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Capítulo 2 – TRABALHO E MORADIA NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES

2.1 Introduzindo o contexto em que o ser social se auto-concebe, produz,

Antunes (2000) ao tratar das transformações em processo na sociedade contemporânea discorre sobre alguns pressupostos analíticos básicos. Um primeiro aspecto é que as transformações em pauta ocorrem tanto nas formas de materialidade (ou objetividade), quanto na esfera da subjetividade. Um aspecto que também merece destaque é a consideração de que

...a lógica do sistema produtor de mercadorias vem convertendo a concorrência e a busca de produtividade num processo destrutivo que tem gerado uma imensa precarização do trabalho e aumento monumental do exército industrial de reserva, do número de desempregados (ANTUNES, 2000, p. 16, grifo do autor).

Em 1999, havia 1 bilhão de pessoas, ou seja, 1/3 da força de trabalho mundial, desempregada ou precarizada. Para Antunes, isso retrata o fim do emprego formal com direitos, mas não o fim do trabalho como alega outros autores.

Antunes ainda tece críticas às formas concretas de (des)socialização humana que considera uma condição para realizar a crítica a fetichização das formas de representação vigentes, do ideário dominante na sociedade hoje, o culto da “sociedade democrática”; a crença na desmercantilização da vida societal; o advento da comunidade comunicacional; e o fim do trabalho e a realização concreta do “reino do tempo livre”. Um último aspecto, é que o capital assume, ao longo do seu processo, uma lógica onde o valor de uso das coisas foi totalmente subordinado ao seu valor de troca. E é este último aspecto que queremos destacar brevemente.

Baseado na obra Beyond capital de István Mészáros1, Antunes

(2000) inicia sua compreensão das mutações e metamorfoses que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, explorando o ideário que domina essa sociedade através da discussão do sistema de metabolismo social do capital e seu sistema de mediações. Antunes explica que

O sistema de metabolismo social do capital nasceu como resultado da divisão social que operou a subordinação estrutural do trabalho ao capital. [...] Os seres sociais tornaram-se mediados entre si e combinados dentro de uma totalidade social estruturada, mediante um sistema de produção e intercâmbio estabelecido. (ANTUNES, 2000, p.19, grifos do autor).

As mediações de primeira ordem têm como finalidade “a preservação das funções vitais da reprodução individual e societal” e, ao contrário das mediações de segunda ordem, não “necessitam do estabelecimento de hierarquias estruturais de dominação e subordinação”. Já as mediações de segunda ordem nascem da introdução, num determinado período histórico, de “elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico” nas mediações de primeira ordem (ANTUNES, 2000, p. 19-20). O sistema de mediações de segunda ordem

[...] subordina estritamente todas as funções reprodutivas sociais – das relações de gênero familiares à produção material, incluindo até mesmo a criação das obras de arte – ao imperativo absoluto da expansão do capital, ou seja, da sua própria expansão e reprodução como um sistema de metabolismo social de mediação. (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2000, p. 21)

As mediações de segunda ordem decorrem do advento do sistema de capital que desde sua origem tem como traço mais marcante a “completa subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor de troca” (idem, p. 21).

Ainda a partir de Mészáros, Antunes apresenta quatro elementos que seriam as condições necessárias para a vigência das mediações de segunda ordem:

1) a separação e alienação entre o trabalhador e os meios de produção;

2) a imposição dessas condições objetivadas e alienadas sobre os trabalhadores, como um poder separado que exerce o mando sobre eles;

3) a personificação do capital como um valor egoísta – com sua subjetividade e pseudopersonalidade usurpadas -, voltada para o atendimento dos imperativos expansionistas do capital;

4) a equivalente personificação do trabalho, isto é, a personificação dos operários como trabalho, destinado a estabelecer uma relação de dependência com o capital historicamente dominante; essa personificação reduz a identidade do sujeito desse trabalho a

1 Mészáros apud Antunes (2000).

suas funções produtivas fragmentárias. (idem, p. 22, grifos do autor)

É neste contexto que o ser social que trabalha se auto-concebe, produz, reproduz e se organiza.

Assim, a crise do taylorismo e do fordismo é identificada como a expressão fenomênica da crise estrutural do capital que se reorganiza no seu sistema ideológico e político de dominação. Esta resposta do capital para sua crise, isto é, a adoção do toyotismo e suas formas de acumulação flexível, de gestão organizacional e de avanço tecnológico, tem repercussões diretas para o trabalho, até porque cumpre o papel de ser uma ofensiva do capital para recuperar a sua hegemonia, o que significa controlar as lutas sociais (o conflito). São então criadas novas formas de intensificação do trabalho, sendo que Antunes (2000) pontua as seguintes: desregulamentação dos direitos do trabalho; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; e destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, propositivo, de empresa (ANTUNES, 2000, p. 52-53). Ocorre hoje, uma redução do proletariado industrial (tradicional) concomitante ao aumento do “novo proletariado” (os terceirizados, trabalhadores temporários e subcontratados) e toda a horda de trabalhadores que se inserem crescentemente na informalização, e o contingente expressivo de desempregados.

É com a debilitação (fragmentação) subjetiva da classe que se desenvolve as estratégias sindicais neocorporativas. Agora, a própria “disposição intelectual-afetiva” do trabalhador “é constituída para cooperar com a lógica de valorização do capital” e não mais apenas o “fazer” e o “saber” operários são capturados (ALVES, G. 2000, p. 54). Os imperativos da concorrência se explicitam nas reações corporativas dos sindicatos e além da burocratização sindical, pode-se assinalar que o sindicalismo vive limites histórico-ontológicos que é a sua crise estrutural e não conjuntural. O que coloca, em escala de importância, a práxis política e ideológica da classe acima da práxis sindical.

2.2 Reestruturação produtiva do capital e crise do