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4 MATERIAIS E MÉTODOS

4.3 Procedimentos para operacionalização do estudo

4.3.1 Intervenção

A intervenção foi composta por dois momentos: o primeiro constituiu uma aproximação dos adolescentes com a pesquisadora responsável e de sensibilização deles em relação ao teatro e ao bullying, em que os participantes vivenciaram jogos grupais, propostos e criados por Augusto Boal (BOAL, 2013); e o segundo momento da intervenção em si constituiu-se na organização e encenação de Teatro-Fórum, técnica pertencente à metodologia do Teatro do Oprimido selecionada para o estudo, sobre o

bullying e de autoria dos próprios adolescentes.

Assim, na primeira fase da intervenção foram trabalhadas diversas técnicas teatrais baseadas no Teatro do Oprimido, com o objetivo de estimular a participação ativa e interação entre os participantes (BOAL, 2013). Os jogos utilizados, nesse momento, fazem parte do arsenal do Teatro do Oprimido em que uma parte foi adaptada

a partir de jogos da infância e outra parte inventada por Augusto Boal, a partir de sua prática e larga experiência como teatrólogo (BOAL, 2015). Esses jogos tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens, pois, para Boal, na batalha do corpo com o mundo, começamos a sentir muito pouco do que tocamos, a escutar muito pouco do que ouvimos e a ver muito pouco do que olhamos, logo, para que o corpo seja capaz de emitir e receber mensagens é preciso que ele seja rearmonizado e desmecanizado, o que pode ser favorecido pela dramatização (BOAL, 2015). Augusto Boal dividiu seus jogos, ainda, em cinco categorias: a primeira procura diminuir a distância entre o sentir e o tocar; a segunda, entre escutar e ouvir; a terceira busca desenvolver os vários sentidos ao mesmo tempo; na quarta, tenta-se ver tudo que se olha e, na quinta categoria, a finalidade é despertar e trabalhar a memória (BOAL, 2015). Nesse sentido, a primeira fase da intervenção contemplou, em uma escala crescente, jogos de todas as categorias. Vale ressaltar que, assim como Boal propõe, os participantes foram informados que ninguém deve tentar ou dar continuidade a nenhum jogo/exercício se tiver algum impedimento físico, pois no Teatro do Oprimido cada um deve saber o que quer e o que pode fazer, e ninguém é obrigado a fazer nada que não queira (BOAL, 2015).

Para evitar interrupções constantes das atividades escolares, os jogos foram aplicados, em uma única oportunidade, em formato de oficina, em cada turma de 1º Ano do Ensino Médio da escola pertencente ao grupo intervenção, com duração média de 1h20min. A seguir, descrevem-se os jogos/exercícios que foram realizados na primeira fase da intervenção de acordo com suas categorias, destacando que todos os jogos selecionados constam no livro de Augusto Boal (2015) “Jogos para atores e não atores” e foram vivenciados pela curinga/mediadora, no caso, a pesquisadora responsável pelo estudo, em sua formação como Curinga do Teatro do Oprimido.

1ª Categoria

“Espreguiçar em pé”: esse exercício se caracteriza por fazer movimentos naturais de se espreguiçar na cama, só que em pé.

Círculo de nós: nesse jogo, os participantes dão as mãos formando uma roda e em seguida eles se distanciam sem se tocar. Após se distanciarem uns dos outros, cada participante direciona seus braços para as pessoas que estavam ao seu lado, direito e esquerdo, na primeira formação da roda, e se movem na direção de seus parceiros dando as mãos novamente, independente de estar em direção contrária, formando, assim, um grande nó no círculo. A partir daí, todos os participantes têm como objetivo desfazer o

nó, sem soltar as mãos, com a cooperação de todos, com movimentos lentos e sem violência, para tentar voltar à posição original da roda.

2ª Categoria

Roda de ritmo de movimento: os participantes formam um círculo e um deles vai ao centro e executa um movimento qualquer acompanhado de um som; em seguida, todos repetem o movimento e o som e os outros participantes são desafiados a criar novos movimentos e sons, até todos participarem do exercício. Os ritmos, corporal e musical, dos movimentos e sons devem ser criados pelos participantes e não devem ser algo habitual da vida real, como uma dança que todos conhecem.

Um, dois, três de Bradford: esse jogo é realizado em duplas, face a face. Na primeira parte os dois participantes de cada dupla contam até três, em voz alta, alternadamente, o mais rápido possível. Na segunda parte, em vez de dizer “1”, o primeiro participante passará a fazer um som e um gesto rítmicos, e nenhum dos dois dirá mais a palavra “1; desse modo, o som inventado pelo primeiro participante se transforma em movimento rítmico. Assim, o jogo segue, sucessivamente, com os números “2” e “3”, até todos os números terem se transformado em um som e movimento rítmicos, caracterizando um tipo de dança, sem nenhuma palavra.

Máquina de ritmos: nesse jogo, pode-se incluir um tema definido pelo curinga (mediador); no caso em questão, foi selecionado o tema escola. Assim, um participante é convidado a ir ao centro e a imaginar que é uma peça de uma engrenagem de uma máquina que represente o tema selecionado e a criar um movimento rítmico e um som que reflita esse ambiente; dessa maneira, os outros participantes prestam atenção na máquina e são convidados a complementar o movimento e som do primeiro participante, até que todo o grupo esteja integrado em uma só máquina, múltipla, complexa e harmônica. Em seguida, o curinga pede para o primeiro participante acelerar o ritmo, e todos devem tentar seguir essa mudança de andamento; quando a máquina estiver próxima da explosão, o curinga pede para o primeiro participante diminuir novamente o ritmo, até que todos os participantes, juntos, diminuem a cadência até terminar o jogo.

Inspirar lentamente com os braços estendidos: deve-se inspirar lentamente, ao mesmo tempo em que cada participante deve levantar os dois braços o mais alto possível e apoiar o corpo nas pontas dos pés, tentando ocupar o maior espaço possível; depois, também lentamente, ele deve expirar enquanto retoma a posição normal, encolhendo o corpo até ocupar o menor espaço possível.

3ª Categoria

Floresta de sons: o grupo se divide em duplas, um parceiro será o “cego” e o outro, o “guia”. Este deve fazer algum som enquanto o “cego”o escuta com atenção. Então, os cegos fecham os olhos e os guias começam a fazer seu som que deve ser seguido pelo cego. Quando o guia parar de fazer o som, o cego também deve parar; assim, o guia fica responsável pela segurança de seu parceiro e deve parar de fazer sons, quando o cego estiver prestes a esbarrar em alguém ou objeto. O guia deve mudar constantemente de posição e o cego deve se concentrar somente em seu som, mesmo que ao lado haja vários outros. Esse jogo tem como objetivo despertar e estimular a função seletiva da audição.

A viagem imaginária: em duplas e na mesma proporção de cego e guia como no jogo da floresta de sons, o cego deve ser conduzido pelo seu guia a uma série de movimentos reais ou imaginários que remetam a algum cenário/lugar que o guia tem em mente. É bom lembrar que em todos os exercícios dessa categoria, falar é proibido. Assim, ao entrar na mesma história e em um mesmo cenário, a partir apenas de movimentos sensoriais, o cego deve imaginar onde ele está e qual foi o cenário escolhido pelo guia. Após alguns minutos, o jogo termina, e o cego deve relatar onde ele crê que os dois estiveram, durante a viagem imaginária, para onde ele acredita que eles viajaram, a fim de verificar se confere com o lugar selecionado pelo seu guia. 4ª Categoria

O espelho simples: formam-se duas filas de participantes, cada um deve olhar para a pessoa que está à frente, fixamente, olho no olho. Os participantes da fila A são designados como “sujeitos” e as da fila B, como “imagens”. O exercício começa, e cada sujeito inicia uma série de movimentos e expressões fisionômicas, em câmera lenta, que devem ser reproduzidos nos mínimos detalhes pela imagem que tem em frente. O sujeito não deve considerar-se inimigo da imagem, pois não se trata de uma competição, de fazer movimentos bruscos impossíveis de serem seguidos; trata-se de buscar a perfeita sincronização de movimentos e maior exatidão na reprodução dos gestos do sujeito.

5ª Categoria

A imagem projetada: nesse jogo, são introduzidos aspectos iniciais do Teatro- Fórum, que foi utilizado na segunda fase da intervenção, e consiste na ação em que o protagonista constrói uma imagem da sua opressão sem a preocupação de torná-la compreensível; ela pode ser simbólica ou o que o protagonista quiser. A partir disso,

cada participante tem o direito de substituir a personagem oprimida, na dinâmica da imagem, e tentar quebrar a opressão que está vendo, projetando sua experiência na imagem que vê. Inicialmente, foi proposta a versão de “Quatro pessoas marcham, uma

quinta dança”, em que quatro pessoas marcham de maneira quase militar e uma quinta

pessoa prefere bailar/dançar. As quatro pessoas que marcham a “jogam” no chão e ela se levanta arrependida de bailar e se integra ao grupo marchando; nesse momento, as cinco pessoas marcham. Então foi questionado aos participantes, “O que essa imagem diz para você?”; “Projete tudo aquilo que você quiser nessa imagem e tente não se integrar aos quatro”; “O que você faria no lugar do protagonista?”; “Como você manteria sua vontade de dançar?”.

Assim, foram apresentadas várias respostas partidas dos participantes, pois para o Teatro do Oprimido existe sempre um modo de quebrar as opressões, em todas as situações, e o importante não é encontrar uma única boa solução, mas descobrir o maior número possível de alternativas.

Na segunda versão desse jogo, foram utilizadas situações de bullying vivenciadas por eles, no lugar da marcha, já iniciando a proposta do Teatro-Fórum da segunda fase da intervenção. Os temas e situações encenados tiveram origem na própria experiência dos participantes, pois o mais importante foi envolver os adolescentes na dramatização e problematização de situações por eles vivenciadas, partindo de suas necessidades, assim, fazendo sentido para eles. Como mencionado anteriormente, a proposta do segundo momento da intervenção foi organizar uma encenação teatral sobre o bullying de autoria dos próprios adolescentes, destacando as principais situações por eles vivenciadas, os desafios que enfrentam para superar a situação, o modo como se sentem, as consequências negativas da violência, bem como formas de superá-las.

Logo após a aplicação dos jogos teatrais, foi realizada uma lista com os nomes dos alunos interessados em participar da estruturação e apresentação da encenação. Na escola selecionada para intervenção havia dez turmas de 1ºAno do Ensino Médio, então, juntamente com a coordenação da escola optou-se por desenvolver duas seções de Teatro-Fórum; dessa forma, cada encenação foi apresentada para cinco turmas, permitindo um número de alunos mais reduzido por apresentação, oferecendo, assim, mais oportunidade de participação e de organização por parte dos profissionais da escola. A partir da lista de alunos interessados em participar da encenação foram formadas duas equipes organizadoras, e cada uma apresentou sua representação teatral para as cinco turmas, das quais eles não faziam parte, oferecendo-lhes a oportunidade de

ser espect-atores (denominação criada por Boal para espectadores que podem intervir na encenação) na outra apresentação.

Após a seleção da equipe responsável por organizar e apresentar a cena de Teatro-Fórum, foram selecionados dias alternados para as reuniões. Estas tiveram duração de aproximadamente 30 minutos e foram realizadas durante o horário escolar. No total, ocorreram quatro encontros; no primeiro, foi apresentada a proposta da encenação e solicitado para a próxima reunião que eles levassem já alguma sugestão de cena, a partir de situações reais sobre bullying. Na segunda reunião, foi decidido qual seria a encenação a ser apresentada e, nos dois últimos encontros, foram realizados os ensaios. Destaca-se que, para realizar reuniões de curta duração, a pesquisadora responsável dispôs de um planejamento sobre os aspectos a serem abordados, mantendo a disciplina entre os envolvidos, além disso, evidencia-se que o Teatro do Oprimido e, em especial o Teatro-Fórum, valorizam as improvisações que refletem as visões de mundo e não a excelência da encenação como teatro convencional.

No Teatro-Fórum, a encenação, em um primeiro momento, foi apresentada de forma convencional, em que se mostrou determinada situação de bullying, como uma mostra de opressão que se deseja combater. A mediadora, denominada curinga do Teatro do Oprimido e representada no estudo pela pesquisadora responsável, perguntou, em seguida, se os espect.-atores estavam de acordo com as soluções propostas pelo protagonista na cena. A partir daí, deu-se início ao revezamento com o protagonista, em que foram apresentados as ideias, as experiências, vivências e soluções de enfrentamento, propostas pelos espect.-atores. Nas situações em que esses não quiseram substituir o protagonista, na encenação, “os atores” originais apresentaram teatralmente as soluções propostas. Destaca-se ainda que toda a encenação foi mediada pela pesquisadora, curinga do Teatro do Oprimido. No total, foram dezesseis dias de intervenção, em dias alternados, em que quatro deles foram destinados aos encontros/reuniões com os grupos de organização da encenação; a realização dos jogos ocorreu em dez dias, e a encenação foi apresentada em dois.

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