• Nenhum resultado encontrado

Segundo Flajoliet "le circuit de l´ipséité", requer uma análise mais pormenorizada da questão do ser e exige algo mais do que uma exposição factual da questão. Pois o circuito da ipseidade, visa mostrar com singularidade o método sartriano, que abre reflexão sobre uma ontologia fenomenológica, desdobrando-se em diferentes e necessários movimentos onde o sentido de ser do Para-si, como ipseidade, dá-se como uma modificação do ser si-mesmo com vistas de ser si-mesmo-na-forma- do-em-si que não podemos ser, sob um ser a ser projetado, mas jamais atingido (JUNIOR, 2006). Com efeito, as três dimensões temporais da Para-si analisadas na ordem de Flajoliet: "Passé, Présent, futur" (FLAJOLIET, 2005) serão os objetos de nossa reflexão neste tópico, para com isso apresentarmos este ponto-chave da epistemologia sartriana.

Comecemos por analisar o que nos parece ser a ipseidade para Sartre em O Ser e o Nada, para depois passarmos à análise da ipseidade no tempo. Contudo, para Sartre a apreensão da ipseidade requer algo mais do que o esclarecimento de sua exposição didática, pois este tema, visa mostrar com rebuscado exercício filosófico um projeto que procura desvelar o ser metodologicamente: "Esse projeto rumo a si do Para-si, constitui a ipseidade" (SARTRE, 1943. p. 262. Trad. nossa).

Em Sartre o Para-si torna-se ser em presença de si mesmo, como um ser inacabado, sua existência é sua própria e única possibilidade. Significa que sua presença não é total, pois sua presença resulta para-além do ser presente do ser total e o percebido é originariamente o transcendente rumo a si mesmo. Com efeito, a transcendência do Para-si, rumo a si, num movimento de auto reflexão fora de si é o condutor do circuito da ipseidade, e, aparece nos limites desse circuito (SARTRE, 1943).

Destarte, na medida em que nego isto, fujo desta negação rumo a uma negação complementar cuja fusão com a primeira negação deverá fazer aparecer o Em-si que pareço ser: minha presença à coisa. Mas, como o Para-si se constitui como consciência não-posicional (de) si, faz-se anunciar a si, fora de si, pelo ser, aquilo que não é; recupera seu ser fora ao modo "reflexo-refletido" (SARTRE, 2003, p. 256). Assim, o Para-si é consciência tética de ser-para-além-do-ser (SARTRE, 2003).

36

Sartre retoma Heidegger para dizer: "o mundo e, fora disso, nada" (SARTRE, 2003. p. 244). Esse nada, como possibilidade de que haja um para-além do mundo, na medida que essa possibilidade desvela o ser como mundo, e a realidade que esta possibilidade desvela é a realidade humana, que tem-de-ser esta possibilidade, que constitui com a presença originária o seu ser no circuito da ipseidade.

Com efeito, "o ego aparece à consciência como um Em-si transcendente". (SARTRE, 2003. p. 155). E esse Em-si transcendente ao transcender-se torna-se consciência. Para Sartre, o Ego não está no Para-si (SARTRE, 1978A), mas nem por isso tal descoberta torna o Para-si um fenómeno impessoal. Desta forma, o ego apresenta-se para a consciência não como um ser dela. Já a consciência em sua ipseidade, que quer dizer o ser mais profundo do ser da consciência, permite que um ego apareça em certas condições enquanto fenómeno transitivo desta mesma ipseidade. "É impossível dizer que o Em-si seja sendo! Simplesmente é". (SARTRE 1943, p. 167. Trad. nossa).

Para Sartre, o que faz surgir uma presença como pessoa, pelo puro movimento nadificador da reflexão, não é a pessoa de um ego que não passa do signo da personalidade (SARTRE, 2003), mas o fato de existir para si como presença a si. E depois desse primeiro movimento da presença a si, vem o segundo movimento, o movimento da ipseidade.

Na ipseidade, Sartre diz que toda possibilidade reflete sobre si a sua própria consciência, tornando-a aquilo que é (SARTRE, 1943). A ipseidade gera um laço de nadificação onde a pura presença, como ser de possibilidade faz-se como Para-si (SARTRE, 1943).

O Para-si, portanto, seria uma presença fora de si, sem ego, jogado para seus projeto e liberdade. Esse livre ser das lonjuras do ego reflexivo interior dar-se do modo de falta e constrói sua ipseidade fora de si pela experiência, pelo projeto e pela consciência imaginativa que nos faz pessoa (ABOULAFIA, 1992).

Sartre, contudo, descreve a pessoa como liberdade. Com efeito, o possível, que é meu possível, é Para-si possível e, como tal, presença ao Em-si como consciência do Em-si (SARTRE, 1943). Mas, sem o mundo do Em-si, que é o mundo dos objetos e dos

37

fatos "não há ipseidade, nem pessoa, e sem ipseidade não há mundo", diz Sartre (SARTRE, 1943. p. 168. Trad. nossa).

Com efeito, mundo e ipseidade humana se encontram no tempo da possibilidade, ambos se fundam e se findam num tempo que não é nem futuro enquanto acaso, nem presente, nem passado, mas possibilidade. Para Sartre o possível é aquilo que falta ao Para-si para ser si mesmo. Nesse sentido, o ser Para-si procura na lonjura o si, esta busca, Sartre chama de circuito da ipseidade (SARTRE, 1943). Já a relação do Para-si com o possível que ele é em contato com uma totalidade de seres, a esta totalidade atravessada pelo circuito da ipseidade é o que Sartre vai chamar de mundo.

Até à terceira parte da obra O Ser e o Nada, o Para-si apresenta-se como um ser em nada diferente do cogito cartesiano, o próprio Sartre assume isso quando diz "o ser do cogito apareceu-nos como sendo o ser-Para-si". (SARTRE, 2003. p. 157). Entretanto, a seguir, o que aparece como fenómeno segundo a especulação de Sartre, na verdade não é o cogito.

Com efeito, Sartre tem um problema que é o problema da "relação originária entre a consciência e o ser" (SARTRE, 2003. p. 157). Esse problema de desvelamento do ser, ele o expõe no final da sessão sobre "O eu e o circuito da ipseidade" (SARTRE, 2003, p. 157), quando diz que o ser do Para-si precisa ser elucidado, para aprofundar o problema que mais lhe preocupa, ou seja, a relação originária entre consciência e ser, já que o cogito, questionado pela fenomenologia, não guarda em si todas as respostas epistemológicas para a ontologia sartriana. Com efeito, o problema da relação originária entre consciência e ser, como código pré ontológico é o que tentaremos investigar no nosso percurso sobre O Ser e o Nada, mas primeiro precisaremos examinar os temas da ipseidade e do tempo.