Speciesism on tv: a abolitionist look at the program “Pelo mundo”
1. Introdução: a natureza da mídia
De acordo com Santos1 “ciência, tecnologia e informação são
a base da vida social atual, a nova cara do espaço e do tempo”. A informação, no mundo globalizado2 de hoje, chega até cada um
de nós pelos mais diversos meios de comunicação, alguns dos quais altamente sofisticados sob o ponto de vista técnico. Seja por meio das mensagens, seja pelo que é decorrente de sua pró- pria estrutura, os meios de comunicação influenciam de forma dramática a nossa relação com o entorno.
Diversos autores e cientistas têm destacado a enorme influ- ência que a tecnociência vem exercendo em nosso universo cul- tural. Santos3 comenta que “a técnica é a grande banalidade e o
grande enigma, e é como enigma que ela comanda nossa vida, nos impõe relações, modela nosso entorno, administra nossas relações com o entorno”.
Postman4 assinala que os usos de qualquer tecnologia são
determinados em parte pela estrutura da tecnologia em si. Em outras palavras, é a ideia de que o ‘meio é a mensagem’, como
vaticinou Marshall McLuahn. “Uma tecnologia nova não acres- centa nem subtrai coisa alguma. Ela muda tudo. No ano de 1500, cinqüenta anos depois da invenção da prensa tipográfica, nós não tínhamos a velha Europa mais a imprensa. Tínhamos uma Europa diferente. Depois da televisão, os Estados Unidos não eram a América mais a televisão; esta deu um novo colorido a cada campanha política, a cada lar, escola, igreja, ou indústria. É por esse motivo que a competição entre os meios de comuni- cação é tão feroz”. Postman acrescenta que “a televisão muda o que antes chamávamos de ‘debate político’, ‘notícia’ e ‘opi- nião pública’. Essas mudanças ocorrem com rapidez e, em certo sentido, em silêncio. A tecnologia se apodera imperiosamente de nossa terminologia mais importante. Ela redefine ‘liberdade, ‘verdade’, ‘inteligência’, ‘fato’, ‘sabedoria’, ‘memória’, ‘história’ -‐‑ todas as palavras com que convivemos”.5
Ramonet6, que dialoga no mesmo sentido, também destaca
que “entre os novos poderes o dos meios de comunicação de massas aparece como um dos mais poderosos e temíveis. Grupos industriais estão comprometidos em uma guerra de morte pelo controle dos recursos da multimídia e das superauto-‐‑estradas da informação. Esses grupos, mais poderosos do que os Estados, estão açambarcando o bem mais precioso das democracias: a informação”.
Os meios de comunicação de massa são o que Meadows cha- ma de esfera da informação, também denominada por outros de noosfera, socioesfera e tecnosfera. A autora destaca que, “em contraste com a hidrosfera, litosfera e biosfera, essa é a única esfera sobre a qual temos controle”. Meadows enfatiza a im- portância e a responsabilidade das palavras na esfera da infor- mação, pois elas podem manter as velhas estruturas ou afirmar novas, ou seja, a esfera da informação é o lugar de mudança do mundo, conclui ela.7
Santos é ainda mais contundente em sua opinião a respeito da mídia8. Ele nos ensina que “ela é o grande veículo do processo
pelo uso adequado de tantos e tão sofisticados recursos técnicos, a percepção é mutilada quando a mídia julga necessário captar a atenção através do sensacional e do medo”. Santos também nos fala da natureza-‐‑espetáculo que substitui a natureza histórica e da natureza ‘cibernética’ (ou ‘sintética’) que substitui a natureza analítica do passado. Para ele, tais substituições não apenas pro- movem a ocultação do significado da História, mas estabelecem uma dolorosa confusão entre sistemas técnicos, natureza, socie- dade, cultura e moral.9
Não existe neutralidade na seleção dos conteúdos que com- põem as notícias dos telejornais, matérias jornalísticas, publici- dade, ou programas de entretenimento, entre outros. A impar- cialidade – no sentido estrito do termo – é impossível mesmo no âmbito da educação formal escolar, embora muitos jornalistas e professores acreditem nisso10. Meadows11 cita bons exemplos,
na área ambiental, de como é impossível a neutralidade ou obje- tividade. Ela menciona que se ouve sobre “indústrias que criam empregos para trabalhadores”, mas não sobre “trabalhadores que geram lucros para as indústrias”. A questão da neutralida- de também fica muito prejudicada se pensarmos que manchetes como “Mamífero em extinção impede licença ambiental de em- preendimento” poderiam ser substituídas por “Ganância põe em risco últimos exemplares de espécie endêmica”. O fato pode ser o mesmo. Mas a forma como são relatados pode variar sobre- maneira. Nesse sentido, Friedman12 comenta que “um número
cada vez maior de pessoas está cobrando dos jornalistas que se tornem mais educadores do que provedores de informação”. As duas coisas, todavia, não andam separadas: em sendo provedo- res de informação já estão educando de uma forma ou de outra, pois conteúdos apenas “informativos” também formam.13
Ainda com relação à mídia, Meadows14 nos assevera que “ela
é orientada para eventos e superficial; não reporta a estrutura subjacente, contextos históricos ou implicações a longo prazo; simplifica as questões e tem pouca tolerância com a incerteza, ambigüidade ou complexidade. Além disso, adora conflito e
controvérsias e divide o mundo entre perdedores e vencedores e situações certas e erradas”. Quanto aos valores preconizados pela televisão, Condry15 observou, por meio de um estudo, que
existe uma predominância de valores egoístas e egocêntricos em detrimento dos valores altruístas. Embora tais considerações sejam relativas à problemática ambiental e à publicidade, res- pectivamente, elas são em geral válidas também na esfera das relações entre os humanos e os outros animais, como veremos em seguida.