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5 TRABALHO RURAL E CÂNCER: O QUE (NÃO) DIZEM OS DADOS

5.2 Discussão

5.2.1 Invisibilidade dos empregados rurais

No presente estudo, fez-se uso de dados sobre auxílios-doença por câncer, que são benefícios concedidos pelo INSS aos seus segurados que estejam acometidos por câncer e incapazes para o trabalho. Há vários estudos na literatura

Figura 10 — Mapa da distribuição dos auxílios-doença por câncer para homens

da clientela urbana por Região de Saúde do Ceará em três períodos de tempo:

2004-2207, 2008-2011, 2012-2014 e no período de 2004-2014

Fonte: elaborada pelo autor

Clientela Urbana Sexo Masculino

nacional e internacional acerca das relações entre o processo produtivo de agricultores e trabalhadores rurais e cânceres. Entretanto, não foram encontrados estudo com dados da previdência social brasileira. Estudos internacionais que se referem à previdência, referem-se basicamente à perda econômica com aposentadorias e afastamentos, ainda assim, não especificamente sobre câncer. Dessa forma, o presente estudo é pioneiro.

Os dados do INSS permitem o estudo da população trabalhadora que se filia compulsoriamente ao RGPS ao exercer qualquer atividade laborativa, que pode ser de natureza urbana ou rural, o que permite classificá-la nessas duas clientelas de segurados. Entretanto, há limitações em tal estudo, pois os empregados rurais do agronegócio não são identificados nos dados do INSS. Como possíveis explicações para tal fato, pode-se referir: (1) trabalho informal; (2) informação equivocada prestada pelas empresas, alimentando diretamente o banco de dados do INSS (dessa forma, o empregado rural pode estar sendo identificado como urbano); (3) o segurado especial não o deixa de ser, mesmo trabalhando com carteira assinada por até 120 dias, como, por exemplo, um safrista ou trabalhador rural temporário; (4) dificuldade de acesso aos serviços de saúde do SUS e a “negação do atestado médico pelo profissional” (MARINHO, 2010, p. 183); e, (5) “chantagem psicológica” (PESSOA, 2010, p. 253) que as empresas promovem ao evitar a contratação de trabalhadores que tenham se afastado por motivo de doença em safras anteriores (PESSOA, 2010).

Dessa forma, as alternativas infernais (STENGERS; PIGNARRE, 2005 apud ACSELRAD, 2013a) levam os trabalhadores com carteira assinada do agronegócio para uma outra realidade, semelhante a dos trabalhadores do mercado informal, que “[...] não são regulamentados, não têm proteção legal, adoecem de forma invisível e, muitas vezes, por medo, não faltam ao trabalho, apesar de doentes e com um atestado no bolso” (BARRETO; HELOANI, 2013). Esses trabalhadores acabam por “guardar” as doenças para quando não mais estão trabalhando no período de safra do agronegócio. Os servidores do INSS, de fato, identificam o aumento de demandas por auxílios-doença em períodos entre as safras das empresas do agronegócio.

Para esses trabalhadores informais do agronegócio, resta ainda e sempre a quimera de poder acessar os benefícios da previdência social como se fossem Segurados Especiais. Em verdade, são agricultores, mas não devem ser enquadrados como Segurados Especiais. Schlindwein (2011) mostra como é difícil para o agricultor

conseguir comprovar que é Segurado Especial, de fato, como se verá adiante. Esse aspecto leva a pensar sobre os custos que o agronegócio traz para a sociedade e que não podem ser compensados por empregos informais, nem temporários. Os segurados especiais não contribuem mensalmente com a previdência, como os demais segurados obrigatórios. Isso somente acontece quando há produção além da subsistência da família (o que é raro para o agricultor que planta para consumo próprio) e essa é vendida para uma empresa, que fica obrigada a recolher a contribuição desse agricultor como segurado especial (Art. 25 da Lei 8.212 de 24 de julho de 1991). Fora dessas condições, não há contribuição compulsória do segurado especial para a previdência. Dessa forma, o Estado obriga a sociedade a arcar coletivamente com os custos previdenciários relacionados aos agravos em saúde nessa população de trabalhadores informais do agronegócio.

Todas as possibilidades colocadas podem se sobrepor para a construção desse processo de invisibilização. Mas também se deve considerar que os cânceres são doenças crônicas que acometem especialmente pacientes mais velhos, fora da faixa etária almejada pelo agronegócio, entre 16 e 37 anos (MACIEL; RIGOTTO; ALVES, 2011). Isso leva a pensar que esses trabalhadores já não são mais úteis ao agronegócio, vão buscar o INSS como a única forma de filiação que ainda podem tentar comprovar: segurados especiais. Assim, o período trabalhado em empregos formais ou informais no agronegócio é desconsiderado, dificultando nexo causal entre a exposição aos agrotóxicos na empresa ao longo de anos no passado e o câncer de atualmente. E ocultando a informação tão preciosa que ajudaria a evidenciar o tempo de exposição aos agrotóxicos e a relação com a atividade exercida no agronegócio.

Isso leva a recordar o contexto de vulnerabilização no qual se está inserido, não só pela ausência/precarização de políticas públicas para essas comunidades e esses trabalhadores, mas também pela ação do Estado como agente catalizador da ação do agronegócio nos territórios das comunidades tradicionais, aprofundando de forma abissal as vulnerabilidades histórica e propositalmente construídas pelo poder público, como acontece com a isenção de impostos aos agrotóxicos, que não permite que haja compensação pelos custos com os agravos no setor saúde e ambiente e saúde do trabalhador. Esses custos também vêm sendo absorvidos coletivamente por toda a sociedade e de forma silenciosa, pois não há dados suficientes para que estudos mais robustos possam ser construídos deixando mais claro o nexo entre os agravos à saúde e a exposição aos agrotóxicos (muito embora já existam muitos

estudos que mostram essas associações, mas são ignorados). O Estado oculta os riscos da exposição aos agrotóxicos, quando nega a pesquisadores o acesso a dados que deveriam ser públicos, ainda que não o sejam por deformidades nas leis, as quais são elaboradas por indivíduos eleitos pelo dinheiro do agronegócio, segundo Delgado (2013) que afirma ser essa uma Hegemonia pelo Alto.

Considerando todos esses aspectos, trabalhou-se com as clientelas rural e urbana evidenciada na base de dados do INSS e amparada na legislação previdenciária. A clientela rural foi constituída por mais de 99,97% de segurados especiais, que vivem sob regime de economia familiar para prover a própria subsistência e, portanto, o denominador usado para fazer a correspondência foram os

Trabalhadores para o próprio consumo do IBG. Já na clientela urbana, estão incluídos

empregados, autônomos, comerciários ou industriários, todos as formas de filiação que tenham natureza de atividade urbana, sendo correspondido a todos os segurados do IBGE com descrição de vínculo formal (carteira assinada ou que contribuiram com o RGPS por conta própria).

5.2.2 Comparando os dados do INSS com os do Registro Hospitalar de Câncer