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Parte II: Cadeia de spin como sistema quântico aberto

4.1 Introdução

Em sistemas quânticos abertos, o sistema S que estamos interessados em estudar interage com outro sistema muito “maior”, denominado reservatório R, como ilustrado na Figura 28. Na prática, nenhum sistema quântico está perfeitamente isolado. Em algumas situações, essa interação com o ambiente1 se torna relevante e pode, por exemplo, explicar

a emissão espontânea de um átomo [90]. Um dos interesses no estudo de sistemas quânticos abertos é saber como a dinâmica de S é afetada pela presença do reservatório.

Figura 28 – Representação pictórica de um sistema quântico S interagindo com um reser- vatório R.

O sistema S pode apresentar uma dinâmica interna por si só. No entanto, devido ao seu acoplamento com o reservatório, a evolução temporal dos estados pertencentes

1 Ambiente é o termo mais geral usado em sistemas quânticos abertos. Reservatório se refere a um

ao sistema de interesse sofrerá influência do ambiente. Portanto, a dinâmica não será mais unitária, como é observado em sistemas fechados. A evolução temporal é dada via formalismo da equação mestra.

O hamiltoniano total envolvendo o sistema mais o reservatório é dado por

H = HS+ HR+ HSR, (4.1)

sendo que o primeiro e segundo termos são os hamiltonianos do sistema e do reservatório, respectivamente, e HSR representa a interação entre S e R. O estado total envolvendo

as duas partes é descrito pelo operador densidade ρ(t); como o reservatório tem infinitos graus de liberdade, encontrar uma solução para sua evolução temporal se torna uma tarefa muito complexa, além disso nem sempre temos acesso a sua estrutura interna. Portanto, para analisar somente o sistema S, devemos tomar o traço sobre os graus de liberdade de R, isto é, ρS(t) = trB{ρ(t)}.

A equação do movimento, na representação de interação,2 para o sistema global, ˜ρ,

é dada por d ˜ρ(t) dt = − i ~ [HSR(t), ˜ρ(t)]. (4.2)

Integrando dos dois lados da igualdade, temos ˜ ρ(t) = ˜ρ(0) − i ~ Z t 0 ds[HSR(s), ˜ρ(s)]; (4.3)

inserindo essa forma integral na equação 4.2 e tomando o traço parcial sobre o reservatório, temos: d ˜ρS(t) dt = − i ~ Z t 0 ds trR[HSR(t), [HSR(s), ˜ρ(s)]], (4.4) onde fizemos trR[HSR(t), ˜ρ(0)] = 0, (4.5)

sendo esse resultado válido desde que o valor esperado dos termos de interação de S com R seja zero para o estado inicial do reservatório.

A equação 4.4 descreve a dinâmica para o sistema de interesse. Note que ˜ρS(t)

depende do estado global e de toda a história passada através da integração sobre ˜ρ(s). Para chegar na equação mestra, duas aproximações são feitas: a aproximação de Born e a aproximação de Markov [51, 91].

Na aproximação de Born, consideramos que o acoplamento do sistema com o ambiente é fraco, de tal modo que a influência do sistema sobre o reservatório é pequena.

4.1. Introdução 55

Portanto, o estado global para qualquer tempo t pode ser aproximado por um estado produto entre o sistema e o reservatório

˜

ρ(t) = ˜ρS(t) ⊗ ρR(0). (4.6)

Como o reservatório é muito maior que o sistema de interesse e o acoplamento entre os dois subsistemas é muito fraco, temos que o estado do reservatório praticamente não se altera. Através dessa aproximação, a equação 4.4 fica

d ˜ρS(t) dt = − i ~ Z t 0 ds trR[HSR(t), [HSR(s), ˜ρS(s) ⊗ ρR(0)]], (4.7)

note que o estado do sistema S ainda carrega dependência da toda sua história.

A próxima aproximação é a aproximação de Markov. Nela substituímos ˜ρS(s) por

˜

ρS(t) e chegamos na seguinte equação

d ˜ρS(t) dt = − i ~ Z t 0 ds trR[HSR(t), [HSR(s), ˜ρS(t) ⊗ ρR(0)]]. (4.8)

A aproximação de Markov considera que as correlações criadas no ambiente devido à sua interação com o sistema decaem muito mais rápido do que o tempo de relaxação do sistema S. Portanto, a escala de tempo no reservatório é muito menor comparada à escala de tempo em que o sistema de interesse muda consideravelmente.

Por princípios físicos, a aproximação de Markov parece ser razoável. O estado de S pode depender de sua história, pois seus estados anteriores podem realizar mudanças no reservatório, e essas mudanças podem refletir de volta no estado do sistema S, devido à interação HSR. No entanto, se o reservatório for muito grande, não é de se esperar que

ele preserve essas mudanças produzidas pela interação com o sistema de interesse, não o suficiente para afetar a dinâmica futura de S. Torna-se então uma questão de escala de tempo das correlações de R versus a escala de tempo para mudanças significativas em S. Logo, podemos desprezar o efeito do passado do sistema S no seu tempo futuro.

O rápido decaimento das correlações é válido para o caso em que o reservatório é infinitamente grande e envolve um contínuo de frequências. Fazendo essas considerações sobre o ambiente, usando as aproximações de Born-Markov e voltando para a representação de Schrödinger, obtemos a equação mestra na forma de Lindblad 3

dρS dt = L[ρS], (4.9) onde L[ρS] = − i ~ [HS, ρS] + D[ρS]. (4.10)

3 A dedução completa e mais detalhada da equação mestra na forma de Lindblad pode ser encontrada

O primeiro termo reproduz a equação de von Neumann [92], que gera uma evolução temporal unitária. Já a interação com o banho está representada pelo segundo termo. O dissipador D[ρS] é da forma D[ρS] = X k  LkρSLk− 1 2{LkLk, ρS}  , (4.11)

onde o índice k fornece o número de operadores de Lindblad Lk atuando no sistema S.

As equações 4.10 e 4.11 são expressões gerais obtidas para sistemas que interagem com qualquer reservatório que gere uma dinâmica Markoviana. Nesse tipo de dinâmica o estado do sistema em um tempo futuro ρS depende somente do estado no tempo presente, não

dependendo da história de ρS(t0).

As considerações feitas até o momento sobre o reservatório foram as de que ele é muito grande em relação ao sistema de interesse e apresenta um contínuo de modos. As características, isto é, o tipo de reservatório, se é térmico, magnético ou de partículas, e como eles atuam no sistema são definidas pelos operadores de Lindblad.

No contexto de sistemas de muitos corpos em baixas dimensões, com o foco voltado para uma dimensão, esses reservatórios podem atuar ao longo de toda a cadeia, como se o sistema estivesse sido totalmente “mergulhado” no reservatório, ou atuar somente nas extremidades. Este último caso é um bom modelo para se estudar propriedades de transportes. Encontramos na literatura exemplos de reservatórios que trocam partículas, injetando e retirando partículas das cadeias [48], e até mesmo reservatórios magnéticos, que forçam os spins a terem uma certa polarização [54, 93].