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Introdução geral A “revolução nano”

1. Capítulo

1.1. Introdução geral A “revolução nano”

O interesse nas áreas de nanotecnologia e nanociência tem crescido nos últimos anos, prevendo-se ser um dos mercados mais atractivos e de mais rápido crescimento da história. O total de receitas mundiais para a nanotecnologia foi de cerca de 9.000 M€ em 2009 e é previsto um aumento até mais de 20.000 M€ até 2015, a uma taxa de crescimento anual de 11.1%, sendo o segmento de mercado mais significativo o dos nanomateriais, com cerca de 77% [1]. A União Europeia, no sétimo programa-quadro para a investigação científica e desenvolvimento tecnológico (FP7 - Seventh Framework

Programme for Research and Technological Development) para o período de 2007-2013,

prevê um investimento de cerca de 3.500 M€, valor que quase duplica o investimento do programa-quadro anterior (FP6), cujo orçamento para esta área foi de cerca de 1.700 M€. Em Portugal, a nanotecnologia é uma das áreas prioritárias de intervenção, do que resultou a inauguração do laboratório ibérico de nanotecnologia (INL) em Braga em 2008.

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Esta “revolução nano” já comparada por muitos especialistas à revolução industrial, traz consigo a promessa de novos e melhores produtos, em áreas estratégicas, como são a energia, medicina, informação, segurança, ambiente e indústria.

Um momento na história que tem sido apontado inúmeras vezes como o início desta “revolução nano”, é sem dúvida a palestra profética de Richard Feynman na reunião anual da Sociedade Americana de Física no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em 1959 [2]. Nesta palestra, intitulada “There's Plenty of Room at the Bottom”, Feynman discute a possibilidade de manipular a matéria na escala atómica e molecular e as consequências que poderiam daí surgir para o armazenamento de informação e síntese química, entre outras aplicações. As previsões de Feynman incluíram a miniaturização de dispositivos de armazenamento de informação, o desenvolvimento de microscópios mais poderosos em termos de resolução, entre outros, muito antes de estes avanços serem possíveis. Estas previsões não foram, no entanto, levavas a sério pelos contemporâneos de Feynman e o tema da nanotecnologia foi popularizado em 1981 por Eric Drexler com um artigo intitulado: “Molecular engineering: An approach to the development of general

capabilities for molecular manipulation” [3] e mais tarde em 1986 com a sua obra:

“Engines of Creation: The Coming Era of Nanotechnology” [4, 5].

Embora Feynman e Drexler tenham tido certamente um papel importante na popularização do tema nanotecnologia, a “revolução nano” não foi directamente influenciada pelas suas ideias. Esta revolução foi o resultado de um lento desenvolvimento tecnológico, para o qual contribuíram vários avanços tecnológicos desde o inicio do século vinte, dos quais seleccionamos alguns, nomeadamente: a descoberta e aperfeiçoamento dos microscópios electrónicos (de transmissão, TEM e de varrimento, SEM); o desenvolvimento do microscópio de Efeito Túnel (STM) e de força atómica (AFM), que forneceram o suporte para a caracterização das novas nanoestruturas; A primeira manipulação da matéria na escala atómica e passos importantes na síntese de nanomateriais, nomeadamente materiais semicondutores que abriram as portas para o estudo dos efeitos quânticos de dimensão.

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O desenvolvimento do microscópio electrónico de transmissão (TEM) deve-se ao trabalho do cientista alemão Ernst Ruska. O limite de observação dos microscópios ópticos convencionais, cuja resolução é limitada pela natureza ondulatória da luz, (o limite de resolução definido pelo critério de Rayleigh é de cerca de 240 nm) há muito tempo tinha sido atingido. Ruska foi pioneiro na utilização de um feixe de electrões para substituir a radiação visível em microscopia e na utilização de campos magnéticos para substituir os sistemas de focagem, criando o precursor do microscópio electrónico de transmissão em 1931 [6]. O trabalho de Ruska foi reconhecido em 1986 quando foi galardoado com o prémio Nobel da física, prémio esse que partilhou com os inventores do STM.

Figura 1.1. Na figura da esquerda, o primeiro microscópio electrónico de transmissão produzido em série pela Siemens em 1939; à direita: Uma das primeiras fotografias de microscopia electrónica de transmissão: A superfície da asa de uma mosca doméstica [6].

A invenção do Microscópio de Efeito Túnel (STM), cuja patente data de 1980, deu a Gerd Binnig e Heinrich Rohrer o prémio Nobel da física em 1986. No STM é possível formar uma imagem de átomos individuais e das ligações entre eles. Uma diferença de potencial é aplicada entre a superfície da amostra e uma ponta de prova bastante fina, que no limite será terminada num só átomo. Quando se aproxima da superfície a ponta de prova de uma distância na ordem do diâmetro atómico, cria-se uma corrente “tipo túnel” entre a ponta e a superfície. A ponta é então deslocada ao longo da superfície de forma a varrer

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uma determinada área, mantendo a distância à superfície constante, o que é conseguido mantendo a corrente constante entre a ponta e a superfície. O ajuste da posição vertical da ponta produz um mapa de contorno da superfície, que é tratado por computador para criar a imagem dos átomos (Figura 1.2) [7].

Figura 1.2. (a) Heinrich Rohrer e Gerd K. Binnig, cientistas do laboratório de pesquisa da IBM em Zurich, foram galardoados com o prémio Nobel da física em 1986, pelo seu trabalho no desenvolvimento do microscópio de efeito túnel (STM). (b) Uma das primeiras imagens obtidas por STM mostra átomos superficiais de silício com um aumento de 20 milhões de vezes [7].

A manipulação de átomos a partir de uma ferramenta criada pelo homem foi demonstrada pela primeira vez em Abril de 1990. Utilizando um STM, os cientistas da IBM manipularam 35 átomos de xénon, um átomo de cada vez de forma a “escrever” as iniciais I B M (Figura 1.3) [8].

Figura 1.3. Cientistas no IBM descobriram como posicionar átomos individuais numa superfície metálica utilizando um microscópio de efeito túnel (STM). Esta técnica foi demonstrada em Abril de 1990 e os cientistas escreveram pela primeira vez as iniciais I-B-M, um átomo de cada vez [7, 8].

No inicio dos anos 80 do século passado, Louis Brus nos laboratórios Bell (Estados Unidos) [9], Alexander Efros e Alexei I. Ekimov (na antiga União Soviética) [10-12], enquanto estudavam a preparação de partículas de CdS (sulfureto de cádmio) em solução [13] e de CuCl (cloreto de cobre) em matrizes de vidro [10], respectivamente, observaram que

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diferentes preparações do mesmo material semicondutor apresentavam espectros ópticos distintos. Este resultado evidenciava que as propriedades ópticas de nanocristais semicondutores eram não só diferentes dos materiais macrocristalinos mas também fortemente dependentes do tamanho de partícula. Esta descoberta é um exemplo da capacidade de modificar quimicamente as propriedades intrínsecas de um material manipulando o tamanho médio das partículas que o constituem.

Estas descobertas, entre outras, ajudaram a estabelecer a nanotecnologia como revolução tecnológica. Mas não podemos esquecer que nem tudo o que é “nano” é novo: muitas das tecnologias existentes utilizam processos a uma escala nanométrica; a catálise e a fotografia são exemplos bem conhecidos. A nossa capacidade de sintetizar, organizar e manipular certos materiais, a uma escala “nano”, é no entanto de origem recente [14].

Nanociência

A miniaturização não é o único atractivo deste novo “território nano”. De facto os primeiros investigadores encontraram um “fabuloso mundo novo”, onde a transição de tamanho para uma escala nanómetrica, que é característica de objectos com dimensões intermédias entre as moléculas e as partículas submicrométricas (tipicamente entre 1- 100 nm), leva ao aparecimento de propriedades singulares, diferentes das propriedades das moléculas e sólidos típicos – isto originou o aparecimento de um novo campo de conhecimento, denominado de “nanociência”. A interdisciplinaridade deste novo campo é muito importante, pois engloba a interacção de conceitos da Química, Física e Biologia, almejando o desenvolvimento de novos conhecimentos fundamentais [15].

A promessa “nano” em biotecnologia: a nanobiotecnologia.

“A biological system can be exceedingly small. Many of the cells are very tiny, but they are

very active; they manufacture various substances; they walk around; they wiggle; and they do all kinds of marvelous things---all on a very small scale. Also, they store information. Consider the possibility that we too can make a thing very small which does what we want---that we can manufacture an object that maneuvers at that level!” da

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que Feynman para prever as potencialidades da Nanotecnologia em aplicações biológicas. Os sistemas biológicos apresentam uma organização sistemática de estruturas e processos a uma escala nanométrica identificada por Feynman como exemplar para o desenvolvimento de novas nanoestruturas de dimensões comparáveis.

O progresso na criação destas nanoestruturas impulsionou o aparecimento de um vasto leque de novos materiais com um potencial impacto em medicina. Na Figura 1.4 são apresentados alguns exemplos de estruturas de dimensões submicrométricas de origem natural e são comparadas com alguns materiais criados pelo homem na mesma escala. O desenvolvimento de uma tecnologia a uma escala capaz de interagir com as estruturas biológicas guarda a promessa do desenvolvimento de novas técnicas e dispositivos de diagnóstico e tratamento. Os avanços tecnológicos nesta área da nanotecnologia levaram ao aparecimento de um novo ramo de conhecimento: a nanobiotecnologia [16].