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4. PROPRIEDADES MECÂNICAS E PROCESSOS DE FRATURA DA

4.1. INTRODUÇÃO

A grafite é o exemplo típico mais conhecido de cristal lamelar, sendo uma forma cristalina do carbono. A estrutura da grafite é altamente ordenada com átomos de carbono dispostos em estrutura hexagonal plana formando lamelas sobrepostas, separadas entre si por uma distância que é cerca de 2,5 vezes maior que a distância entre dois átomos adjacentes de uma mesma lamela [23].

As hibridizações formadas pelos átomos de carbono são constituídas por combinações lineares das funções de onda dos átomos isolados (s, px, py e pz), em direções bem determinadas [84]. Na situação de hibridização sp2 três dos quatros elétrons de valência em cada átomo de carbono que formam uma mesma lamela são usados para produzir as ligações σ com os três vizinhos mais próximos, resultado de uma combinação linear dos estados s, px e py, com ângulos de 120° entre cada ligação. As ligações σ entre os átomos de carbono que formam uma mesma lamela é do tipo covalente, quimicamente mais forte do que a existente entre lamelas adjacentes. Além dessas, o orbital pz forma ligações fracas π (tipo van der Waals) com o orbital pz adjacente, as quais são perpendiculares ao plano formado pelas ligações σ. O elétron livre de valência que restou, compõe uma nuvem eletrônica que proporciona a grafite uma alta condutividade elétrica.

O coeficiente de condutividade elétrica da grafite é 1 × 104 (Ω.cm)-1 paralelo ao plano das lamelas e 250 (Ω.cm)-1 perpendicular ao plano das lamelas [23, 84, 88].

As ligações fracas π do tipo van der Waals entre as lamelas fazem com que as mesmas deslizem com muita facilidade uma sobre as outras por clivagem, e são responsáveis pela baixa dureza e propriedades lubrificantes da grafite [88]. A possibilidade de um material lamelar ser susceptível à intercalação por outros elementos ou compostos, gerando, por exemplo, os nanocompósitos, abre um campo interessante de aplicações industriais [6]. O processo de intercalação pode produzir mudanças significativas nas propriedades intrínsecas do cristal lamelar hospedeiro, tais como supercondutividade, transporte iônico e molecular, e nas propriedades mecânicas e tribológicas [89].

A Figura 4.1 apresenta a estrutura cristalina hexagonal da grafite, que possui os parâmetros de rede da célula unitária: a = 2,4560 Å, b = 2,4560 Å, c = 6,6960 Å, α = 90º, β = 90°, γ = 120° [90]. O espaçamento entre as ligações C-C no plano hexagonal é de 1,415 Å (ligações forte) e o espaçamento entre os planos é de 3,354 Å (ligações fracas) [88,91].

Figura 4.1 – Representação esquemática da estrutura cristalina da grafite. O plano de clivagem é perpendicular a c [23].

A grafite apresenta propriedades físicas e químicas que diferem significativamente de outros tipos de materiais cristalinos. Alguns trabalhos investigaram as propriedades mecânicas da grafite obtidas por testes de indentação na direção normal ao plano basal (monocristal). Esses trabalhos serão revisados a seguir para auxiliar nas discussões dos resultados.

Alexandre Mikowski – Tese de Doutorado – Capítulo 4 – Propriedades Mecânicas e Processos de Fratura da Grafite

39 Gupta e colaboradores (1992) [19] estudaram a resistência à penetração de revestimentos da grafite com espessuras de 250 a 500 nm depositados sobre substratos de silício e submetidos a bombardeamento com íons de Ar a uma dosagem de 1014 a 1016 íons cm-2 de 200 keV. Esses resultados demonstraram um aumento na resistência à penetração do indentador no revestimento bombardeado quando comparado com o revestimento normal (grafite depositado sobre silício). Pela técnica de microscopia eletrônica de transmissão, a amorfização do revestimento foi confirmada e esta é a causa para o aumento na resistência. Este trabalho não cita a ponta utilizada e nem a condição de carregamento.

Field e Swain (1996) [20] estudaram os processos de deformação na grafite pirolítico quando submetido aos ensaios de indentação com o uso de indentador esférico de raio de 10 µm. A grafite apresentou recuperação elástica com significante histerese no diagrama de carregamento-descarregamento, para uma carga máxima de 10 mN.

Kanari e colaboradores (1997) [21] estimaram o módulo de elasticidade da grafite em 10,7 ± 4,6 GPa a partir dos dados de rigidez elástica. Os testes de indentação instrumentada foram realizados com a ponta Berkovich e cargas aplicadas de 1 mN.

Richter e colaboradores (2000) [22] estimaram o módulo de elasticidade da grafite em 10,5 GPa, e observaram uma região predominantemente elástica no início da curva de carregamento para carga inferiores a 1 mN, antecedendo a ocorrência de eventos de fratura. Simulações numéricas da estrutura lamelar da grafite foram efetuadas para analisar o comportamento elástico e observar a distorção dos átomos de carbono abaixo da ponta piramidal, quando submetido a uma carga de 98 nN conforme apresentado na Figura 4.2. O modelo numérico é composto por 93.636 átomos de carbono.

Veiga (2001) [23] realizou testes de indentação instrumentada na grafite utilizando a ponta Berkovich para uma carga máxima de 5 mN, e observou uma regime elástico antes da ocorrência do primeiro evento de fratura (carga inferior a 1 mN). Os resultados desse estudo foram: dureza (HIT) variando de 0,5 a 3,2 GPa, módulo de elasticidade (EIT) variando de 6 a 14 GPa, coeficiente de restituição elástica (Ce) igual a 0,39 (para 5 mN) e parâmetro de correção do empilhamento (φ) igual 1,05 (para 10 mN). O valor da dureza deve ser corrigido dividindo-se o valor obtido por φ2 e o valor do módulo de elasticidade, por φ.

Figura 4.2 – Imagem de simulação numérica mostrando a distorção da rede cristalina da estrutura lamelar da grafite submetida a teste de indentação. Figura ilustrativa e adaptada de Richter e colaboradores [22].

Sakai e Nakano (2003) [24] verificaram a dependência da geometria do indentador na curva de carregamento-descarregamento (P vs. h), considerando um valor de carga máxima constante. Diferentes comportamentos dos mecanismos de elasticidade e plasticidade na curvas P vs. h foram verificados para pontas piramidais e esféricas de diferentes ângulos (face da ponta com a superfície da amostra) e raios respectivamente. No caso das pontas piramidais, para carga máxima aplicada inferior a 2 mN foi verificada histerese no diagrama P1/2 vs. h a qual está relacionada, segundo os autores, com a mobilidade reversível (parcial ou total) de discordâncias no plano basal.

Barsoum e colaboradores (2004) [26,27] investigaram os processos de deformação elasto-plástica na grafite, quando submetido ao ensaio de indentação instrumentada com o uso de indentadores esférico e piramidal (ponta Berkovich). Nesse trabalho foi efetuada a confirmação experimental do modelo bidimensional de Frank e Stroh [92], correspondente à tensão crítica para a geração e mobilidade de discordâncias, o qual é esquematizado na Figura 4.3. Na parte (a), a seta indica o círculo que contém a formação de pares de discordâncias através dos planos basais, e que são formados em uma tensão de cisalhamento igual a 0,17 GPa. Neste estágio o diagrama elástico não-linear P vs. h é reversível. Na parte (b), ocorre um amolecimento da grafite devido à mobilidade de discordâncias, num valor de tensão aproximado de 0,55 GPa e também pode ocorrer a ruptura dos planos basais (fratura de lamelas) perpendicularmente à direção de aplicação de carga. Em (c), com o descarregamento do indentador, ocorre o alívio das tensões mecânicas e a formação de delaminação interlamelar. O volume micro-fraturado indica a

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41 ocorrência de ruptura de ligações fracas π (tipo van der Waals). Recarregando o indentador na mesma posição e sob as mesmas condições de carga, o estágio comentado na parte (a) é repetido.

Figura 4.3 – Representação esquemática do modelo de Frank e Stroh [93]. Em (a) formação dos pares de discordâncias, em (b) ruptura dos planos basais e em (c) formação de delaminação interlamelar. Figura ilustrativa e adaptada de Murugaiah [25].

Eventos de fratura (chamados de “pop-ins”) foram detectados nas curvas de carregamento utilizando a ponta Berkovich e a interpretação para a fratura de lamelas na direção da aplicação da carga foi feita através de mecanismos de mobilidade de discordâncias. Delaminações entre as lamelas foram observadas nas impressões residuais das indentações através de imagens de microscopia eletrônica de varredura.

Com base nos trabalhos descritos na literatura, o objetivo deste capítulo foi estudar as propriedades mecânicas e os processos de fratura da grafite pirolítico altamente ordenado (HOPG) na direção normal ao plano basal, utilizando a técnica de indentação instrumentada, e com diferentes geometrias de pontas (piramidais, esféricas e plana). As limitações do método de Oliver e Pharr [11,93] para a determinação dos valores das propriedades mecânicas de materiais lamelares por indentação instrumentada serão

investigados. Os resultados obtidos serão discutidos conforme os mecanismos de plasticidade e fratura exibidos pela grafite, quando submetido a um teste de indentação.