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3 Anomalias no calor específico em temperaturas muito baixas (T<2 K)

3.1 Introdução

O comportamento anômalo das propriedades térmicas dos sólidos não- cristalinos em baixas temperaturas tem sido objeto de estudo desde a década de se- tenta [6]. Como já mencionado no Capítulo 1, a condutividade térmica e o calor

específico dos vidros diferem dos valores encontrados para os materiais cristalinos. Os resultados clássicos mostrados na Figura 3.1 evidenciam a significativa diferença entre o comportamento do calor específico da sílica vítrea e do quartzo cristalino.

0.1 1 10 100 10-7 10-6 10-5 10-4 cp /T 3 (J g -1K -4 ) Temperatura (K) quartzo cristalino silica vítrea (a) 0.1 1 10 100 10-6 10-5 10-4 10-3 10-2 10-1 100 101 k (W cm -1 K -1 ) Temperatura (K) quartzo cristalino silica vítrea (b)

Figura 3.1 – (a) Calor específico c TP( ) da sílica vítrea e quartzo cristalino [6] como uma fun- ção da temperatura T (cP /T3 por T). A curva pontilhada é o cálculo do calor específico do quartzo cristalino pelo modelo de Debye; (b) Condutividade térmica κ( )T da sílica ví- trea e do quartzo cristalino [6] como função da temperatura (escala logarítmica).

No passado, muitos autores buscaram estabelecer a natureza física das excita- ções elementares presentes nos sistemas vítreos. Seguindo a analogia do que é feito na física do hélio superfluido, Takeno e Goda [67,68] e, de uma maneira similar, Tanttila [69] propuseram uma nova contribuição para o calor específico de um siste- ma vítreo que é originada de uma densidade de estados extra produzida por excitações do tipo “róton”. Na realidade, Takeno e Goda [67,68] propuseram que, sob certas restrições, o comportamento do tipo fônon e róton das excitações como o observado no hélio superfluido é provável de existir em todos os sólidos não- cristalinos e líquidos. Nestes artigos [67,68] os autores mostraram que a desordem estrutural intrínseca em sólidos não-cristalinos é responsável pelas excitações do tipo fônon e róton nas vizinhanças do primeiro pico no fator de estrutura*. Similar à ex- plicação proposta por Takeno e Goda [67,68], W. H. Tanttila [69] demonstrou que a

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O fator de estrutura é determinado experimentalmente por espalhamento inelástico de nêu- trons, analisando a dependência da intensidade espalhada sobre a energia associada.

contribuição extra ao calor específico é proveniente de uma densidade de estados originada de excitações do tipo róton. Em seu modelo, os fônons não são utilizados para descrever o calor específico e a condutividade térmica dos vidros, e é proposto que todos os vidros e líquidos possuem uma nova excitação fundamental. Essa exci- tação seria formada em alguma região localizada de baixa ou alta densidade na matriz vítrea. Estas excitações teriam a propriedade de serem livres para se propaga- rem ao longo do material. O autor idealizou ainda [70,71] que um líquido ou vidro real seja composto por um “gás” de excitações, que seriam responsáveis pela expli- cação da maioria das anomalias encontradas nos sistemas vítreos e líquidos.

Apesar dessas importantes contribuições, uma explicação completa originada de excitações elementares para os dados do calor específico na região de temperatu- ras muito baixas é ainda necessária. Para explorar em mais detalhes a analogia com a física do hélio superfluido, neste trabalho discutimos a possibilidade de construir uma base simples e geral para entender o comportamento do calor específico com a temperatura, em temperaturas muito baixas. Este programa é similar ao desenvolvido por Bogoliubov [72] para um sistema de bósons interagentes. O ponto de partida foi a idéia fundamental de Landau em considerar um líquido quântico em baixa tempera- tura como um gás de excitações elementares, ou quasi-partículas. O programa original de Bogoliubov foi obter, microscopicamente, o espectro de quasi-partículas na representação de Landau. Mais precisamente, Bogoliubov tratou a suposição de Landau mostrando que o comportamento quântico do sistema macroscópico surge do espectro obtido para um sistema de N bósons fracamente interagentes [73].

Para verificar a validade de uma possível similaridade com o sistema vítreo, é proposto que o calor específico desses sistemas seja formado por dois termos: o pri- meiro corresponde a um calor específico dependente da temperatura como em um gás de Bose; enquanto o segundo corresponde à contribuição de Debye, ou seja, ori- ginada de um gás de fônons. Portanto, a hipótese central é que o espectro de excitações elementares em baixas temperaturas seja composto por dois gases de qua- si-partículas: um gás de fônons e um gás ideal de possíveis “novas” quasi-partículas obedecendo a estatística de Bose-Einstein. Nessa construção, demonstra-se ser possí- vel obter uma boa concordância [74,75] entre os dados experimentais e o comportamento com a temperatura do calor específico calculado. Essa concordância revela-se como uma indicação de que a estratégia de partir de um Hamiltoniano mi- croscópico com alguma aproximação como a de Bogoliubov pode ser fundamental para determinar de uma maneira mais realista as excitações elementares em um sis- tema vítreo.

Esta parte do trabalho está organizada como segue. Na seção 3.2, serão revisa- dos os principais argumentos do sistema de dois níveis, estendendo os comentários até uma tentativa de explicar o comportamento do calor específico em termos de es-

tados eletrônicos. Na seção 3.3, os primeiros modelos que abordaram o calor especí- fico em baixas temperaturas baseados nas excitações do tipo fônons e rótons serão descritos. Para completar a discussão, serão apresentados os principais pontos da aproximação de Bogoliubov para determinar o espectro do hélio líquido a partir de um Hamiltoniano microscópico. A apresentação é ancorada no caráter semi-clássico da aproximação. Na seção 3.4, será discutida a relevância da analogia das proprieda- des térmicas dos sistemas vítreos em baixas temperaturas com as do hélio superfluido. Finalmente, na seção 3.5, apresentaremos algumas conclusões, discutin- do a possibilidade de estabelecer um programa para investigação sistemática do espectro de sistemas vítreos em analogia com o que é adotado para o hélio superflui- do na representação da teoria de Bogoliubov.

É importante ressaltar que os primeiros passos deste modelo foram dados e descritos em minha dissertação de mestrado [76].

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