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5. Discussão

5.2 Intoxicados por vapor de mercúrio

Dada a sensibilidade reduzida do teste de ordenamento de cores D-15, de Farnsworth (1943a, 1943b), para a avaliação de deficiências adquiridas ou leves anomalias congênitas (Lanthony, 1978a, 1986; Geller, 2001), a diferença significativa encontrada para o pior olho (TCDS e CCI: p= 0,032) (Tabela 8) em comparação ao

grupo controle, confirma a gravidade da perda da visão de cores ocorrida pela intoxicação ocupacional por vapor de mercúrio.

No desempenho dos pacientes Hg comparado aos controles, no teste de ordenamento de cores D-15d (Lanthony, 1978a, 1978b), foi encontrada uma diferença significativa para todas as formas de análise (Tabela 9), o que confirma os achados de reduções da visão de cores em indivíduos que foram expostos ocupacionalmente ao vapor de mercúrio (Cavalleri et al., 1995; Cavalleri & Gobba, 1998; Iregren, Andersson & Nylen, 2002; Gobba & Cavalleri, 2003; Silveira et al., 2003a; Silveira et al., 2003b; Paramei et al., 2004; Ventura et al., 2004; Canto-Pereira, 2005; Ventura et al., 2005a; Campos Filho, 2005).

A utilização do teste D-15d poderia ser muito útil para a detecção de deficiências adquiridas em estágio inicial de trabalhadores expostos cronicamente ao mercúrio ou a outros materiais neurotóxicos, uma vez que as perdas na visão de cores são geralmente subclínicas e os indivíduos expostos a materiais neurotóxicos não têm consciência das perdas que podem adquirir. De acordo com Geller (2001), o teste D- 15d está incluso na bateria de testes para a avaliação de indivíduos expostos cronicamente a neurotóxicos da Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATDRS). Entretanto, em busca detalhada a essa referência, não foi encontrada nenhuma bateria de testes de avaliação da visão de cores na referida agência.

Outra questão relevante no monitoramento de trabalhadores expostos cronicamente ao vapor de mercúrio está na regulamentação dos níveis de concentração urinária considerada segura. Esses valores variam de acordo com a regulamentação de cada país e, no caso específico do Brasil, são considerados os mesmos índices de exposição biológica dos EUA, determinado pelo American Conference of

Governamental Industrial Hygienists (ACGIH), em 1991: ≤ 35 µg Hg/g creatinina

(Meyer-Baron et al., 2002). A WHO requisitou a redução desse índice para 25 µg Hg/g creatinina e, de acordo com análise feita por Meyer-Baron et al. (2002), o valor máximo de mercúrio para trabalhadores expostos cronicamente deveria ser reduzido para 21 µg/g creatinina.

Alguns autores apresentaram evidências da relação entre as concentrações de mercúrio no ar e na urina de trabalhadores expostos ao vapor de mercúrio (Roels, Abdeladim, Ceulemans & Lauwerys, 1987; Cavalleri et al., 1995). No entanto, o presente estudo não encontrou nenhuma correlação dos testes de visão de cores com as concentrações de mercúrio no momento do afastamento18 ou no período dos testes,19 concordando com os achados de perdas da visão de cores sem correlação com as concentrações de mercúrio urinário depois de cessada a exposição (Cavalleri & Gobba, 1998; Ventura et al., 2004; Ventura et al., 2005a).

A regra de Kollner20 (1912) indica que as perdas no eixo BY são características da disfunção da retina periférica e, no caso de perdas difusas (BY e RG), as perdas estão associados às vias do nervo óptico. De acordo com Paramei et al. (2004), nos casos de retinopatia neurotóxica, com o agravamento da toxicidade, passam a ocorrer perdas difusas. No presente estudo, o procedimento tradicional dos testes D-15d apresentou resultados individuais de perdas no eixo BY, enquanto a reconstrução dos espaços de cores apresentou perdas difusas (Tabela 10, Figura 4 e Figura 5). A reconstrução dos espaços de cores mostrou-se um método mais sensível que o procedimento tradicional do teste D-15d e sugere a persistência e a gravidade na

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Ou no período de até um ano depois de cessada a exposição. 19

Ou no período de até um ano depois dos testes realizados para este estudo. 20

redução da visão de cores mesmo em grupos afastados da fonte de exposição ao vapor de mercúrio.

Cavalleri e Gobba (1998) sugerem a reversibilidade das perdas da visão de cores baseados em estudo realizado com trabalhadores que foram expostos cronicamente ao vapor de mercúrio. A maior diferença entre o trabalho desses autores e o apresentado nesta dissertação está no tempo de exposição. No estudo de Cavalleri e Gobba, após o período de um ano de exposição e concentração urinária média de mercúrio de 115 ± 61,5 µg/g creatinina a discriminação de cores de um grupo de trabalhadores expostos foi avaliada no teste D15d; os resultados apresentaram perdas nessa discriminação e uma relação dose-dependente da concentração de Hg urinária com o desempenho da visão de cores. No ano seguinte, foram adotadas medidas para a redução da exposição ao vapor de mercúrio e, após um ano, os trabalhadores (média de 10 µg Hg/g creatinina) foram retestados e apresentaram desempenho normal na discriminação de cores. No presente trabalho, os períodos de exposição foram bem maiores, variando de 5 a 24,5 anos, numa média de 9,5 (± 6 anos), os períodos de afastamento variaram de 1 a 15 anos (média de 5,5 ± 3 anos) e a média da concentração de Hg urinário no momento do afastamento (ou um ano depois) foi de 41,6 ± 43,3 µg Hg/g creatinina (Tabela 3). Os resultados obtidos mostram a persistência da perda da visão de cores, mas não podem ser diretamente comparados ao trabalho de Cavalleri e Gobba (1998) pela impossibilidade de comparar os níveis de exposição aos quais os trabalhadores foram submetidos. É importante salientar que, apesar dos níveis de concentração de Hg urinário terem sido até mais baixos que no caso de Cavalleri e Gobba (1998), a exposição durou muito mais tempo e talvez esse fator seja o mais importante como também foi observado por Canto-Pereira et al.

(2005) em dentistas expostos a baixos índices de Hg por longos períodos ocupacionais (15,6 ± 3,29 anos).

No caso específico do presente trabalho, as perdas da visão de cores detectadas e aos sintomas neuropsicológicos ainda presentes, registrados em anamnese e analisados por Zachi (2005), associados ao tempo médio consideravelmente alto de afastamento da fonte neurotóxica (Tabela 3), sugerem a persistência das perdas causadas pela intoxicação mercurial e a não-reversibilidade, pelo menos total, da redução na discriminação cromática. Para a confirmação de que as perdas visuais e neuropsicológicas verificadas neste grupo são, de fato, permanentes, será necessária a reavaliação dos mesmos pacientes nos próximos anos.

Parte desse grupo experimental teve a função de sensibilidade ao contraste de luminância e cromático, avaliada por Ventura et al. (2005a) e reavaliada, após 2 anos, por Campos Filho (2005). Esses estudos constataram que a sensibilidade ao contraste, de luminância e cromático, era significativamente menor que a do grupo- controle, o que sugere que as perdas visuais desse grupo de trabalhadores intoxicados por vapor de mercúrio não sejam totalmente reversíveis.

As perdas difusas encontradas neste trabalho confirmam a necessidade de mais estudos a respeito da toxicidade mercurial para a elucidação da patogênese da intoxicação, bem como para estabelecer níveis mais seguros de exposição crônica ao mercúrio, com vistas a garantir a saúde dos trabalhadores.

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