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Muitos são os fatores que fazem da revista Recreio um dos principais meios de comunicação impressos destinados ao público infantil brasileiro: a tradição que a editora Abril e que a própria publicação têm nesse ramo, visto que a origem desta remonta à década de 1960; o alcance nacional de sua tiragem, o que é uma limitação para muitos outros impressos infantis; e as características de um conteúdo que classificamos como jornalismo infantil, o que ainda é pouco praticado e aperfeiçoado pelos veículos de comunicação para crianças do Brasil em geral.

Diante do interesse em estudar produtos midiáticos voltados para as crianças, do contato prévio estabelecido com a revista em questão como leitor durante a infância, e da observação relevante de que ela permanece como uma das poucas opções de conteúdo informativo para esse público no mercado editorial, optou-se por pesquisar sobre essa publicação, levando em consideração sobretudo o olhar dos leitores a respeito dela.

Esta monografia lança luz sobre a mídia infantil por meio de um estudo da relação estabelecida entre a Recreio e o público leitor. No entanto, ao investigar sobre o jornalismo infantil e outras questões referentes à comunicação direcionada para crianças, como a educação e o consumo, chamou-nos a atenção a essência lúdica que parece estar presente nos mais variados produtos desse segmento midiático peculiar.

Ao conhecer mais a fundo a revista, uma palavra nos pareceu muito forte para compreendê-la. Uma publicação que é vendida acompanhada de um brinquedo como brinde, que já transformou suas páginas em brinquedos de papel para montar e que já foi chamada de

“A Revista Brinquedo” em slogan da década de 1970 poderia então ser estudada numa analogia com esse objeto lúdico? É isto que interessa à nossa pesquisa: investigar em que medida a Recreio representa um brinquedo para a criança.

O principal objetivo do trabalho é discutir a relação entre as formas de utilização da mídia infantil pelas crianças e a experiência lúdica vivida por elas no ato de brincar por meio de uma analogia entre a revista Recreio e o brinquedo, enquanto conceito. Para isso, propomos ainda uma classificação do conteúdo da revista a partir de categorias e gêneros jornalísticos, uma reflexão sobre a possibilidade de existir uma “função educativa” nesse conteúdo e uma crítica aos fatores de estímulo ao consumo nesses produtos, que não deixam de ser industrializados e de servir a interesses mercadológicos.

No capítulo intitulado Mídia especializada para crianças, é discutida uma série de questões que tocam a relação dos meios de comunicação infantis com seu público. Um

panorama histórico da mídia impressa infantil no Brasil é inicialmente apresentado, elencando as publicações de destaque, como livros, revistas, jornais e gibis, e tratando da sua relação com outros meios também acessados por crianças, sobretudo os audiovisuais, como a televisão e a Internet. É nesse contexto que entra a importância da revista Recreio como uma das principais revistas infantis brasileiras. Sua história é contada a partir das considerações de Ligia Stella Baptista Correia (2010), e nossa observação das edições dos últimos anos nos permitem identificar algumas características próprias da publicação. Aprofundando a revisão bibliográfica, fazemos algumas considerações sobre o conteúdo da revista a partir dos pressupostos, das categorias e dos gêneros jornalísticos propostos por José Marques de Melo (1985) e a partir do conceito de infotenimento, de Fábia Angélica Dejavite (2008), que já antecipa a discussão sobre o aspecto lúdico na revista. Em seguida, é discutida a possibilidade de uma “função educativa” nos meios de comunicação, especialmente a partir da perspectiva de Paulo Freire (1996) sobre educação e do conceito de informação segundo Patrick Charaudeau (2007). Por fim, são apresentadas algumas questões que relacionam os meios de comunicação ao consumo, especialmente na interferência da publicidade e do marketing sobre uma mídia infantil como a Recreio, que também é um produto destinado a um público consumidor segmentado.

Já no capítulo Os sentidos do brincar, é ressaltada a presença do lúdico nas culturas infantis. Primeiramente é feita a distinção entre o jogar e o brincar, destacando neste uma prática essencialmente infantil. Em seguida, são discutidas as características do brincar de acordo com as perspectivas de vários autores: Johan Huizinga (2000), Roger Callois (apud VASCONCELOS, 2005), William Corsaro (apud OLIVEIRA; ROSSETTI-FERREIRA, 2009), Walter Benjamin (2002), Manuel Jacinto Sarmento (2004), entre outros. A abordagem parte então para especificar as questões em torno do conceito de brinquedo, proposto por Gilles Brougère (1997), em contraposição ao conceito de jogo, e por Esteban Levin (2007), na distinção entre o brinquedo tradicional e o moderno. Ao relacionar o brincar com a educação, refletimos sobre uma ideia compartilhada por vários autores, segundo a qual a brincadeira proporciona o desenvolvimento à criança, ao mesmo tempo em que criticamos a utilização de um discurso lúdico unicamente a serviço de “princípios pedagógicos”. Quanto à abordagem sobre o consumo, ele é tratado sob a perspectiva de Jean Baudrillard (1995), que o considera como um conjunto de práticas sociais determinadas pelo sistema de produção. Além disso, são apresentadas críticas tanto aos estímulos ao consumismo na infância quanto à subordinação dos brinquedos modernos às lógicas de mercado e às funções de consumo.

Em A Revista Brinquedo, o conteúdo trata das escolhas metodológicas para a coleta de dados e a análise e, em seguida, apresenta a própria análise das entrevistas realizadas com doze crianças leitoras de uma escola particular de Fortaleza. A escolha pela realização de entrevistas individuais e de grupos focais deu-se como estratégia para ouvir as crianças e não restringir o trabalho apenas às concepções adultas a respeito delas, além de identificar, nas falas, os aspectos subjetivos que identifiquem as significações estabelecidas por elas em relação à revista, para saber se elas se relacionam com a Recreio de forma análoga a um brinquedo. A metodologia de análise é baseada sobretudo no modelo proposto por Edmir Perrotti (2008), segundo o qual é de fundamental importância identificar a mediação de um produto cultural com o público por meio de suas significações.

Propomos, com este trabalho, principalmente uma reflexão a respeito de dois assuntos de destaque, relacionados à infância: os sentidos da mídia especializada para crianças, que é, muitas vezes, produzida sem levar em consideração as necessidades reais delas e consumida pelo público sem uma devida orientação; e a importância do brincar para a cultura e para o desenvolvimento infantil, prática que tem sido cada vez mais subordinada aos interesses de mercado mas que precisa retornar ao controle das próprias crianças para resgatar a liberdade de significações que é tão favorável a elas.

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