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O uso de substâncias psicoativas (SPA) é uma prática antiga e universal,

presente em diversos contextos sociais e culturais. Ao longo do tempo, a motivação

para o consumo variou de maneira significativa, apresentando distintos propósitos.

Atualmente, se apresenta com características singulares, ocasionando inúmeras

vulnerabilidades individuais, sociais e comunitárias. (BRASIL, 2015a; SADOCK;

SADOCK; RUIZ, 2017).

A mudança da motivação do consumo tem sido ocasionada por diversos

fatores, entre eles, o de natureza ecológica e cultural. No que se refere à primeira, as

SPA, de origem botânica em geral, permaneciam concentradas em determinados

nichos, como a papoula na Ásia e a coca na América, o que dificultava a identificação

de determinados padrões de consumo. No entanto, com o advento das grandes

navegações no século XVI, as SPA passaram a ter valor comercial e, por sua vez,

houve uma disseminação mundial, que se agrava ainda mais com a globalização.

(SIQUEIRA, 2016).

Já do ponto de vista cultural, historicamente essas substâncias eram

utilizadas em rituais religiosos, sendo, mais tarde, proibidas por estarem associadas

a um estado de prazer considerado grave pecado pelas igrejas. Somente no século

XX o envolvimento problemático com as SPA foi reconhecido como uma especialidade

psiquiátrica, recebendo categoria diagnóstica na Classificação Internacional de

Doenças (CID) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). (SIQUEIRA, 2016).

De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders em

sua quinta edição (DSM V), os transtornos relacionados a substância se caracterizam

por um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, que

indicam o uso contínuo pelo indivíduo, ainda que tal atitude resulte em problemas

significativos relacionados à substância. (APA, 2014).

Trata-se de um processo no qual múltiplos fatores interagem e influenciam o

comportamento do indivíduo e ocorre prejuízo da percepção sobre decisões em

decorrência do consumo da substância. Entretanto, deve-se considerar que nem

todos os indivíduos acometidos por transtornos relacionados a substâncias

experimentam os efeitos e as consequências de maneira similar, ou que são

motivados pelo mesmo conjunto de fatores. (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017).

Deste modo, para estabelecer o diagnóstico, o DSM V elenca 11 critérios

reunidos em quatro áreas de avaliação distintas, sendo que os quatro primeiros se

referem ao baixo controle do indivíduo sobre o uso da substância, sendo eles:

1) O indivíduo pode consumir a substância em quantidades maiores ou ao longo de um período maior de tempo do que pretendido originalmente, 2) O indivíduo pode expressar um desejo persistente de reduzir ou regular o uso da substância e pode relatar vários esforços mal-sucedidos para diminuir ou descontinuar o uso, 3) O indivíduo pode gastar muito tempo para obter a substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos e 4) A fissura se manifesta por meio de um desejo ou necessidade intensos de usar a droga, que podem ocorrer a qualquer momento, mas com maior probabilidade quando em um ambiente em que a droga foi obtida ou usada anteriormente. (APA, 2014, p. 483).

O segundo grupo, composto pelos critérios de 5 a 7, se refere ao prejuízo que

acarreta no convívio em sociedade e no cumprimento das atividades da vida, como

na área familiar, escolar, laboral e social.

5) O uso recorrente de substâncias pode resultar no fracasso em cumprir as principais obrigações no trabalho, na escola ou no lar, 6) O indivíduo pode continuar o uso da substância apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados por seus efeitos e 7) Atividades importantes de natureza social, profissional ou recreativa podem ser abandonadas ou reduzidas devido ao uso da substância. (APA, 2014, p. 483).

O terceiro grupo de critérios se refere ao uso arriscado da substância para a

sua saúde, sendo eles:

8) Pode tomar a forma de uso recorrente da substância em situações que envolvem risco à integridade física e 9) O indivíduo pode continuar o uso apesar de estar ciente de apresentar um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que, provavelmente, tenha sido causado ou exacerbado pela substância. (APA, 2014, p. 483).

Por último, o grupo de critérios denominado farmacológicos, sendo:

10) A tolerância sinalizada quando uma dose acentuadamente maior da substância é necessária para obter o efeito desejado ou quando um efeito acentuadamente reduzido é obtido após o consumo da dose habitual e 11) A abstinência é uma síndrome que ocorre quando as concentrações de uma substância no sangue ou nos tecidos diminuem em um indivíduo que manteve uso intenso prolongado. (APA, 2014, p. 484).

Os critérios anteriormente descritos são necessariamente fundamentados em

um padrão patológico de comportamento relacionado ao uso e considerado leve

quando o indivíduo apresentar dois ou três dos 11 critérios, moderado, com quatro ou

cinco e grave, com mais de seis critérios no período de um ano. (APA, 2014). A

questão fundamental a ser avaliada com tais critérios é o fracasso que o indivíduo

apresenta ao se abster do uso da substância, não a existência de problemas e

sintomas, embora esses também sejam evidenciados. (APA, 2014).

Os principais neurotransmissores envolvidos no desenvolvimento dos

transtornos relacionados a substâncias são os sistemas opioides de catecolamina (em

especial a dopamina) e o ácido Gama-aminobutírico (GABA). Tais neurotransmissores

se projetam para as regiões corticais e límbicas, em destaque para o nucleus

accumbens e locus cerules, vias que coletivamente representam o Sistema de

Recompensa Cerebral (SRC). (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017).

Portanto, fundamentalmente, todas as substâncias psicoativas quando

consumidas, mesmo que apresentem mecanismos farmacológicos distintos, têm em

comum a ativação SRC e, consequentemente, a sensação de prazer. Fato que

associado a fatores ambientais, genéticos e psicológicos propiciam a repetição do uso

e o desenvolvimento da dependência. (APA, 2014; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017).

Destarte, os transtornos relacionados a substâncias constituem um fenômeno

complexo, global, que ultrapassam aspectos biológicos, afetando a população de

todas as faixas etárias e etnias. Está intimamente relacionado ao meio em que o

indivíduo está inserido, entendido etimologicamente como multifatorial, sendo

considerado um dos mais graves problemas de saúde pública em decorrência do

aumento da prevalência. (BRASIL, 2015a; SIQUEIRA, 2016).

Atualmente estima-se que, 275 milhões de pessoas usam SPA,

correspondendo a cerca de 5,6% da população mundial com idade entre 15 e 64 anos.

Dessas pessoas, em torno de 35 milhões têm transtornos relacionados a substâncias

das quais necessitam de tratamento. (WHO, 2017; UNODC, 2019).

De acordo com o último Relatório Mundial sobre Drogas, da United Nations

Office on Drugs and Crime (UNODC), os opioides são as substâncias que causam

maior impacto negativo sobre a saúde. (UNODC, 2019).

No Brasil, os últimos dados epidemiológicos são do II Levantamento Nacional

de Álcool e Drogas (LENAD), elaborado pelo Instituto Nacional de Ciência e

Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras drogas (INPAD) o qual expõe

que os transtornos relacionados ao uso de álcool alcançam 14,11% da população

adulta e, quanto às substâncias ilícitas, cerca 3,3 milhões de pessoas. Neste

levantamento é possível identificar a cocaína como a substância de maior impacto

negativo na sociedade brasileira, e seu consumo, seja inalado (crack) ou aspirado

(pó), atinge quase 800 mil pessoas. (UNIFESP, 2014).

Vale destacar que esses dados epidemiológicos brasileiros são referentes ao

ano de 2012, e apesar de defasados, representam um quantitativo atual, haja vista

que o relatório da UNODC considera uma estabilidade no consumo nos últimos seis

anos. (UNODC, 2019). Entretanto, é importante ponderar que esses números são

referentes a pessoas em domicílio, sendo excluídas aquelas em situação de rua, o

que sugere um quantitativo ainda maior.

Deste modo, os números elevados de consumidores de SPA representam um

alerta para o governo e para a sociedade, haja vista que mostra a evolução do

consumo de drogas e a dimensão do seu impacto negativo sobre a sociedade, pois

milhares de pessoas são afetadas direta e indiretamente, gerando prejuízos sociais e

econômicos. (UNODC, 2019). Portanto, torna-se necessária a elaboração de políticas

públicas mais eficazes para o enfrentamento dessa problemática, buscando minimizar

as consequências e os possíveis agravos. (BRASIL, 2015a; SIQUEIRA, 2016).

Políticas públicas direcionadas a questões relacionadas a drogas tiveram

início no Brasil no final do século XX, influenciadas por convenções internacionais

fomentadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Desde então, elas

passaram por diversas propostas, marcadas essencialmente pela criminalização,

exclusão do usuário de SPA e intervenções repressivas, em que não eram feitas

distinções entre tráfico e uso. (BRASIL, 2015a).

Não obstante, a partir da década de 1970, houve os primeiros avanços no

entendimento desta problemática, considerando, a partir de então, a prevenção, a

recuperação e a reinserção do usuário na sociedade. Entretanto, somente em 1990

ocorreram mudanças significativas no cenário político brasileiro, adjacentes ao

movimento humanitário da Reforma Psiquiatria Brasileira com o entendimento de que

as intervenções no campo das SPA deveriam ser pautadas em serviços com base na

comunidade e no protagonismo do indivíduo. (BRASIL, 2015a.)

Apesar do importante avanço, somente no ano de 2003 o Ministério da Saúde

estabeleceu a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas,

proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o

modelo assistencial em saúde mental’, as diretrizes da Reforma Sanitária, da Reforma

Psiquiátrica e do Sistema Único de Saúde (SUS). (BRASIL, 2015a).

Desde então, diversas portarias e decretos vêm sendo publicados com a

finalidade de criar parâmetros para a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool

e outras Drogas. Entre essas portarias, destaca-se a Portaria n° 3.088, de 23 de

dezembro de 2011 e a 3.588 de 21 de dezembro de 2017, que institui a Rede de

Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental, com

necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas no âmbito do SUS.

(BRASIL, 2011; BRASIL, 2015a; BRASIL, 2017).

A RAPS tem a finalidade de ampliar e promover o acesso à atenção

psicossocial das pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso de crack,

álcool e outras drogas e familiares aos pontos de atenção e garantir a articulação

desses pontos no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do

acompanhamento contínuo e da atenção às urgências. (BRASIL, 2011).

Para tanto, conta com os seguintes componentes da atenção básica em

saúde: 1) Unidade Básica de Saúde (UBS); 2) equipe de atenção básica para

populações específicas, sendo equipe de consultório na rua e equipe de apoio aos

serviços de componente de Atenção Residencial de Caráter Transitório; e os 3)

Centros de Convivência. (BRASIL, 2011).

Na atenção psicossocial, os pontos de atenção são destacados pela equipe

Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental/Unidades Ambulatoriais

Especializadas e pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferentes

modalidades, podendo ser CAPS I, II, III, AD, AD III, AD IV e i. (BRASIL, 2011;

BRASIL, 2017).

Os CAPS atendem pessoas com transtornos mentais graves e persistentes

no território, em regime intensivo, semi-intensivo e não intensivo. São constituídos por

uma equipe multiprofissional que deve atuar em uma ótica interdisciplinar. O cuidado

nesses serviços é ofertado, prioritariamente, em espaços coletivos como grupos,

assembleias e reuniões de equipe, cujo trabalho deve ser articulado com os demais

pontos de atenção da rede psicossocial e com as outras redes de atenção à saúde,

educação e entre outros. (BRASIL, 2011).

Outros componentes da RAPS referem-se aos de urgência e emergência,

sendo os pontos de atenção compostos pelo Serviço de Atendimento Móvel de

Urgência (SAMU), Sala de Estabilização, Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24

horas, portas hospitalares de atenção à urgência, pronto socorro; e entre outros.

(BRASIL, 2011).

Ainda tem-se na RAPS a atenção residencial de caráter transitório, formada

pelos seguintes pontos de atenção: Unidade de Recolhimento, Serviços de Atenção

em Regime Residencial, atenção hospitalar, formada pela enfermaria especializada

em Hospital Geral, serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com

sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,

álcool e outras drogas, Unidade de Referência Especializada em Hospital Geral;

Hospital Psiquiátrico Especializado; Hospital dia; e, por fim, as estratégias de

desinstitucionalização, formadas pelos Serviços Residenciais Terapêuticos. (BRASIL,

2011; BRASIL, 2017).

Em consonância com os diferentes dispositivos supracitados, bem como, com

as recomendações da OMS, entende-se que o cuidado a pessoas com transtornos

relacionados a substâncias e familiares deve ser considerado tendo em vista a

realidade em que o indivíduo está inserido, valorizando suas demandas e sua

singularidade. Para tanto, é necessário o fortalecimento da RAPS com destaque para

a oferta do tratamento na Atenção Primária à Saúde (APS) como também ações de

saúde mental no contexto comunitário. (BRASIL, 2011; SIQUEIRA, 2016).

De acordo com Siqueira (2016) o tratamento individualizado a pessoas com

transtornos relacionados a substâncias deve ser pautado em intervenções

intersetoriais e multiprofissionais com ações voltadas à pessoa, ao sofrimento e ao

cuidado. Assim, para que o tratamento seja efetivo, ele deve atender as suas

necessidades de forma singular, englobando diferentes modalidades terapêuticas,

entre elas a medicamentosa. (BRASIL, 2011; SIQUEIRA, 2016).

A terapêutica medicamentosa configura-se como um recurso que visa

restaurar o equilíbrio das funções psíquicas e, consequentemente, o comportamento

da pessoa com transtornos mentais, incluindo os relacionados a substâncias. Com

esta modalidade, busca-se controlar os sintomas agudos, favorecendo a redução ou

cessação do consumo da SPA, além de prevenir a recaída e contribuir com a

manutenção da abstinência. (SOUSA; VEDANA; MIASSO, 2016; MAZZAIA; SOUZA,

2017).

Desde 1950, houve um avanço na terapêutica medicamentosa,

principalmente com a descoberta do Sistema de Recompensa Cerebral e, assim, se

obteve uma melhor compreensão das bases neuropsicológicas dos transtornos

relacionados a substâncias e, por sua vez, no desenvolvimento de novas medicações,

ocasionando uma resolutividade dos processos que envolvem a complexidade destes

transtornos. (DIEHL et al., 2010). Destarte, atualmente tem-se medicamentos mais

eficazes, menos tóxicos e mais assertivos quanto à sua necessidade. (CORDIOLI;

GALLOIS; ISOLAN, 2015).

Há diferentes medicamentos que comumente são prescritas para o tratamento

dos transtornos relacionados a substância, entre elas pode-se citar o Dissulfiram, uma

medicação com efeito sensibilizador do álcool, efetiva em promover uma importante

redução da frequência de consumo alcoólico por meio da inibição da enzima

acetaldeído-desidrogenase. (SADOCK; SADOCK; SUSSMAN, 2007; CORDIOLI;

GALLOIS; ISOLAN, 2015).

Esse medicamento quando associado a ingestão do álcool gera um

acentuado acúmulo de acetaldeído no organismo, em torno de 20 vezes mais que no

metabolismo normal, ocasionado uma reação rápida, violenta e desagradável no

indivíduo que apresenta sintomas como palpitações, náusea, sensação de morte

iminente sudorese, dispneia, entre outros. (SADOCK; SADOCK; SUSSMAN, 2007;

CORDIOLI; GALLOIS; ISOLAN, 2015).

Este fármaco foi o primeiro a ser liberado pela Food and Drug Administration

(FDA) para o tratamento dos transtornos relacionados ao álcool, no entanto de modo

tímido também é prescrito para outras substâncias. Evidências científicas sugerem a

eficácia do Dissulfiran no tratamento do abuso de cocaína, nesse caso, acredita-se

que este medicamento é capaz de inibir a β-hidroxilase, que resulta em um excesso

de dopamina no Sistema Nervoso Central (SNC) e diminui a síntese de noradrenalina

acarretando a diminuição de prazer e na potencialização dos efeitos desagradáveis

da cocaína. (CORDIOLI; GALLOIS; ISOLAN, 2015).

Outro fármaco comumente prescrito é a Naltrexona, que por sua vez

apresenta eficácia comprovada para o tratamento do uso do álcool e na manutenção

do tratamento para o uso de opioides. Trata-se de um antagonista que bloqueia a

liberação de opiodes endógenos tornando o hábito de consumo de substância menos

prazeroso. (CORDIOLI; GALLOIS; ISOLAN, 2015).

O Topiramato é outro fármaco utilizado, principalmente nos transtornos por

uso de cocaína. Trata-se de um anticonvulsivante que apresenta diversos

mecanismos de ação, entre as quais resultam no aumento do sistema inibitório GABA

e inibe o sistema excitatório glutamatérgico no nucleus accubens, resultando na

redução da fissura. (CORDIOLI; GALLOIS; ISOLAN, 2015).

Ainda há diversos outros fármacos que são prescritos especificamente para a

síndrome de abstinência, intoxicação, delíriumtremens, convulsões, como também há

medicamentos que mesmo não sendo diretamente elaborados para os transtornos

relacionados a substâncias, apresentam mecanismos de ação que vão agir

efetivamente nos diferentes sintomas apresentados. (CORDIOLI; GALLOIS; ISOLAN,

2015).

Entretanto, é preciso considerar que, apesar de todo o benefício adquirido

com o avanço da tecnologia farmacoterapêutica no tratamento do consumo de SPA,

o uso do medicamento como única e isolada alternativa para um agravo complexo

como este, se torna um equívoco. Neste caso, é importante considerar outras

modalidades terapêuticas associadas à medicamentosa, haja vista que o tratamento

a pessoas com transtornos relacionados a substâncias requer mais do que o uso de

algum fármaco. (ALMEIDA; BATISTA; PRADO, 2017).

Neste contexto, Siqueira (2016) complementa ao ressaltar que o tratamento a

pessoas acometidas de tal transtorno, deve compreender a abordagem psicossocial

por meio da adoção de diferentes modalidades além da medicamentosa, como grupos

terapêuticos, atendimentos individuais e familiares, entre outros. Esse modelo de

tratamento é considerado um importante recurso por proporcionar melhores condições

ao indivíduo para o alcance da manutenção da abstinência e a reabilitação

psicossocial. (BRASIL, 2011).

De acordo com Zhang et al. (2016), outras modalidades terapêuticas, aliadas

à medicamentosa, favorecem a efetividade do tratamento e estimulam o

desenvolvimento de atitudes positivas do indivíduo, refletindo em benefícios na

prevenção da recaída e na manutenção da abstinência. Em concordância, Almeida,

Batista e Prado (2017) afirmam que a associação de outras terapias favorece a

promoção da saúde da cidadania e promove a qualidade de vida, fortalecendo a

autonomia e a reinserção social.

Ademais, outro ponto que se deve considerar é a preocupação com a

medicalização do transtorno mental e uso racional de medicamentos. Bezerra et al.

(2016) definem a medicalização como uma incorporação dos aspectos sociais,

econômicos ou mesmo existenciais sob o domínio de medicações, cuja singular

finalidade é a cura. Azevedo e Duque (2016) complementam que a medicalização é

um fenômeno presente nos serviços de saúde, representado pelo modelo biomédico,

mecanicista, em que o uso do medicamento é enfatizado como único meio para

alcançar um padrão de normalidade idealizado socialmente.

Quanto ao uso racional de medicamentos, de acordo com o Manual Técnico

sobre o Uso Racional de Medicamentos do Ministério da Saúde, trata-se de um

processo que compreende a prescrição apropriada de medicamentos, a dispensação

e o consumo nas condições e doses adequadas, considerando os intervalos definidos

e o período de tempo indicado, garantindo a eficácia, a segurança e a qualidade do

fármaco. (BRASIL, 2012).

Sabe-se que 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados,

vendidos e usados de maneira incorreta. Tal percentual é fomentado por fatores

relacionados à quantidade exacerbada de medicamentos prescritos, diagnósticos

incompletos que resultam em escolha inadequada do fármaco, automedicação, entre

outros. Esse cenário prejudica a população, contribui com a cronicidade do transtorno

mental e onera os serviços públicos. (WHO, 2003; BRASIL, 2012).

Portanto, o uso da medicação deve estar em consonância com os preceitos

da Política Nacional de Medicamentos (PNM), aprovada pela Portaria n° 3.916, de 30

de outubro de 1998, que tem como objetivo garantir a necessária segurança, eficácia

e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população

àqueles considerados essenciais. (BRASIL, 2001a).

Desse modo, o uso racional de medicamentos permite que o indivíduo receba

o medicamento de maneira adequada às suas necessidades, nas doses

correspondentes a seus requisitos individuais durante o período necessário e

adequado, com menor custo possível. (OMS, 2002; BRASIL, 2012).

Considerando que os transtornos relacionados a substâncias têm curso

crônico, necessitando, muitas vezes, que o indivíduo faça uso prolongado de

medicamentos, outro aspecto importante a ser considerado é a adesão.

Entende-se o termo ‘adesão’ como o ‘ato pelo qual um indivíduo, uma

instituição ou uma nação passa a participar de um negócio ou processo por iniciativa

própria’. (MICAELIS, 2017 s/p). Essa definição confirma o início das discussões da

OMS acerca do conceito de adesão à terapêutica medicamentosa iniciada no ano

2001, entendido como ‘a extensão a que o paciente segue as instruções médicas’.

Entretanto tanto o termo ‘médico’ como também o termo ‘instruções’ foram

questionados pela própria OMS, que entende que o primeiro reflete de maneira

insuficiente a gama de intervenções de um tratamento e o segundo implica um sentido

de passividade que o sujeito necessita de um agente especialista sem considerá-lo

um colaborador ativo no processo de tratamento. (WHO, 2003).

Em uma revisão sistemática realizada com o objetivo de identificar as

intervenções aplicadas para promover a adesão, identificou-se a definição de adesão

como sendo o percentual de doses recebidas, podendo ser de 80 a 90% ou 95 a 100%

das doses. (CLEMENTS et al., 2018).

Embora a maioria das pesquisas se concentre na adesão à terapêutica

medicamentosa como sendo um uso correto ou não de uma medicação (LAUNONEN

et al., 2016), a OMS destaca que a adesão extrapola esse conceito, pois engloba

diversos comportamentos relacionados ao indivíduo e à sociedade, que superam ao

ato de escolha de utilizar ou não, um determinado medicamento. (WHO, 2003).

Considerando esses questionamentos, atualmente, numa visão ampliada, a

OMS define a adesão como ‘um comportamento de uma pessoa, seja coincidente com

as recomendações acordadas com um prestador de cuidados de saúde’. (WHO,

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