a Amareleja e regressar ao campo (Etapa 2 do M2). Não esqueçamos que: o marido de Maria A era trabalhador rural – a deslocação para o campo era fundamental; para além disso, o casal passou a sua infância/juventude no campo (Ap. J – p.135). Sabendo que o marido da narradora era ganadeiro, as deslocações geográficas eram inevitáveis (Etapa 3 do M2). Como tal, segundo Maria A em 1962, a família deslocou-se para uma propriedade, sendo esta mudança marcada por dificuldades habitacionais; em 1970 foram para Barrancos, onde segundo nos recorda, os dias eram passados a realizar as tarefas de casa (Ap. J – pp.135- 136). Mais uma vez, o T. S-I Habitacional/geográfico de Maria A da sua família sofria alterações pois, era constante a sua adaptação a novos meios. Disse-nos ainda a narradora que, entre 1980 e 1990 cuidou do neto, sabendo que a filha e o genro tinham de trabalhar. Para além disso, enquanto viveu no campo, teve sob seu cuidado a mãe (que estava cega) e a sogra. Sendo certo que a sogra ajudava-a na realização das tarefas de casa e, no cuidado com a mãe, o que deixava a narradora muito satisfeita. É Maria A quem nos diz, ter trabalhado muito no campo, sempre a ajudar o marido, sem receber qualquer valor monetário: “ (…) trabalhei uma vida inteira p’ra ajudar o meu marido sem ganhar um tostão.” (p.27). É neste sentido que se entende o seu discurso ao afirmar: “ (…) foi um sacrifício uma vida inteira.” (p.11). Daí que se entenda que ao longo da sua Trajetória Identitária esteja presente uma Estratégia de Sacrifício Consentido – por não ter estudado, por ter começado desde cedo a ajudar o pai, e mais tarde o marido e sobretudo, por sentir que o seu trabalho não é reconhecido (Ap. J – p.137).

É com a decisão de regressar definitivamente à Amareleja, que chegamos ao M3 da Trajetória de Vida de Maria A. Conforme nos disse, foi em 2005 que o casal regressou à sua casa (Etapa 1 do M3; T. S-I Habitacional/geográfico), tendo eles de readaptar-se ao meio onde já residiram. Neste contexto, alterou-se também o T. S-I Laboral de Maria A e do marido pois, este deixava a profissão que tanto gostava. Entenda-se que, a reforma deste foi o principal Factor de Mudança para que a deslocação dos mesmos viesse a acontecer (Ap. J –

25 p.138). Como seria de prever, esta mudança ao fim de tantos anos contribuiu para que os hábitos do casal se alterassem no regresso à Amareleja (Etapa 2 do M3). Segundo nos contou Maria A, quando lá chegaram o marido ainda conseguiu trabalhar (2005) mas, por um curto espaço de tempo pois, ficou doente e incapaz de exercer qualquer atividade laboral. Desta feita, soube-se que os dias do casal são passados em casa, continuando as tarefas domésticas a ser asseguradas pela narradora, independentemente dos seus problemas de saúde.

Este é um caso exemplar de uma mulher que toda a sua vida trabalhou para ajudar e nunca para auferir uma valor monetário pelo seu trabalho. Mediante uma Estratégia de Acomodação pode entender-se que, Maria A tem vindo a Incorporar o seu Destino de Doméstica sem qualquer dificuldade pois, conheceu uma realidade bem mais dura no sentido da carga laboral ao realizar os trabalhos rurais desde criança com o pai e depois de casada com o marido.