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Investimento na carreira e passagem pelos órgãos públicos

CAPÍTULO 3 – UM ESTUDO DA CARREIRA DOS PROTAGONISTAS NA

3.2 Investimento na carreira e passagem pelos órgãos públicos

O cargo de livre provimento possibilita ao arquiteto um equilíbrio profissional que perdura durante um determinado ciclo e que se estende até o momento em que o arquiteto consegue angariar novos serviços fora do emprego público. Dito de maneira mais específica, percebe-se que os cargos públicos ajudam a dirimir os problemas causados pela sazonalidade inerente às atividades de arquitetura e urbanismo. Além disso, existem também os cargos honoríficos de chefias, vinculados às entidades associativas de classe que promovem visibilidade social e ocasionam ao profissional oportunidades de negociações de reserva de mercado, como também a ascendência profissional que pode permitir, talvez, possíveis candidaturas políticas.

Conforme observado, os órgãos públicos são espaços de investimento na carreira do arquiteto e urbanismo. As instituições públicas, atreladas aos serviços de controle urbano e de obras públicas, tornam-se espaços que podem oferecer possibilidades de contato com as pessoas de influências políticas, como também com as pessoas que detêm o “poder” de definir os profissionais que ocuparão os cargos de maior chefia nessas instituições. Além disso, o universo desses órgãos é propício à absorção de informações relacionadas a todos os debates e a negociações que ocorrem para determinação do crescimento urbano da cidade. Nesse aspecto, a atividade de arquitetura e urbanismo está articulada diretamente com os direcionamentos técnicos e políticos que esses órgãos determinam. Dessa forma, os arquitetos que ocupam cargos vinculados aos órgãos públicos são detentores de informações privilegiadas e, em alguns casos, de dados técnicos sigilosos de ordem política. Essa condição os define como agentes indispensáveis para a efetivação das ações do órgão e assim a permanência do arquiteto no cargo de chefia ganha uma maior credibilidade e garantia.

O cargo público nem sempre aparece como uma garantia de ascensão para o arquiteto, mas, ao se destacarem as experiências adquiridas dentro do órgão ao qual o profissional esteve articulado, sua projeção profissional pode assumir uma autonomia utilitária da imagem, já que ele vai se tornando detentor de conhecimentos técnicos que o convertem num agente diferenciado em relação aos seus pares. É como se o espaço de atuação dentro daquele órgão se tonasse de uso e ocupação exclusiva do profissional que assumiu o cargo de chefia da instituição. Isso ocorre principalmente enquanto as redes de conhecimento se fizerem politicamente fortes durante a permanência do arquiteto no cargo. Em síntese, o cargo público

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Nesse contexto, o arquiteto dá continuidade à formação de suas redes de relacionamentos e nesse fluxo de amizades, vários trabalhos podem surgir, paralelamente, a partir de trocas de favores, como por exemplo a desburocratização de processos que são iniciados no órgão. Em contrapartida, o proprietário do processo torna-se cliente desse arquiteto que facilitou o trâmite de seu processo e, assim, mais uma amizade é criada nesse cenário de “acordo de mão dupla”.

Nos órgãos públicos circulam políticos, empresários, construtores, engenheiros e diversos outros atores sociais, e dentro desse conjunto estão as pessoas que fortalecem a imagem política do arquiteto e que também se transformam em potenciais clientes. Portanto, o órgão público representa, para o universo da arquitetura e urbanismo, um potencial trajeto de inserção no mercado de trabalho, e, nessa perspectiva, a intenção de penetração nesse circuito da atmosfera púbica torna-se cada vez mais forte, pois é um espaço envolto numa diversidade de agentes que produzem fortes possibilidades de ascensão profissional. Nessa direção, vários aspectos de crescimento profissional podem surgir, como por exemplo a estabilidade financeira dos escritórios de arquitetura e urbanismo, o encadeamento contratual com órgãos públicos e a inserção em grandes construtoras/empresas, para assumir cargos de chefia. O relato abaixo fornece alguns elementos para observarmos essa relação.

Eu mesmo, quando eu me formei, eu fui convidado para trabalhar no serviço público. Aí, fui contratado [...], porque era um órgão que poderia contratar sem concurso, emprestado para a secretaria de agricultura [...] safadeza isso, mas eles precisavam de um arquiteto lá, aí eles me conheciam, [...] eles tinham que ter feito concurso, mas eles me conheciam, porque quando eu me formei eu já tinha feito vários projetos, então o diretor do órgão me conhecia, achava que eu era bom para o que estavam precisando e me chamou [...] eu estava recém-formado, tinha três meses de formado. O chefe do setor me chamou [...]. O chefe que me convidou era meu cliente e eu tinha feito a casa dele e ele me conheceu, gostou da casa e aí me chamou. Ele me contratou e viabilizou esse negócio porque pelo governo de estado não podia contratar porque tinha que ter o concurso. Eu trabalhei lá uns três anos, de 1989 até 1992, eu estava recém-formado, eu me formei em dezembro de 1988, em março de 1989 eu já estava lá. Eu estava fazendo meus projetos em casa e não tinha capacidade para montar um escritório e tudo mais, e eu fazia em casa, não tinha despesa, estava começando e aí eu tinha esse receio, não sabia como era o mercado, então apareceu esse serviço e achei ótimo, eu tinha um emprego garantido ali [...]. Eu trabalhava o dia todo lá e à noite fazia meus projetos [...]. Foi o bairro São José todo, o Garcia e a Atalaia [...]. O “bum” do trabalho foi nesse sentindo, fazendo residências para funcionários públicos. E aí eu ficava na esperança da redução da carga horária do serviço público para ser só seis horas, de 07h às 13h e eu já estava com muito trabalho, foi aí que eu pedi uma redução do me trabalho, para trabalhar só quatro horas por dia, recebendo metade do meu salário, [...] então eu pedi a redução de minha carga horária e eu consegui, comecei a receber metade do salário e passei a trabalhar só pela manhã e aí eu comecei a ter mais tempo para

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meu escritório [...], aí eu pedi uma licença sem rendimentos pra me garantir, pra ver se ia dar certo. Pedi a licença sem rendimentos porque eu também dizia que eu não ia para frente no serviço público porque existia o plano de cargos e salários, onde a cada ano você tinha uma avaliação no seu trabalho para você ir subindo de posto. Eu dizia: aqui só tem engenheiro agrônomo e eu como arquiteto aqui não vou subir para lugar nenhum, então eu não tenho futuro aqui, eu não via perspectiva. Então, pedi minha licença com validade de dois anos e me dediquei totalmente ao escritório, no término de dois anos eu pedi demissão. Não voltei mais e o escritório se estabeleceu. Isso foi em 1993 e fui o primeiro arquiteto que não tinha emprego, sendo totalmente autônomo. (Entrevista 3).

O caminho de chegada ao cargo público é estabelecido por várias possibilidades de acesso e em muitos casos a realização de atividades inerentes ao órgão é uma delas. Existe uma gama de serviços ofertados pelos arquitetos onde é obrigatória a presença da chancela do Estado para que a atividade seja executada. São licenciamentos, regularizações, alvarás, análises técnicas, determinações de diretrizes, etc., ou seja, um vasto poder de assentimentos e determinações que o setor público tem em seu domínio quanto às atividades dos arquitetos. Consequentemente, o contato cotidiano do profissional com o órgão público torna-se, até certo ponto, inevitável. Nesse sentido, os escritórios e construtoras, que têm a necessidade de interação com as regulamentações de ordem pública, precisam manter um intenso contato com as diretrizes determinantes que se originam desses órgãos.

Com essa indispensabilidade de contiguidade de visita aos órgãos públicos, o profissional representante da empresa que faz a intermediação com o órgão passa a criar um intenso convívio com as pessoas que fazem parte dos processos tramitados nas instituições. Dessa forma, um novo ciclo de amizade vai se estabelecendo a partir da disposição de amenizações dos entraves dependentes das chancelas públicas das atividades de arquitetura e urbanismo. Nessa aproximação com os setores públicos, em que estão envolvidas as atividades de arquitetura, o agente que faz a intermediação dos processos, estabelece “conhecidos” que passam a compor uma rede de relacionamentos. Com isso, tal rede passa a contribuir com o agenciamento de uma possível inserção e ascensão da vida profissional do arquiteto dentro do órgão público onde foram criados diversos contatos.

[...] logo depois eu abri meu próprio escritório e aí foi quando eu resolvi vir embora para trabalhar na Construtora [...], depois fui para a prefeitura, continuo na prefeitura até hoje, não foi concurso, a contratação foi antes da Constituição de 1988, na verdade na prefeitura não tem nenhum profissional de nível superior concursado. Todos que estão lá são velharia como eu. Nunca teve concurso para arquitetura e engenharia na prefeitura, teve concurso para pião, mestre de obra, fiscal, mas para essa área técnica nunca teve [...]. Eu cheguei na prefeitura porque na Construtora eu cheguei a desenvolver alguns projetos para prefeitura, de urbanização, não de edificações. A Construtora ganhava a licitação e passava os trabalhos para eu desenvolver, na realidade eu fazia mais do que só projetar, eu ia

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no local fazer o levantamento das necessidades, conversar com a pessoa do órgão, para estabelecer o programa, etc., porque chegava: [...] faça uma praça [...], mas como assim? Faça uma praça como? Para quem? Com que orçamento? Enfim, o básico do básico. Aí, eu comecei a ter contato com pessoas da prefeitura, [...], Samuel Vaca47 era o presidente na época, ele gostou do meu trabalho e ao invés de pagar a obra na Construtora, ele simplesmente me chamou para fazer o mesmo que eu fazia lá só que eu fazia para a própria prefeitura, ao invés dele pagar para a empresa desenvolver, botou um profissional dentro da própria prefeitura que desenvolvesse isso. [...]. Eu era a técnica do setor, até depois disso, em alguns momentos, eu cheguei a exercer funções de chefia [...]. (Entrevista 1).

O órgão público representa um dos principais mercados para atuação na área de arquitetura e urbanismo, pois existe uma grande possibilidade de acesso às informações sobre o que está tecnicamente ocorrendo no segmento de construção civil na cidade. Nesse aspecto, a passagem pelos órgãos públicos torna-se uma intensa avidez pelos profissionais, sobretudo ao entenderem que a prática nesse espaço pode conduzi-lo a várias outras instâncias de atuação no campo da arquitetura. Isso explica o fato de 67% dos entrevistados estarem inseridos em empregos públicos e, em alguns casos, a inserção no “campo público” está envolvida com as origens familiares, que possibilitam a continuidade profissional de sobrenomes de intensa força política.