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2.1 – INTRODUÇÃO E PLANO DO CAPÍTULO

No documento Juros na venda a prazo (páginas 42-46)

A doutrina com freqüência refere-se à noção de juros remuneratórios como proveito do capital emprestado, remuneração do capital no contexto de um contrato de mútuo, compensação devida ao credor pela privação do capital, ou aluguel do capital como bem resume a seguinte transcrição:

Denomina-se juro, embora seja sempre usado o termo no plural, o proveito tirado de um capital emprestado, ou ainda, a remuneração do capital, representando a prestação devida ao credor como compensação ou indenização pela temporária privação. (...) Ou ainda, como esclarece CARVALHO DE MENDONÇA: ‘o juro é o preço do uso do capital e um prêmio do risco que corre o credor’ (Doutrina e prática das obrigações, Editora Francisco Alves, vol. II, p. 78), de forma que, em última análise, o juro é o aluguel do dinheiro, como a renda, ou o aluguel é o preço do uso da coisa no contrato de locação (...) ‘A economia conceitua os juros como sendo a remuneração paga pelo tomador de um empréstimo perante o detentor do capital’ 51

A referência aos juros como remuneração do capital emprestado, embora seja uma aproximação da noção de juros remuneratórios, não é completa, pois há diversas outras situações em que há fluência de juros sem que haja empréstimo. Definir os juros como compensação também não traduz completamente o conceito, porquanto mais que uma compensação, o credor pressupostamente busca obter vantagem na operação, sendo que o termo “compensação”, por traduzir a idéia de equivalência, que não alberga o mencionado aspecto de vantagem pressuposta na operação.

51

RAMOS, P. A.; RAMOS, M. M. A. Juros nos Contratos Bancários. Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 18- 19.

A analogia sugerida na transcrição entre juros aluguel tem a virtude de revelar alguns aspectos da dívida de juros, como a relevância do período de tempo para sua estipulação, mas se mostra inadequada em vista da natureza fungível do dinheiro. Enquanto o objeto da locação permanece como propriedade do locador, nas dívidas de juros o credor não tem propriedade sobre o dinheiro. No caso específico do mútuo de dinheiro, o direito do credor à restituição não é real, mas pessoal tão somente. Em vista da não permanência da propriedade sobre o capital emprestado descabe também conceituar juros como remuneração do tomador ao detentor do capital, quer porque com o empréstimo o credor deixa de ser detentor do capital, quer porque, como dito, há diversas outras situações em que os juros remuneratórios se apresentam sem que se configure o empréstimo em sua modalidade mútuo.

Para que sejam abrangidas as diversas hipóteses em que os juros remuneratórios se apresentam, é necessário recorrer à noção de crédito de que se ocupou o primeiro capítulo deste estudo que, em linhas gerais, permite a fruição pelo creditado durante determinado período de tempo do poder de exercer direitos de cunho patrimonial no presente contra obrigação de pagamento futuro, direitos esses expressos em unidades monetárias. Dessa forma, pretende-se albergar tanto as hipóteses de imediato exercício de um direito de compra, por exemplo, com o diferimento do preço (crédito como elemento do negócio), quanto as hipóteses em que o creditado é investido da situação de liquidez e se torna apto a pagar o preço de qualquer bem ou serviço disponível.

A contribuição de Carvalho de Mendonça para esse tema contida na transcrição em comento destaca os juros como preço pelo uso do capital e orienta o estudo que se desenvolve nesse capítulo no sentido de identificar a noção de preço e de verificar as peculiaridades do objeto das relações em que os juros remuneratórios se podem apresentar, genericamente referido como “capital”.

A noção de preço colhe seu significado no conceito mais amplo de “prestação” ou, como será visto, de “contraprestação” se analisada a relação jurídica sob a ótica de quem pressupostamente tem a iniciativa no negócio, com a peculiaridade de que nos juros remuneratórios tanto o quantum de juros, quanto o crédito concedido a que se

referem são considerados em termos de moeda, de onde surge a possibilidade de expressar o equilíbrio contratual por meio da taxa de juros.

Para suportar a exposição acerca dos aspectos envolvendo os termos prestação, contraprestação, preço e, finalmente, juros, é necessário fazer referência aos contratos de intercâmbio, pois é nesse contexto que tais termos encontram significação. Tais contratos distinguem-se dos contratos de comunhão de escopo no que tange à posição dos interesses das partes. Enquanto nos de intercâmbio, como dito, os interesses são contrapostos (compra e venda, troca, aluguel, por ex.) e cada parte quer obter o máximo de vantagem, nos contratos de comunhão de escopo as partes visam um objetivo comum, como nos contratos de sociedade e parceria. A contraposição de interesses dos contratos de intercâmbio fornece importantes elementos da temática relativa ao equilíbrio contratual e a noção de equivalência que também merecem atenção, em vista das hipóteses de limitação dos juros remuneratórios e para orientar a análise da adequação das formas de cálculo que se apresentam para apurá-los.

Convém alertar que o debate sobre os juros chamados moratórios, devidos em razão da mora no cumprimento de obrigações, regulados pelos artigos 406 e 407 do CC 2002 é dissociado do tema relativo aos juros remuneratórios, razão porque não serão objeto de análise neste capítulo, mas no capítulo 4.2.

A despeito de os juros remuneratórios e moratórios resultarem da multiplicação de determinada soma monetária por uma taxa e serem proporcionais a um período de tempo, enquanto os juros remuneratórios têm caráter contraprestacional, resultam de um ajuste entre as partes relacionado com o uso do capital em meio a uma dação de crédito, os juros moratórios integram o conjunto de efeitos atribuídos pelo ordenamento jurídico a fim de desestimular a ilicitude:

“Os juros moratórios, convencionais ou legais, são aqueles que decorrem do descumprimento das obrigações e, mais frequentemente, do retardamento na restituição do capital ou do pagamento em dinheiro. Em verdade, além do retardamento no cumprimento da obrigação, surgem, ainda, do pagamento em outro lugar e por outra forma que não os convencionados. (…) Decorrem, portanto, da mora, ou seja, da imperfeição no cumprimento da obrigação, principalmente quanto ao

tempo, sem descartar o lugar e a forma convencionados,

independentemente da prova do dano”.52

Pretende-se ao longo do capítulo identificar as conseqüências de se considerar os juros remuneratórios como preço exigido pelo credor para a concessão do crédito, tendo em mente que é o crédito que investe o devedor na situação de liquidez que lhe permite exercer o poder de compra em que se traduz a titularidade de moeda ou, como no caso da venda a prazo, que lhe permite exercer direitos de cunho patrimonial sem pagamento imediato da contraprestação (crédito como elemento do negócio). Adicionalmente, enquanto o creditado se beneficia pela dação de crédito, o creditante se mantém privado do valor creditado exigindo, para tanto, uma contraprestação, do que resulta a contraposição de interesses que inclui os juros remuneratórios no contexto dos contratos de intercâmbio cujo estudo, por sua vez, orienta a análise das noções de equilíbrio contratual e da equivalência.

O primeiro título inicia-se com base nas lições de Rudolf von Jhering a respeito do funcionamento do que denomina “comercio jurídico” em que se realiza a circulação de bens e serviços na sociedade, para destacar a importância dos contratos de intercâmbio, que são pressuposto para o desenvolvimento dos pontos que se pretende destacar a respeito dos juros remuneratórios, em atenção à lição de Eros Grau, no sentido de que “é impossível penetrarmos o sentido de uma norma jurídica se não nos apropriarmos do conhecimento relacionado à matéria que nela se normatiza...”.53

52 SCAVONE Junior, Luiz Anonio. Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 95-96.

Em seguida, serão tecidas algumas considerações sobre noção de equivalência que pressupostamente se verifica nos contratos de intercâmbio e, por fim, sobre equilíbrio contratual, que servirá de suporte para a análise das questões envolvendo alegações de onerosidade excessiva e a interferência do judiciário para reequilibrar relações contratuais em que tal equilíbrio tenha sito eventualmente rompido.

No segundo título do capítulo os juros remuneratórios são conceituados como preço exigido pelo creditante para conceder o crédito, do que resulta a necessidade discorrer sobre o conceito de preço como contraprestação em um contrato de intercâmbio e a relevância da moeda nesse âmbito. Conceituado o preço em linhas gerais como contraprestação realizada em moeda para obtenção de determinada satisfação em um contrato de intercâmbio, passa-se a ressaltar os efeitos do crédito e as razões pelas quais o creditante pode exigir juros para concedê-lo para, então, tratar especificamente dos juros remuneratórios e dos elementos que integram a obrigação de pagar juros.

A possibilidade de expressar o equilíbrio nas relações envolvendo juros remuneratório por meio da taxa de juros é objeto do terceiro título, onde se comentará as diferentes formas de cálculo dos juros e a possibilidade de controle da onerosidade nesses casos. Também será discutida a proibição de cobrança de juros sobre juros, capitalização de juros e outros temas correlatos. Por fim, as considerações sobre a taxa de juros são inseridas na temática do equilíbrio contratual.

No documento Juros na venda a prazo (páginas 42-46)