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Investigação participativa: da criança objeto à criança coadjuvante

3. Base histórica do paradigma emergente

3.1. Investigação participativa: da criança objeto à criança coadjuvante

Na segunda modernidade, a participação infantil é um princípio incontornável nos discursos políticos e científicos e que foi intensificado com o desenvolvimento formalmente constituído da sociologia da infância, a qual considera as crianças como atores sociais e como sujeitos de direitos. Tem vindo a se sustentar enquanto área que privilegia o grupo da infância e que vê a criança como sujeito do conhecimento e não como simples objeto.

De acordo com Soares (2006), a partir desse movimento de reconceitualização da infância, a pesquisa com a participação das crianças tem registrado significativos avanços nos últimos anos, decorrente de iniciativas que tiveram início na década de oitenta, com alguns sociólogos da infância, tais como: Ambert (1986); James e Prout (1990); Jenks (1992); Qvortrup (1995). Estes sociólogos defendiam, entre outros aspectos, a necessidade de considerar as crianças como atores sociais concretos e a infância como categoria social de direitos, frisando também a necessidade de identificar novas maneiras de investigação com crianças.

Ainda segundo a autora, a contemplação de novas formas de desenvolver investigação, recupera a “ (…) voz e ação das crianças, as quais tinham ficado invisíveis nas investigações que sobre elas tinham vindo a ser desenvolvidas ao longo de todo o século XX”

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(Soares, 2006, p. 26). Mesmo que existisse uma tradição de investigação sobre as crianças, o conhecimento acerca da infância era enviesado, visto que se pensava que, ao estudar as crianças nos principais contextos de socialização como a escola ou a família, as quais estavam nos seus papéis de alunos ou filhos, estes não eram sujeitos ativos na investigação. Os argumentos para isso recaíam sempre na invocação das suas incapacidades psicológicas confrontadas, de racionalidade ou maturidade, como se elas fossem desprovidas de sentido ou fossem o reflexo direto das ações dos adultos.

Para Graue e Walsh (2003, p. 17), tal forma de afastamento do sujeito pensante é fruto do papel dominante de uma perspectiva psicológica particular, na qual os pesquisadores veem as crianças como janelas abertas para as leis psicológicas universais ou como indicadores dos efeitos de tratamentos de dados. As crianças não passam de meros objetos para recolha de dados, sem oferecer nenhuma atenção ao seu aqui e agora.

As autoras citadas salientam que os investigadores pensam nas crianças como viventes de contextos específicos, com experiências específicas e em situações de vida real. Sugerem que os investigadores gastem menos tempo a tentar desenvolver grandes teorias e mais tempo a aprender a retratar toda riqueza das vidas das crianças, nos inúmeros contextos em que elas se movem.

Neste panorama, as teorias dominantes da socialização, conforme Soares (2004, p. 2), “rasuraram a ação interpretativa das crianças”. Sendo assim, este projeto considerou as crianças como coadjuvantes no processo investigativo e, com o contributo da investigação participativa com crianças, foi desenvolvido um trabalho em parceria com os participantes. A autora refere ainda que “a abordagem da pesquisa da criança, como ator social, considera-a como sujeito a atores sociais envolvidos na construção e na compreensão das suas próprias experiências e conhecimentos, salientando-as pelo seu agir, envolvimento e participação na transformação do meio social e cultural em que vivem”, ou seja, um trabalho de “tradução e desocultação das vozes das crianças” (Soares, 2004, p. 2).

De acordo com a Convenção dos Direitos das Crianças (Art. 12.º), todas as crianças, em função do seu desenvolvimento etário, são capazes de dar opiniões, sendo-lhes assegurado o direito de o fazerem de uma forma livre; é-lhes também assegurado o direito a serem ouvidas nos assuntos que lhe digam respeito e de uma forma séria. Em concordância com Soares (2004) citando Crowley (1998) “...não é somente um meio para chegar a um fim, nem tão pouco um processo: é um direito civil e político básico para todas as crianças e é portanto um fim em si mesmo” (p. 2).

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Desta forma, a investigação participativa com crianças será um mecanismo relevante na abertura de espaços para a consolidação da cidadania da infância, conforme Sarmento (2004) refere ao expor que “ (...) estas reconfigurações fazem das crianças construtoras ativas do seu próprio lugar na sociedade contemporânea, esse ponto no mapa, afinal, que é também a mesma encruzilhada em que todos nós nos situamos; lugar que com elas partilhamos, ainda que com responsabilidades (e culpas) distintas: cidadãos implicados na construção da (so)ci(e)dade” (p. 30).

Dentre outros aspectos, a participação das crianças deve ser vista também à luz dos cuidados éticos, já que são preocupações necessárias ao se trabalhar com o grupo geracional da infância. Concordando com Graue e Walsh (2003, pp. 76-77), “o comportamento ético está intimamente ligado à atitude”, ou seja, não se pode entrar na vida de outra pessoa sem uma aprovação. É necessário obter permissão e esta vai além da que é obtida sobre a forma de consentimento: “é a permissão que permeia qualquer relação de respeito entre as pessoas”. Portanto, na investigação com crianças são elas que “ (...) detêm o saber, dão a permissão e fixam as regras”.

Nesses termos, no desenvolvimento deste projeto de investigação social com crianças, foram tomados alguns cuidados éticos, que conduzem à humildade e ao respeito com os participantes, tais como: o consentimento informado da criança, em que se procedeu à explicação dos objetivos e da dinâmica da investigação; o respeito ao recuso, visto que a participação é voluntária e a criança tinha total liberdade de desistir em qualquer momento do processo; e o consentimento informado aos pais ou responsáveis pela criança. Assumiu-se também como princípio ético indispensável, a consideração e o respeito pela privacidade e confidencialidade das crianças envolvidas. Nesse aspecto foi dada essencial importância aos mecanismos de proteção da identidade e da identificação pública das crianças, como também da instituição implicada na investigação.

Assim, neste estudo as crianças tiveram a total liberdade para se expressarem livremente sobre os temas referentes ao projeto, como também sobre qualquer outro assunto do seu interesse. Deste modo, a partir de suas representações é possível pensar na intervenção no contexto da escola pública, tentando buscar soluções aos problemas vividos por este grupo social vitimados pelo poder dos adultos, por lhe ser negado o direito a voz. Quanto a esse aspecto, Graue e Walsh (2003) referem: “A maior parte das vezes as crianças são colocadas em contextos sobre os quais têm um controlo muito limitado – os adultos tomam a maior parte das decisões por elas, (…) as crianças são constantemente postas perante o desafio de desenvolverem competências em cenários sobre os quais têm um

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controle muito limitado” (p. 29). Por tudo isso, a voz e ação dos participantes neste projeto de investigação é o ponto de partida na busca do conhecimento.

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