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Intervenções anteriores – parte decorativa (marchetados e sadeli)

6. IDENTIFICAÇÃO DE INTERVENÇÕES ANTERIORES

6.2. Intervenções anteriores – parte decorativa (marchetados e sadeli)

Perante os painéis decorativos do contador são identificadas uma ou várias intervenções anteriores, encontrando-se dois tipos de intervenção. A primeira teve como finalidade uma atenuação das áreas de lacuna e a segunda reconstituiu os elementos decorativos em falta (Ver em anexo, mapeamentos de intervenções anteriores, pp. 151-155). As intervenções que tiveram como objetivo apenas uma tonalização das áreas de lacunas consistiram na aplicação de um betume e/ou massa de tonalidade negra, em áreas de lacunas de ébano, de frisos que apresentam triângulos quadriláteros pontiagudos entre dois fios de marfim (fig. 108) e em torno de motivos como folhas para o preenchimento do vazio entre marchetados (fig. 109).

Figura 108 Pormenor de um friso marchetado presente numa das gavetas do contador, onde se observa o preenchimento de uma área de lacuna de marchetado

com betume negro. Fonte: el. pr.

Figura 109 Pormenor da parte superior do contador, onde se observam áreas preenchidas

com betume negro em torno dos elementos marchetados. Fonte: el. pr. Figura 106 Pormenor de um elemento da trempe, onde

se observa resíduos de um adesivo distinto da cola animal utilizada originalmente. Fonte: el. pr.

Figura 107 Comparação entre a cavilha original em pau-santo e uma em pinho já realizada posteriormente. Fonte: el. pr.

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De seguida, procedemos ao reconhecimento das intervenções que tiveram como objetivo o executar, com materiais idênticos ou semelhantes, as áreas de lacunas presentes nas diversas técnicas decorativas.

Assim, identificaram-se a colocação de enxertos de material lenhoso nas lacunas de ébano; todavia em alguns casos, estes enxertos não respeitam o sentido do veio da madeira existente nos painéis de marchetados, estando colocados de uma forma incorreta (fig. 110).

Figura 110 Alçado esquerdo do contador, pormenor da marchetaria, onde se observam enxertos de madeira com o sentido do veio díspar do original.

Fonte: el. pr.

No mesmo seguimento, observa-se a execução de folhas e filetes de marfim e/ou osso, discerníveis pelas desigualdades existentes na tonalização e formato do motivo aplicado.

No caso dos filetes de marfim, esta diferença em relação à forma, refere-se à disparidade de espessura entre os diversos fios e ao facto de os fios dobrados que compõem as volutas se encontrarem quebrados, notando um incorreto dobrar do material (fig. 111).

Figura 111 Pormenor de um friso decorativo da parte superior do contador, onde se identifica uma

intervenção anterior, em que o fio de marfim foi dobrado incorretamente, estando quebrado. Fonte:

el. pr.

Na face de topo do contador, o painel de marchetados apresenta três áreas distintas de enxertos, onde foi executada uma decoração idêntica à existente.

Todavia, ao analisar estes enxertos e sobretudo a sua disposição, torna-se percetível tratar-se de um painel de marchetados correspondentes à face interior de uma porta batente, estas marcas representam os locais prévios de duas dobradiças e uma fechadura (Tabela 5).

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Tabela 5 Localização das marcas existentes no painel de marchetados da face superior do contador, correspondente ao interior de uma porta batente;

Desta forma considera-se que houve o aproveitamento de um painel de marchetado, correspondente à face interior de uma porta de batente, mas neste caso pertencente a um outro objeto, o que se constata por este não deter as dimensões necessárias para ser proveniente do contador em análise, sendo visível na sua estrutura a execução de um rebaixo para a colocação do painel aproveitado (fig. 112).

Figura 112 Desenho de corte da madeira da estrutura do contador, parte superior, onde se verifica o rebaixo para a colocação de uma porta batente de um outro

objeto. Fonte: el. pr.

Para além das dimensões não corresponderem, a própria dimensão e forma dos seus elementos decorativos demonstram disparidades comparativamente com os observados nas restantes faces (tabela 6).

67 Tabela 6 Diferença entre elementos decorativos originais presentes nos painéis do contador e o painel da parte superior do contador, adicionado posteriormente;

Os fios de marfim são de maior espessura e, consequentemente, as folhas apresentam uma escala superior à observada nos restantes frisos da face de topo e das laterais do contador. Em relação às flores, estas exibem umas pétalas com um recorte distinto das observadas no restante contador e, o seu centro, é composto por um elemento com a técnica decorativa sadeli, pormenor ausente nos restantes elementos florais.

Por fim, a cercadura circular presente nas faces laterais e de topo, apresentam os elementos de carácter mogol com um recorte distinto e, nas faces laterais, cada elemento possui duas furações preenchidas com um betume preto (?).

A questão económica sempre foi um dos aspetos que mais conduziu à execução de intervenções no mobiliário. Em primeiro lugar, algo que historicamente se tem realizado e que também erradamente ainda é feito nos nossos dias, é optar por transformar um móvel danificado em lugar de o intervencionar ou conservar, devido a questões de tempo e de custo (ORDÓÑEZ, Cristina, et. al, 1996, p. 51).

Neste sentido, uma prática que pode ser considerada como inapropriada, mas comum, consiste em eliminar as partes deterioradas de um móvel e substitui-las pelas partes de um outro móvel, semelhante ou da mesma época, obtendo-se assim um único móvel em bom estado de conservação, situação que poderá ter ocorrido no caso em estudo, devido à introdução do referido painel de marchetados na face de topo do contador. Todavia,

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historicamente, já era assim, nas viagens os contadores podiam sofrer danos e daí o aproveitamento de partes de um outro.

Mas uma outra situação poderá ter sucedido devido à remoção da porta batente original do contador; poderá ter existido a intenção de se proceder à divisão deste móvel em dois ou mais, com o objetivo de os poder vender em separado.

Posto isto, coloca-se também como hipótese que os frisos que contornam o limite exterior do tardoz sejam já posteriores.

Os fios marchetados não são de marfim e/ou osso mas de madeira de teca e a madeira das costas encontra-se visível (fig.113), existindo uma ausência de ornamentação, algo incomum em peças de mobiliário desta época e estilo. Estes aspetos levam-nos a considerar, como hipótese, que o painel de marchetado original das costas poderá ter sido removido e aproveitado para uma outra peça ou por se encontrar deteriorado ter sido eliminado.

Em relação aos frisos presentes na face de topo, apresentam-se todos cavilhados, correspondendo à técnica utilizada na época devido às condições de temperatura e humidade local com a finalidade de evitar destacamentos.

O friso C não apresenta qualquer indício de cavilhação, colocando-se como como hipótese a sua execução ter sido feita no momento em que o painel A foi inserido, de forma a preencher o vazio existente na composição. Esta situação é notada também pela incoerência decorativa que se observa comparando o friso B junto de D.

Devido ao contexto apresentado anteriormente, ainda colocamos como outras hipóteses, em que o friso B tenha pertencido à face exterior da porta batente original do contador ou que o friso D corresponda ao tardoz, ou ainda seja original ao local onde se encontra (fig. 114).

Figura 113 Pormenor das costas do contador, onde é visível a madeira da estrutura da fábrica e um friso marchetado com ébano e filetes de teca. Fonte: el. pr.

69 Figura 114 Identificação dos frisos decorativos existentes na

parte superior do contador, notando uma incoerência

decorativa. Fonte: el. pr.

Por último, os frisos com triângulos sucessivos e repetitivos, expõem em algumas áreas a aplicação posterior de um friso semelhante, ou seja, discernível por em vez de triângulos serem utilizados elementos em forma de losango (fig. 115).

O mesmo sucede nas faces laterais e nas gavetas, nos motivos circulares de sadeli, onde foram inseridas peças de marfim e/ou osso com a mesma forma, sendo estas discerníveis pela ausência de um ponto de betume preto ao centro (fig. 116).

Em relação à técnica decorativa sadeli, é visível a existência de intervenções no painel de maior dimensão, presente nas gavetas centrais, onde se denota a existência de colocação de peças em marfim e/ou osso em locais de lacuna (fig. 117).

Figura 115 Friso decorativo realizado posteriormente, sendo este discernível por em vez de possuir triângulos equiláteros ter losangos. Fonte: el. pr.

Figura 116 Elementos de marfim realizados posteriormente, de forma discernível. Fonte: el. pr.

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Figura 117 Pormenor de elementos de sadeli no alçado esquerdo do contador, onde é possível observar a reconstituição de alguns elementos. Fonte: el. pr.

Por último, nas faces laterais e em algumas frentes de gaveta, os motivos triangulares de sadeli, apresentam triângulos refeitos, onde o marfim e/ou osso não se encontra tingido de verde e o fio central encontra-se ausente (figs. 118 e 119).

Figura 118 Elemento alçado direito do contador, onde se verifica a existência de elementos unitários

de sadeli reconstituídos de forma discernível. Fonte: el. pr.

Figura 119 Pormenor de um elemento unitário de

sadeli posterior, em que o marfim tingido e o fio

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