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O Poder Judiciário, enquanto órgão incumbido da Jurisdição, ou seja, do poder estatal de resolver os conflitos surgidos na sociedade e que são a ele levados, apresenta-se como importantíssima instância de debate acerca dos problemas estruturais do sistema sanitário brasileiro, ainda mais com o crescente número de processos judiciais promovidos em torno do direito à saúde. Ao STF, órgão de cúpula deste Poder e guardião do Texto Constitucional, compete a solução de demandas aptas a gerar efeitos vinculantes sobre todo o ordenamento jurídico por meio de suas decisões proferidas em sede de ações do Controle Concentrado e de Recursos Extraordinários com Repercussão Geral reconhecida.

Ao se analisar as decisões proferidas no marco temporal aqui proposto e no âmbito de suas decisões com efeitos vinculante e erga omnes, a frequência de aparecimento das categorias temáticas no conteúdo de seus acórdãos revelou-se relativamente semelhante à encontrada nos discursos políticos previamente analisados.

Ou seja, as categorias apriorísticas da Saúde Pública, do SUS enquanto expressão de uma nova concepção social de saúde, dos problemas crônicos no financiamento do SUS, da Federação brasileira e da repartição de competências foram encontradas nas decisões do STF em proporções bem similares, sendo a frequência mais recorrente da categoria da repartição de competências dos entes federados em matéria de saúde pública o principal diferencial em relação aos discursos dos agentes políticos. Isso demonstra que houve a preocupação por parte do Pretório Excelso em analisar as relações entre os entes federados em conjunto com a questão da distribuição de competências entre eles, mesmo que tal abordagem tenha sido feita de forma rasa em determinadas ações. Tal assertiva pode ser endossada a partir dos trechos dos seguintes acórdãos:

Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Ação direta de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n. 87/1997, Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, todos do Estado do Rio de Janeiro, que instituem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferem a titularidade do poder concedente para prestação de serviços públicos de interesse metropolitano ao Estado do Rio de Janeiro. [...]3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF [...] (STF, ADI 1842 / RJ - RIO DE JANEIRO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 06/03/2013, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente (STF, RE 855178 RG / SE – SERGIPE, REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Julgamento: 05/03/2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno - meio eletrônico).

Apesar desse aspecto positivo apontado acima, as categorias temáticas da Judicialização da Saúde e do Ativismo Judicial não apareceram nas decisões por meio de quaisquer termos ou expressões a elas relacionados. Seria algo bastante relevante, nas espécies de ações e de recursos aqui analisados, a participação do STF nessa seara em razão dos efeitos vinculantes e erga

de, ao menos, amenizar os efeitos graves de ambos os fenômenos para a organização e para a execução das ações e serviços da rede pública de saúde.

Conforme mencionado anteriormente, para alguns pesquisadores, a expansão do fenômeno do ativismo judicial – com a judicialização da saúde sendo um de seus reflexos – representaria uma disfunção prejudicial ao próprio Poder Judiciário (RAMOS, 2010), o que justificaria sua abordagem de forma mais ampla e frequente. Entretanto, como o próprio CNJ constatou em pesquisa citada anteriormente (BRASIL, 2015c), uma mudança efetiva nesse cenário extrapola os limites institucionais dos órgãos do Judiciário, exigindo um engajamento por parte dos agentes políticos responsáveis pela área da saúde, que representam a instância legítima para a proposição de soluções estruturais para tais questões.

Portanto, pode-se inferir que, nas decisões proferidas pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário alvos da presente pesquisa, as questões do ativismo judicial e do crescimento exponencial das demandas judiciais envolvendo a garantia do direito à saúde por meio das ações e dos serviços do SUS não vêm sendo abordadas. Dessa forma, não foram tomadas decisões capazes de gerar mudanças em tais fenômenos, o que, em parte, pode-se atribuir aos próprios limites existentes à atuação do Poder Judiciário em sua função constitucional de resolução de demandas.

4.4 Comparação entre o conteúdo dos discursos político e jurídico proferidos no lapso