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Interrogações e um desejo de aprofundamento encerram esta escrita. O que implica uma Psicologia que valoriza o xamanismo? Os caminhos espirituais, como explicitados acima, levam a muitos caminhos, como o do sacrifício, da disciplina, frustração do desejo, doação, entrega, encontros com as sombras e luzes.

Penso que a experiência xamânica ajuda a objetivar os

conteúdos do inconsciente, que, ao ganharem uma relação subjetiva, ampliam o potencial de significados que, enquanto psicólogos, podemos viver com nossos estudantes e nossa psique, numa relação objetiva e subjetiva de alteridade.

As noções xamânicas ameríndias contribuem para a Psicologia e dialogam nos processos de alteridade imagética e subjetiva com o inconsciente coletivo e mitológico. Destaco a educação das crianças Guarani e o tornar-se xamã desde a infância na autobiografia de Davi Kopenawa, com o intuito de evidenciar a riqueza anímica e subjetiva que inclui a relação dos seres humanos, dos sonhos, dos bichos e do espírito.

Nas reflexões, muito mais do que afirmar, tenho vontade de indagar e de investigar mais. O que podemos aprender com as epistemologias xamânicas ameríndias na Psicologia? Que construções de sentidos ecoam ao trazerem o perspectivismo para pensar as alteridades e metamorfoses no universo psíquico?

Numa visão de povos e pensamentos de um pensamento original, sacrificial, os indígenas nos ajudam nos encontros de volta para as nossas casas, em tempos tão contemporâneos, que carecem de entendimentos e de ritos nas riquezas cosmológicas, como a dos Guarani, trazida através do mito dos gêmeos, que enriquecem nossa subjetividade.

Compreendo o quanto o xamanismo está presente nos processos educativos e psíquicos das infâncias indígenas, num estar sensível de imagem almada, corporal e espiritual, no sentido

de um encontro com uma nova consciência ou um novo estado que produz outras sensações corporais e percepções de pensamento.

Busquei trazer aspectos xamânicos para pensarmos a relação entre Psicologia e educação, atravessados pela história de um xamã Yanomami, que desde criança foi reconhecido em seus sonhos e comportamento dentro de um olhar e um contexto xamânico. É uma imagem xamânica, ameríndia, que creio ser importante para educadores e psicólogos trazerem para uma compreensão alargada em seus contextos educativos e clínicos, assim como tem sido fundamental para minhas próprias reflexões e caminhos.

Evidenciando os estudos etnográficos com crianças Guarani2,

me propus a pensar a educação e a Psicologia a partir da educação Guarani, do mito dos gêmeos e do xamanismo. Os estudos com crianças indígenas e algumas experiências na educação Guarani levaram-me a reconhecer que existe um pensamento povoado de personagens mitológicos. Como afirma Castro (2002, p. 355), “de certa forma, todos os personagens que povoam a mitologia são xamãs, o que, aliás, é afirmado por algumas culturas amazônicas”.

O trabalho com os Guarani tem se revelado como um denso movimento de pensar sentidos e compreensões de mitologias indígenas na constituição de condições de humanidades no 2 A pesquisa de pós-doutorado em Educação (UFRGS) que desenvolvi

com os Guarani remete ao aprofundamento das investigações acerca da epistemologia xamânica e vivência das infâncias em estudos autoetnográ- ficos indígenas.

humano e no não humano, numa rica valorização do simbólico enquanto construção de significados, tendo em vista que conhecer para o xamanismo é subjetivar. As ações de todas as manifestações da natureza são percebidas como significativas e relacionais, o que faz emergirem processos intensos imaginais de oposição e de diferenciação no processo de imaginar e criar realidades significativas.

O encontro com a nossa América profunda, como diz Kusch (2012), em seus modos de habitar o popular e o indígena, tem contribuído de forma significativa para uma construção de uma Psicologia que leve em consideração as mitologias indígenas, que são tão invisíveis, num olhar superficial e preconceituoso de nossos processos colonizadores, que impedem um aprofundamento de compreensão das realidades ameríndias que nos constituem e que, quando mergulhamos, adentramos em águas e terras profundas dos nossos modos mais diversos e ampliados de viver e de existir.

ana lUIsa teIXeIra de Menezes

Professora na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Docente do Programa de Pós-graduação em Educação, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, vice-líder do Grupo de Pesquisa PEABIRU: Educação Ameríndia e Interculturalidade (CNPq), Pós-doutora em Educação na UFRGS e Psicóloga.

ReFerêncIas

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introdUção

Mulheres aprisionadas. Mulheres encarceradas. Mulheres silenciadas. O sistema prisional brasileiro invisibiliza aquelas que nele estão. Esse sistema silencia vozes, existências, subjetividades de mulheres negras, mulheres brancas, mulheres heterossexuais, mulheres homossexuais, mulheres bissexuais, mulheres transexuais, mulheres subalternizadas.

O presente estudo busca problematizar diferentes contextos de aprisionamentos que as mulheres vivenciam em nossa sociedade, principalmente o aprisionamento institucionalizado do cárcere. Para tanto, o referencial teórico-metodológico parte do pensamento crítico Pós-Colonial e Descolonial, do Feminismo Descolonial e do Abolicionismo Penal.

O feminismo é um movimento social e intelectual importante na luta pelos direitos das mulheres negras, brancas, indígenas, transexuais e de outros grupos sociais invisibilizados, porém mesmo sendo um movimento progressista, ele pode ser excludente. De acordo com Carneiro (2003), no cenário brasileiro, o feminismo também se manteve por muito tempo com uma visão universal e eurocêntrica de mulher. A autora refere que, dentro dessa lógica, o movimento se mantinha incapaz de perceber diferenças importantes relacionadas às mulheres, como raça, etnia e classe social.

Crenshaw (2002, p. 177) define interseccionalidade como uma tentativa de identificar as “consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação”. O conceito de interseccionalidade evidencia como os sistemas de opressões forjam as desigualdades entre determinados grupos sociais. A partir da interseccionalidade, convido você, leitora/leitor, a observar as sobreposições de opressões que o sistema patriarcal/moderno/

MUlHeres que