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A intersetorialidade encontra-se dentro de um dos princípios doutrinários do SUS - o princípio da integralidade, considerado como um eixo norteador para que as ações de saúde possam estar articuladas, percebendo o usuário como sujeito histórico, social e político, articulado ao seu contexto familiar, ao meio ambiente e à sociedade na qual se insere (CAMPOS, 2004). Neste cenário, a intersetorialidade é imprescindível nas gestões setoriais, a fim de que sejam minimizadas as características históricas de fragmentações das políticas sociais (MONNERAT e SOUZA, 2009)

Com isso, é essencial e desafiador romper com essa lógica organizacional de sociedade, pautada na especialização disciplinar dos saberes e com práticas sociais desarticuladas (MONNERAT e SOUZA, 2009). Deste modo, a interdisciplinaridade consiste em uma ferramenta-base para avaliar a complexidade global dos problemas, a fim de construir estratégias de gestão intersetorial, que visem à promoção de práticas sociais mais eficazes à questão social atual (MONNERAT e SOUZA, 2009). Nesta direção Bronzo (2007) e Panssini (2011) assinalam que a intersetorialidade possibilita uma maior interlocução entre as políticas sociais, com vistas a superação da setorialização das demandas sociais.

Segundo Bidarra (2009), a intersetorialidade é identificada de forma mais ampla como uma articulação de saberes e experiências, no movimento do planejamento, da implementação e da avaliação de políticas públicas. Assim como de maneira mais circunscrita, ela busca investir no aprendizado diante das tensões e dificuldades estabelecidas, quando se tem diferentes setores e atores, com concepções de mundo divergentes, e assim tendo que partilhar e resolver problemas que lhe são comuns.

No entanto, Andrade aponta:

Há uma inquietação no interior do aparelho do Estado sobre como trabalhar com a complexidade. Sobre a intersetorialidade há um consenso discursivo e um dissenso prático. Esse dissenso nasce da contradição entre a necessidade de integração de práticas e saberes requeridos pela complexidade da realidade e um aparato de Estado setorializado, onde se acumulam, com maior ou menor conflito, poderes disciplinares e poderes advindos de composições político- partidárias (ANDRADE, 2006, p. 280 apud MONNERAT e SOUZA, 2009).

A integração intersetorial implica em uma tarefa audaciosa quando se tem um objeto de intervenção comum aos diferentes setores do Estado, pois se faz necessário uma visão de complexidade dos problemas e troca de saberes sem que haja uma mera sobreposição ou justaposição de ações setoriais (MONNERAT e SOUZA, 2009).

Mesmo com as dificuldades de tornar a intersetorialidade uma prática cotidiana, ainda sim é uma estratégia imprescindível no processo de concretização e articulações de ações e políticas em prol da sociedade. Nessa perspectiva, para se desenvolver as interfaces necessárias e possíveis entre saúde e educação é essencial o respeito à experiência e os saberes prévios de ambos os setores, construindo assim uma troca compartilhada, tendo como base a complexidade dos processos de adoecimento que abrigam dimensões sociais, culturais, ambientais e históricas.

Neste sentido, uma proposta de integração precisa encontrar convergências entre concepções, princípios e valores, desde a perspectiva individual e coletiva enquanto dimensões instituintes e aqueles instituídos pelas políticas de saúde e educação. A construção coletiva de novos conceitos contribui para a produção de sentidos compartilhados e para a co-responsabilização de todos. (DANTAS, et al., 2009, p.18)

Nessa perspectiva, é importante desenvolver estratégias integradas que possam considerar a diversidade de saberes e a ciência de ambos os setores da necessidade permanente de refletir e reajustar à superação de situações limites que se apresentam. (DANTAS, et al., 2009, p.18). Dessa forma, essa integração possibilita de forma singularizada a Educação ter ciência crítica no que tange a complexidade do processo diagnóstico dos problemas de aprendizagem e à Saúde uma aproximação da realidade escolar com seus problemas pedagógicos e estruturais, e assim construir através da co-responsabilidade e da co- gestão uma qualidade de vida melhor à esses escolares.

OBJETIVOS

O objetivo principal desta pesquisa foi investigar, por meio da ferramenta qualitativa do Discurso do Sujeito Coletivo, a equipe multiprofissional do ambulatório de pediatria da Faculdade de Medicina de Botucatu e professores de escolas públicas da mesma cidade que têm encaminhado crianças ao ambulatório, a respeito de quais são as suas concepções e práticas sobre o TDAH.

Como objetivos específicos, pretendeu-se investigar se os professores têm sido capacitados a identificar crianças com TDAH; se há um diálogo entre serviços de saúde e escolas; e se os profissionais de saúde prestam assistência de informação e formação nas escolas aos professores.

Portanto, essa pesquisa busca fundamentalmente entender como é concebido o conceito de doença e transtorno pelos profissionais da saúde e da educação; e secundariamente possibilita entender em que medida ocorre ou não um diálogo entre essas instituições, segundo o conceito de intersetorialidade. Utilizou-se para essa pesquisa o seguinte referencial teórico: o modelo biopsicossocial de George Engel (1977).

Como foi explicitado, o TDAH, muitas vezes, é utilizado como uma justificativa do fracasso escolar e de comportamentos como hiperatividade e impulsividade, sem se questionar também as possíveis causas sociais que possam contribuir para tal desempenho da criança. Assim, é na escola que os sintomas se tornam mais evidentes, devido ao baixo rendimento escolar, as dificuldades na realização das tarefas e no cumprimento de regras (MICARONO et. al, 2009)

Como explicita Barkley (2002), considerado a maior autoridade em TDAH, “[...] mesmo que o TDAH esteja entre os transtornos psicológicos infantis mais bem estudados, ainda há muito que meus colegas e eu ainda não sabemos. O TDAH permanece mal-compreendido e controverso nas mentes do público em geral e das autoridades educacionais” (BARKLEY, 2002, p.15). Assim, alguns pesquisadores acreditam que o fato do TDAH tornar-se mal compreendido no ambiente escolar resulta em muitas vezes de a escola preservar certa submissão e aceitação em relação ao discurso médico, sem questionar e dialogar com o mesmo sobre suas possíveis dúvidas e como os professores podem participar e intervir terapeuticamente no

processo educacional dessas crianças (MESQUITA, 2009). Portanto, essa pesquisa vem tentar contribuir no entendimento dessas questões.

Dessa forma, ao abordar as questões se os professores têm sido capacitados a identificar crianças com TDAH; se há um diálogo entre serviços de saúde e escolas; e se os profissionais de saúde prestam assistência de informação e formação nas escolas aos professores, podemos entender como consequência em que medida o processo de medicalização ocorre no ambiente escolar, pois o professor ao encaminhar o aluno com uma queixa escolar, acreditando na possibilidade de que o mesmo possua unicamente um déficit ou um problema orgânico também contribui e fortalece esse processo. Assim como a formação e/ou capacitação que o professor recebe a respeito dos problemas de aprendizagem podem estar sendo embasadas em uma visão predominantemente biológica.