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2 – INTRODUÇÃO ÀS ALTERAÇÕES DE COAGULAÇÃO

As alterações de hemostase que se manifestam por hemorragia não são exclusivamente causadas por trombocitopénia. É necessário um exame físico que rapidamente oriente o diagnóstico e permita actuar com celeridade num animal potencialmente em risco de vida.

Existem diversas formas de caracterizar as alterações de hemostase. Há que diferenciar em primeira instância as alterações primárias das secundárias, isto é, as anomalias na formação do tampão primário das anomalias na formação do tampão secundário. As alterações primárias ocorrem quando os elementos que intervêm na produção do tampão hemostático primário não funcionam (plaquetas insuficientes ou não funcionais, vasos alterados). Do ponto de vista clínico, se não se formar o tampão primário, as pequenas hemorragias que surjam acabarão por ser controladas tardiamente pelo tampão secundário. A hemostase é prolongada, mas acaba por ocorrer.

Uma anomalia hemostática secundária é aquela em que não se forma o tampão secundário porque um ou mais dos elementos que nele intervêm são incompetentes (factores de coagulação, factores tecidulares e proteínas pró-coagulação). Esses intervenientes podem estar ausentes ou em quantidade insuficiente, podem ser anormais ou estar inibidos. Clinicamente, perante uma hemorragia, forma-se rapidamente o tampão primário que a controla, mas, como este é extemporâneo, sofre lise sem que se forme o tampão secundário e a hemorragia recrudesce (hemorragia “retardada”).

A trombocitopénia (sobretudo a imuno-mediada), é a principal causa de hemorragia espontânea ou excessiva em cães com anomalias de coagulação, seguida pela a CID e pela intoxicação por antagonistas da vitamnina K (Abrams-Ogg, 2006; Couto, 2003). Os gatos raramente têm hemorragias espontâneas. As alterações da hemostase nos gatos prendem-se sobretudo com insuficiência hepática, neoplasia e PIF.

2.1 – Etiopatogenia e sinais clínicos das alterações hemostáticas:

Entre as alterações primárias incluem-se: trombocitopénia, disfunção plaquetária e, muito raramente, anomalias vasculares. Clinicamente manifestam-se por hemorragias superficiais: petéquias e equimoses na pele e hemorragia das mucosas (hemorragia gengival, hematemese, melena, hematoquézia, epistaxis, hemoptise, hemorragia peniana/prepucial/vulvar ou hematúria, hemorragia da íris/retina ou hifema). As hemorragias podem ser espontâneas e são prolongadas, mas limitadas (só são contidas quando se forma o tampão secundário).

A trombocitopénia é a causa mais frequente e é a que será abordada adiante com maior detalhe nesta dissertação.

A disfunção plaquetária é menos comum, podendo ser congénita (Trombopatia canina do Basset e do Fox Hound) ou adquirida (urémia, disproteinémia, doença hepática, pancreatite, doença mieloproliferativa, Lúpus Eritematoso Sistémico, induzida por fármacos, hipotiroidismo, síndrome nefrótico, diabetes e hiperadrenocorticismo) (Brooks & Catalfamo, 2005; Carr, 2005; Couto, 2003; Russel & Grindem, 2000). As causas congénitas são raras, à excepção da doença de von Willebrand em que o defeito completo ou parcial do factor de vW afecta a função plaquetária. As disfunções adquiridas são mais comuns e geralmente são secundárias a outra patologia ou a fármacos. Estas disfunções plaquetárias afectam a actividade das plaquetas de várias formas e podem inclusivamente afectar outros componentes da coagulação. Certos autores diferenciam as disfunções (diminuição da função plaquetária) das trombopatias (podem aumentar ou diminuir a função plaquetária) (Brooks & Catalfamo, 2005; Dufort & Matros, 2005).

Como se referiu anteriormente as alterações vasculares primárias são extremamente raras em medicina veterinária e nem há um método padronizado para o seu diagnóstico como em humanos (depois de excluir todos as possíveis alterações de coagulação, comprovar o aparecimento de petéquias na pele que se submete a determinadas manipulações ou determinar o tempo de hemorragia). Em veterinária assume-se que há uma anomalia vascular quando persiste a tendência hemorrágica apesar dos valores do sistema de coagulação que é possível determinar estarem dentro dos limites fisiológicos (Mischke, 2000).

As alterações secundárias ocorrem quando há défice, defeito ou bloqueio dos factores de coagulação ou de outras proteínas intervenientes na formação do tampão secundário. Uma vez que as hemorragias que surgem são apenas temporariamente limitadas pelo tampão primário, a perda de sangue prolonga-se mais tempo e eventualmente nunca fica controlada. A severidade da hemorragia costuma ser proporcional à magnitude do défice de factores (Scott & Matthew, 2008). O tipo de hemorragia presente é profunda, ou seja, para as cavidades corporais e articulações. Os volumes de sangue perdidos são maiores; formam-se hematomas em vez de petéquias e equimoses. Outra constatação é a hemorragia retardada após venipunção. Aparentemente houve coagulação, mas após alguns minutos, no local puncionado volta a fluir sangue. As hemorragias espontâneas não são tão frequentes como nas alterções primárias e podem mesmo não ocorrer. Por outro lado, é praticamente constante a hemorragia excessiva. Há autores que afirmam que a intoxicação por raticidas e a insuficiência hepática são os principais responsáveis pelos casos de

alterações secundárias de hemostase (Couto, 2003); as anomalias congénitas de factores de coagulação são ocasionais (Couto, 2003; Boudreaux, 1997).

Além de hemorragia, as afecções de coagulação nos animais podem manifestar-se por trombose ou tromboembolismo, mas a sua incidência é muito menor que nos humanos (Couto, 2003; Ware, 2003). A trombose é favorecida por estase sanguínea, lesão vascular e diminuição da actividade dos anticoagulantes naturais e fibrinolíticos e ainda por factores inerentes a determinada patologia (efeito inibidor dos corticos no hiperadrenocorticismo, efeito procoagulador na anemia hemolítica imuno-mediada, tríade de Virchow na cardiomiopatia). Quando num animal se combinam défices primários e secundários, e ainda desequilíbrio dos mecanismos anti- coagulantes, o diagnóstico é quase sempre CID (Couto, 2003), que será abordada mais adiante neste trabalho.

2.2 - Maneio do animal com uma alteração de coagulação

Na abordagem inicial, quando os resultados laboratoriais complementares tardem, o paciente crítico deve ser reconhecido e abordado com precaução. Perante pacientes com hemorragia espontânea o maneio deve ser ainda mais cuidadoso. É absolutamente desnecessária a determinação do BT (tempo de hemorragia nas mucosas) (Abrams-Ogg, 2006; Mackin, 1998). Pode ser necessário proceder a uma transfusão de sangue ou derivados ou apenas fornecer cristalóides ou colóides para combater a desidratação. Atender a que os colóides sintéticos podem diminuir a função das plaquetas devido à hemodiluição (Heseltine, 2008). Em todos os casos é fundamental minimizar a hemorragia iatrogénica e auto-induzida (Gentry, 2007; Abrams- Ogg, 2006; Couto, 2003): i) diminuir o número de venopunções e o calibre das agulhas empregue; ii) evitar administrações intra-musculares (Heseltine, 2008); iii) aplicar compressão prolongada no local de venipunção; iv) colocar um catéter e se necessário monitorizar diariamente a hematologia procurando colher apenas a quantidade indispensável de sangue; v) minimizar os procedimentos invasivos (não fazer cistocentese, embora seja seguro realizar PAAF ao baço, medula óssea, linfonodos ou massas superficiais; não drenar hemorragias cavitárias a menos que causem dispneia severa); vi) executar apenas as cirurgias urgentes; vii) manter o animal em confinamento num local atraumático e restringir o exercício físico; viii) interromper a administração de medicamentos que afectem a hemostase; ix) administrar alimentos moles para minimizar o traumatismo gengival (Heseltine, 2008); x) administrar protectores gastro-intestinais nos animais que manifestem hemorragia do tubo digestivo, apesar de não estar comprovado o seu benefício (Heseltine, 2008).

3 – MEIOS PARA O DIAGNÓSTICO DE TROMBOCITOPÉNIA E DE OUTRAS