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“Que ninguém parodie um poeta a não ser que o ame” Sir Theodore Martin

E de onde vem essa prática de Allen – talvez judaica – da paródia como homenagem? Comecemos por entender o que é o intertexto.

De acordo com Hösle,

Os muito antigos subgêneros de comédia, paródia e a caricatura baseiam-se em inflação – heróis cômicos imitam, intencionalmente ou não, heróis trágicos e suas linguagens, e mesmo se o efeito principal é ridicularizar o último, o herói cômico algumas vezes compartilha do esplendor do trágico. Allen, cujo conhecimento da história do cinema inspira espanto, é um mestre da paródia e caricatura. (HÖSLE, 2007, p. 33) 82

A partir de 1968, com a publicação de “A morte do autor”, por Roland Barthes, e, em 1969, com “O que é um autor?”, de Michel Foucault, a noção da originalidade do autor perde força e começam a nascer teorias, como a da intertextualidade. Com a tradução da obra de Mikhail Bakhtin para o francês nos anos 60, suas teorias foram de grande influência na teoria cinematográfica, na versão formulada por Julia Kristeva do dialogismo como intertextualidade, segundo Stam:

Tomando como ponto de partida as obras de Bakhtin e Kristeva, Gérard Genette, em Palimpsestes (1982), propôs o termo mais inclusivo transtextualidade, para referir-se a ‘tudo aquilo que coloca um texto em relação, manifesta ou secreta, com outros textos.’ Postula cinco tipos de relações transtextuais. Define intertextualidade como a ‘co-presença efetiva de dois textos’ na forma de citação, plágio ou alusão. (STAM, 2006, p. 231.)

Segundo Robert Stam, “a intertextualidade [...] pensa o artista como um agente que orquestra textos e discursos preexistentes; [...] não se limita a um único meio, autoriza relações dialógicas com outros meios e artes, tanto populares como eruditos” (STAM, 2006, p. 227). Utilizando Deleuze, podemos pensar na “tela como memória palimpsestica” (DELÉUZE apud STAM, 2006, p. 287).

Embora o único filme que Genette mencione seja Play It Again, Sam – e veremos essa menção no capítulo sobre este roteiro/peça de Allen – a citação pode tomar a forma da inserção de trechos clássicos em filmes, como um princípio estruturador central, como acontece em Zelig (1983). A alusão pode tomar a forma de uma evocação verbal ou visual de outro filme, ou mesmo um ator pode constituir uma alusão, como por exemplo, quando

82(No original):“The very old subgenres of comedy, parody and travesty, are based on inflation – comic

heroes imitate, intentionally of not, tragic heroes and their language, and even if the main effect is to ridicule the latter, the comic hero sometimes partakes of the splendor of the tragic one. Allen, whose knowledge of film history inspires awe, is a master of parody and travesty.”

Allen chama Max Von Sidow, ator de filmes de Bergman, para atuar em seu filme

Hannah and Her Sisters (Hannah e suas irmãs, 1986), ou quando chama Penélope Cruz

para fazer uma mulher histérica como as das comédias de Almodóvar em Vicky Cristina

Barcelona (2008).

Outro postulado de Genette, a “metatextualidade”, consiste na relação crítica entre um texto e outro. A “arquitextualidade” seria o “desejo ou relutância de um texto em caracterizar-se direta ou indiretamente em seu título como poema, ensaio, romance ou filme” (STAM, 2006, p. 233). Certos títulos de filmes, por exemplo, alinham o texto com seus antecedentes literários, como acontece com A Midsummer Night’s Sex Comedy (Sonhos eróticos de uma noite de verão, 1982), de Allen, que inicia com uma alusão a Shakespeare, mas na verdade trata-se de uma paródia a Sommarnattens Leende (Sorrisos de uma noite de amor, 1957), de Bergman.

A “hipertextualidade” evoca a relação entre adaptações cinematográficas e romances. Segundo Stam, as primeiras podem ser tomadas como “hipertextos derivados de hipotextos preexistentes, transformados por operações de seleção, amplificação, concretização e atualização.” Entenda-se aqui hipertexto como texto-alvo e hipotexto como texto-fonte, numa tradução, por exemplo. As adaptações são um exemplo de textos que geram outros textos em um mise-en-abîme infinito de “reciclagem, transformação, transmutação,” (STAM, 2006, p. 234) sem um claro ponto de origem.

Já a paródia irreverentemente desvaloriza e trivializa um texto considerado canônico preexistente. Um dos referenciais teóricos deste trabalho incide sobre a paródia. Sob a ótica da canadense Linda Hutcheon, o interesse contemporâneo pela paródia está ligado ao fato de ela estar presente em todas as formas culturais, desde anúncios de TV a filmes, da música à ficção. Para Hutcheon, a arte, considerada...

[...] autoparódica, põe em questão não só a sua relação com outras obras, mas a sua própria identidade. A autoparódia não é só a maneira de um artista renegar anteriores maneirismos, por meio de exteriorização. É uma maneira de criar uma forma, ao questionar o próprio ato de produção estética. (HUTCHEON, 1985, p. 21).

Affonso Romano de Sant’Anna (1985, p. 62) criou o termo “auto textualidade”, para o que Hutcheon chamou de autoparódia: “É quando o poeta se reescreve. Ele se apropria de si mesmo, parafrasticamente”. Porém, o fato do autor se auto textualizar, de ele adaptar sua obra de uma mídia para outra, por exemplo, nem sempre tem um caráter paródico. De acordo com Robert Stam, “as técnicas reflexivas, mesmo quando toleradas

nos filmes cômicos de Woody Allen ou Mel Brooks, tendem a ser recuperadas como a expressão de sua persona neurótica autoral” (STAM, 1992, p.129).

No caso de Allen, verifica-se que ele não faz paródia de si próprio, faz adaptações de seus contos para o teatro e para o cinema, do teatro para o cinema, e vice-versa. No máximo recicla seus filmes, como o fez assumidamente em Deconstructing Harry em relação a Stardust Memories e, podemos dizer ainda, em Hollywood Ending, pois trata ainda do mesmo meta-tema de Stardust Memories. Talvez não o faça por não ter tanta admiração por si próprio como tem por outros autores a quem parodia.

3.1- Um ladrão muito trapalhão – paródias em Allen

Stig Björkman comenta que em Stardust Memories, um personagem diz a Sandy, o diretor personificado por Allen, que “a comédia é uma hostilidade. O que é que um comediante diz quando suas piadas são bem aceitas? Matei a plateia de rir...acabei com eles...como gritavam...arrasei”. E Allen admite: “É verdade, existe um elemento de hostilidade.” (BJÖRKMAN, 1995, p.131) No livro de Lax, porém, ele discorda sobre isso:

Descobri que, se sou realmente hostil a um tema, não escrevo nada engraçado a respeito. [...] Sei que se eu escrevesse alguma coisa sobre o Ingmar Bergman ou o Kafka, que adoro, sairia engraçado sem nenhuma hostilidade em relação a eles. (LAX, 2009, p.101)

O fato é que Woody Allen só parodia, em sua obra, os autores a quem admira. É a paródia como forma de homenagem, como considera Godard; embora pareça uma sátira ou crítica, ainda assim, ele só se importa em abordar aqueles a quem realmente idolatra.

Em uma entrevista para a revista Time, Allen assumiu: “Eu roubo dos melhores: eu roubo de Bergman, Groucho, Keaton, Chaplin, Martha Graham, Fellini, sou um grande ladrão.”83

De acordo com Robert Stam, Woody Allen não esconde seus ‘roubos’, ele sugere que o ‘empréstimo’ é universal, uma parte fundamental do processo criativo.

Numa mesa no Carnegie Deli – restaurante nova-iorquino onde se encontra a classe artística no filme Broadway Danny Rose (1984) de Allen – um humorista chamado Howard fala sobre um agente teatral chamado Danny Rose: “É, ele contava todas as piadas velhas…e roubava de todos. Ele era exatamente o tipo de cômico que você não

83Entrevista para a TIME dentro do site da L&PM, editora de seus livros no Brasil. Vídeo acessado em 22

de outubro de 2011 em biografias de autores>Woody Allen; www.lpm.com.br

pensaria que ele seria” (ALLEN, 1987, p. 158). Esta frase atribuída a Danny Rose aplica- se totalmente ao estilo de Allen, que – como Shakespeare – apropria-se da obra alheia como homenagem.

Segundo Yacowar, “como a paródia é uma forma característica da prosa de Allen, o bathos (grifo meu) é o seu tom característico. Os dois são formas entrecortadas e relacionadas de ironia; bathos é o mergulho de um tom sublime para o trivial” (YACOWAR, 1979, p. 74)84. Como bathos entende-se o efeito patético forçado, esse

anticlímax causado justamente por essa mudança de tom. Continua Yacowar:

A tendência de Allen pela paródia tem implicações técnicas e filosóficas. Tecnicamente, a paródia possibilitou a Allen familiarizá-lo com um meio ao exercitar-se num específico corpus de trabalho. Ele pôde desenvolver sua autoconfiança como escritor seguindo as formas de um gênero estabelecido ou estilo, adicionando seu próprio tom satírico. (YACOWAR, 1979, p. 208).85

Já no sentido filosófico, ele joga contra as convenções de um modelo sério. Para Mary Nichols, “Allen efetivamente repete os velhos livros, novelas e peças para fazer um comentário implícito sobre eles” (NICHOLS, 2000, p. 9)86. Em seus contos, que ele

publica na The New Yorker, faz paródias de Strindberg aos filósofos gregos antigos, dá vida a personagens fictícias como Madame Bovary ou reais como Lincoln. Como disse Ruy Castro, tradutor de Allen para a L&PM, no livro Cuca fundida (Getting even):

Várias situações deste ou daquele conto recorrem neste ou naquele filme. Ele nunca joga nada fora, no que faz muito bem, nesses tempos meio russos. O forte de Woody são as paródias, como vocês vão descobrir. E não torçam o nariz, porque Don Quixote também era uma espécie de paródia. (ALLEN, 1978, prefácio).

Como exemplos concretos em seus filmes, em Take the Money and Run (Um assaltante bem trapalhão, 1969), seu primeiro filme como diretor, é um mosaico de “gags visuais, cinematográficas e verbais. Cenas como a de uma leva de presos acorrentados uns aos outros parodiam Cool Hand Luke (Rebeldia indomável, 1967), de Stuart Rosenberg e The Defiant Ones (Acorrentados, 1958), de Stanley Krammer”, segundo Eric Lax (1991, p. 262-263).

84(No original): “As parody is Allen’s characteristic prose form, bathos is his characteristic tone. The two

are related kinds of ironic undercutting. Parody is a comic version of a serious work or stance; bathos is the plunge from a lofty tone to a trivial one.”

85 (No original): “Allen’s penchant for parody has both technical and philosophical implication.

Technically, parody enabled Allen to familiarize himself with a medium by exercising in a specific body of work. He could develop his confidence as a writer by following the forms of an established genre or style, adding his own satiric touch.”

86 (No original): “Allen effectively repeats the old books, plays and novels to make an implicit comment

on them.”

Yacowar (1979, p. 123) acrescenta também I Am a Fugitive from a Chain Gang, (1932, com Paul Muni) – na tentativa de fuga, e descobre outras paródias, como a West

Side Story (1961) – com os ladrões abrindo seus canivetes, a Bonnie and Clyde (1967) –

o gesto fálico ao apontar a arma, a The Hustler (Desafio à corrupção,1961) de Robert Rossen – a vocação de Virgil para ser jogador de sinuca. Um ex-condenado chamado Fritz, que faz a parte do diretor de cinema no roubo cinematográfico – uma homenagem a Fritz Lang – disse ter trabalhado com John Gilbert e Valentino. A ideia é fingir estarem filmando para assaltarem um banco.

De acordo com Jacobs, durante as cenas de amor, o personagem Virgil tenta parodiar Chaplin, rolando os olhos e as mãos, mas isto apenas esvazia o sentimento real, assim como na cena em que ele se prepara em seu apartamento para cortejar sua amada. O ritual é chapliniano, mas Allen não consegue atingir aqui o objetivo da comédia física, como já nos explicou Jacobs. Foster Hirsch nos diz ainda que, em Take the Money and

Run, há indícios de Monsieur Verdoux (1947) de Chaplin, quando Allen tenta matar uma

mulher que o está chantageando. Já Yacowar acha que ele parodia Marylin em The Seven

Year Itch (a roupa no refrigerador) e Groucho Marx, além de criar outros personagens

parodísticos de Bette Davis e outros.

Yacowar também salienta que Take the Money and Run é uma paródia ao chamado cinema-verdade, ou cinéma-vérité:

Popular nos anos 1960, caracterizava-se por uma tentativa de dar a impressão de gravar a vida como ela acontecia, sem encenação ou distorção pela edição. Em Chronique d’un Été (Jean Rouch, 1961) e Lonely Boy (Koenig-Kroitor, 1962) e nos documentários de Richard Leacock e dos Maysles brothers, o cinéma vérité fez uso de entrevistas, câmeras na mão, som natural e um franco conhecimento do processo fílmico para gravar a realidade objetivamente. (YACOWAR, 1979, p. 120).87

De acordo com Yacowar, “o filme de Allen parodia a técnica e questiona sua validade ao selecionar como seu objeto um homem cuja manifesta incompetência é magnificada pela retórica heroica empregada.” (YACOWAR, 1979, p. 120).88 O próprio

fato de o roubo ser planejado como uma filmagem, para Yacowar, faz com que o “reconhecimento do processo fílmico desafie o princípio do cinema-verdade deque o

87(No original) “Popular in the 1960’s, it characteristically attempted to convey the impression of recording

life as it happened, without staging or distortion by editing. In Chronique d’un Été (Jean Rouch, 1961) and Lonely Boy (Koenig-Kroitor, 1962) and in the documentaries of Richard Leacock and the Maysles brothers, cinéma vérité made use of interviews, hand-held cameras, natural sound and a frank acknowledgement of film process in order to record reality objectively.”

88(No original): “Allen’s film parodies the technique and questions its validity by selecting as its subject a

man whose manifest incompetence is magnified by the heroic rhetoric employed.”

sujeito sendo filmado não é alterado pelo fato da filmagem.” (YACOWAR, 1979, p. 121).89

Em Stardust Memories, de Allen, um ator, vivido por Tony Roberts, é questionado se uma cena entre ele e o personagem de Allen (Sandy Bates), no museu de cera, seria uma homenagem ao filme de terror The House of Wax (A casa de cera, 1953), de André De Toth, com Vincent Price: “Uma homenagem? Não exatamente. Nós simplesmente roubamos a ideia.” (ALLEN, 1982, p. 339). Este clássico do cinema, por sua vez, já era uma refilmagem de Mystery in the Wax Museum (Os crimes do museu de cera, 1933), de Michael Curtiz. Em Wax Museum, Vincent Price quer fazer uma boneca de cera com o corpo real de uma mulher. Não deixa de ser o velho tema de Pigmalião revisitado.

O conto “Que loucura”, em que um cirurgião – inspirado em Bela Lugosi – troca o cérebro de sua mulher com o de uma modelo para casar-se com a última, é autorreferenciado em Stardust Memories. No conto de Allen, lemos:

Eu levara Olívia a um festival de filmes de Bela Lugosi. Na cena crucial, Lugosi, que, para variar, interpretava um cientista louco, permuta o cérebro de sua vítima pelo de um gorila, ambos atados à mesa de operações durante uma tempestade cheia de raios e trovões. Se isso podia ser bolado por um reles roteirista de cinema, por que um cirurgião com a minha capacidade não poderia fazer o mesmo? (ALLEN, 1983, p. 103)90

O filme citado por Allen é Murders in the Rue Morgue (O Crime da Rua Morgue, de 1932), baseado em conto de Edgar Allan Poe. No conto de Poe o cirurgião não existe, foi criado pelo roteirista do filme de Robert Florey para Bela Lugosi interpretar.

Na peça inacabada Sex, da qual Allen acabou aproveitando parte para escrever

Play It Again, Sam, há uma segunda parte que é inspirada também no conto de Allen

“Que Loucura” e no filme com Karloff e Lugosi (The Black Cat, 1934, de Edgar Ulmer). O personagem Dick (que seria vivido provavelmente por Tony Roberts) narra, caminhando em direção ao público: “E então ele o fez. Com o brilho e a imaginação negada aos mortais inferiores, Mel Maxwell fez na vida real o que Lugosi e Karloff fingiam fazer nos filmes.”91 No filme Stardust Memories, quando Sandy (Allen) está

encenando para o público um texto com Tony Roberts, diz:

SANDY: [...] E então, pensei comigo mesmo: se eu ao menos pudesse colocar o cérebro de Dóris no corpo de Rita! Não seria maravilhoso? E eu pensei,

89(No original): “This acknowledgement of the filming process challenges the cinéma-vérité assumption

that the subject being filmed is not altered by the fact of filming.”

90 No original, Side Effects. O conto ganhou o nome do título do livro em português, traduzido por Ruy

Castro para a L&PM: Que Loucura!

91 Traduzido direto do original depositado na Firestone Library, em Princeton.

porque não? Que diabos, eu sou um cirurgião! [...] Então, eu realizei a operação e tudo correu perfeitamente. Eu troquei suas personalidades e tirei toda a maldade e coloquei de lado. E eu fiz de Rita uma mulher madura, generosa, doce, sexy, charmosa, maravilhosa, quente. E então eu me apaixonei por Dóris. (ALLEN, 1982, p. 338).92

Stam disse que Stardust Memories está em dívida para com o filme de Preston Sturges, Sullivan’s Travels (Contrastes humanos, 1941), onde “Sturges escala Joel McCrea para viver o papel de um diretor não diferente de si mesmo”. (STAM, 1992, p. 130)93 Este filme de Sturges – uma comédia com momentos dramáticos – inicia-se com

dois homens brigando em cima de um trem em movimento, que corre e solta muita fumaça. Também é com um trem que Allen começa seu filme. A metáfora do trem, aliás, é o que não falta no filme de Sturges (que seria um “railroad movie”, parafraseando os

road movies.)

Descobrimos, porém, que é apenas uma sequência de abertura do filme do cineasta Sullivan, que o está exibindo a executivos de estúdio, os quais não aprovam seu abandono das comédias por filmes realistas. O mesmo acontece no início de Stardust Memories. Essa discussão entre executivos sobre o trabalho de um cineasta-autor vai retornar novamente em Hollywood Ending, como indica o título deste filme no original.

Em Stardust Memories, há uma frase dita por uma pessoa do público, um senhor judeu, sobre a atitude de Sandy de abandonar a comédia, algo como: “Ele não vê que é um dom fazer comédia”? (ALLEN, 1980) Esse mesmo tipo de comentário virá ao fim de

Sullivan’s Travels, quando o próprio Sullivan admite que “fazer as pessoas rirem é um

dom” (STURGES, 1941). Interessante lembrar aqui que Woody Allen afirma não ter visto este filme de Sturges antes de lançar Stardust Memories.

Outro filme ao qual Memories nos remete, de acordo com Jacobs, é It’s a

Wonderful Life (A felicidade não se compra, 1946), de Frank Capra, pois, em certo

momento, ambos os protagonistas acham a vida insuportável até serem confrontados com a morte. Richard Schwartz (2000, p. 243) também vê uma influência cinemática de

Tystnaden (O silêncio, 1963), de Bergman, em Stardust Memories. (Talvez a trilha

92(No original): “SANDY: […] and then I thought with myself: If only I could put Doris’ brain in Rita’s

body! Wouldn’t that be wonderful? And I thought, why not? What the hell, I’m a surgeon! […] So, I performed the surgery and everything went perfectly. I exchanged their personalities and I took out all the badness and put it over there. And I made Rita into a warm, mature, sweet, sexy, charming, wonderful, giving woman. And then I fell in love with Doris.”

93(No original): “Sturges casts Joe McCrea as a director not unlike himself”.

sonora, o tique-taque do relógio...). Na cena inicial, a trilha é o tique-taque de um relógio, como em Smultronstället (Morangos silvestres, 1957), de Bergman.

Quanto à semelhança com 8 1/² de Fellini, Jacobs não vê no filme de Allen a sensualidade do filme italiano. Charles Joffe, agente e produtor de Allen, afirma o contrário em entrevista ao documentário exibido na rede PBS.94O próprio Allen admite

que “os diretores que mais me influenciam são realizadores autobiográficos, pois seus trabalhos parecem estar intimamente ligados a suas vidas.” (LAX, 1991, p. 280).

Na primeira cena, muda, Allen está no vagão de pessoas feias, e passa outro trem em sentido contrário com pessoas felizes e belas como a figurante Sharon Stone. Embora há quem diga que os rostos estranhos são hogartianos (do pintor inglês William Hogarth, morto em 1764), a sequência é claramente uma homenagem à sequência inicial de 8 e

1/2, pois o personagem de Allen, Sandy Bates, é uma paródia de Guido, vivido por

Mastroianni, que no filme de Fellini está preso em um engarrafamento. “Ambos são cineastas em crise no meio do processo de fazer um filme”, diz Stam (1992, p. 155).

A mesma trilha sonora de Ladri de Biciclette (Ladrões de Bicicleta, 1948), de Vittorio de Sica, é utilizada em Stardust Memories. Inclusive, de acordo com Hamilton, o fato de os personagens Sandy e Daisy irem para uma exibição de Ladri di Biciclette faz com que “tenhamos aqui um momento metanarrativo diferente, uma vez que os personagens sentam-se no cinema e depois discutem o filme, um dos mais importantes filmes da história do cinema” (In: ROMTREE, 2001, p. 17).

Figuras 4A- Sharon Stone no trem das pessoas belas. 4B - Allen no outro trem, no contra plano, em Stardust Memories.

Há citações a The Birds (Os pássaros, 1963) de Alfred Hitchcock, quando entra um pássaro no apartamento em que Allen está com Charlotte Rampling e ele diz que pode

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