• Nenhum resultado encontrado

Na descrição das primeiras atividades de desenvolvimento de tecnologias de foguete no Brasil será possível verificar, neste capítulo, que este artefato despertou interesse militar em diferentes épocas. No entanto, foi a partir do salto tecnológico obtido no início do século passado, possibilitando maior alcance e precisão destes artefatos, que os militares voltaram a se interessar pelo desenvolvimento de atividades na área. Observa-se, no entanto, que somente sob um esforço continuado de recurso e interesse por parte do governo, reunindo condições estruturantes, a consolidação, após décadas, de um programa espacial voltado, de um lado, para o domínio da tecnologia espacial para lançar vetores e satélites, e de outro, dedicado à pesquisa básica e aplicada, em diversos campos da ciência, fazendo uso de dados obtidos por sistemas espaciais.

Este primeiro passo foi relativamente bem sucedido, embora tenha ocorrido um grande atraso na qualificação do Veículo Lançador de Satélites (VLS), processo que ainda se encontra em curso. Os motivos alegados para este atraso são de ordem orçamentária, salários baixos de pessoal especializado e boicote internacional ao acesso de tecnologias sensíveis. No entanto, como esta dissertação procura defender, o programa espacial vem sofrendo tal defasagem também por fatores de ordem política. Até os anos 50, as atividades espaciais no Brasil eram voltadas basicamente ao desenvolvimento de foguetes. Os militares, dentro das três forças armadas, compreendiam o único segmento social com interesse no setor e concebiam que os foguetes deveriam estar sob a responsabilidade da entidade castrense. Quando a pesquisa espacial iniciou-se no País, nos idos dos anos 60, sob perspectiva civil, a Aeronáutica ainda não havia se organizado internamente para iniciar os desenvolvimentos tecnológicos para o setor, tendo se voltado mais ao campo aeronáutico.

A pesquisa espacial básica e aplicada passou a ser, então, área de atuação de uma instituição civil, a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), embora esta tivesse sido criada em parte por militares, em área militar, mas subordinada ao então Conselho de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq). Neste início de atividades, os próprios militares da Aeronáutica,

diante da possibilidade de absorver tais pesquisas, defenderam que estas deveriam ser de natureza civil, devido à dificuldade que teriam para obter recursos. No entanto, com o passar do tempo, iniciativas assumidas pela CNAE passaram a desagradar os militares da Aeronáutica. Os conflitos baseavam-se nas diferentes prioridades dadas por militares e civis às atividades espaciais: os primeiros atribuindo caráter militar e os segundos, natureza científica, especificamente para o lançamento de foguetes e preparação de cargas úteis. As divergências aumentaram significativamente ao longo dos anos 60, a ponto de os militares ambicionarem a absorção das atividades civis.

Em 1968, o Conselho de Segurança Nacional (CSN) passou a contemplar os diversos problemas de coordenação das atividades espaciais e iniciou um processo que levaria à instituição da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE). Os trabalhos do CSN implicaram também a concepção da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE), do Instituto de Pesquisa Espacial (INPE) e do Instituto de Atividades Espaciais (IAE). A proposta de uma PNDAE teria surgido por iniciativa da CNAE, que, no final dos anos 60, já havia conquistado renome internacional. Para o então diretor da CNAE, Fernando de Mendonça, a criação de uma entidade que reuniria representantes de diversos ministérios, na coordenação das atividades espaciais, conteria o ímpeto da Aeronáutica. A iniciativa para a criação da COBAE teria partido, portanto, da CNAE, que elaborou um documento disciplinando a área, definindo-a como a instituição coordenadora do setor.

No entanto, a COBAE, ao ser instituída, ganhou a presidência do ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), entidade militar que reunia representantes das três forças singulares. Nesta composição, o desejo dos militares da Aeronáutica de absorver a CNAE foi contido em definitivo. Qualquer assunto relacionado à área passaria pela avaliação de uma entidade de múltiplos perfis e peso político, cuja presidência era renovada a cada dois anos, de acordo com o rodízio do EMFA, mas que naquele período vinha predominando indicações do Exército.

A criação da COBAE instituiu a centralização do comando das atividades espaciais nas mãos dos militares, mas não conferiu maiores poderes à Aeronáutica, que era uma das principais forças singulares no desenvolvimento das atividades do setor. A iniciativa, como conseqüência, freou os militares do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) 1 em suas pretensões e poupou a

1

administração da CNAE. A estratégia da CNAE teria funcionado por alguns anos, pois a COBAE consolidaria a sua autoridade sobre as instituições científicas do setor em alguns anos. No entanto, as divergências entre civis e militares permaneceriam presentes ainda, como se verá nos capítulos seguintes. Neste capítulo, mais do que uma mera preocupação com uma descrição histórica da institucionalização do setor, buscou-se identificar e demarcar os pontos focais das divergências entre civis e militares. A história das instituições espaciais e o perfil de suas atividades tornaram-se imprescindíveis para mapear, mesmo que superficialmente, as diferentes mentalidades e perspectivas por trás destas instituições quando projetavam a política para o setor. Os conflitos de interesses basearam-se sempre nas distintas prioridades dadas às atividades espaciais e se expressaram nos diferentes momentos históricos do programa espacial. Durante o período dos governos militares, as disputas tenderam para soluções que privilegiaram os objetivos e a visão militar. Mas, com o fim da ditadura, o que era um conflito civil-militar de âmbito interinstitucional, ganhou nova dimensão. Os desdobramentos deste tema serão abordados nos próximos capítulos. Deter-se-á aqui aos primórdios das atividades espaciais no mundo e no Brasil.