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O presente estudo demonstrou que o uso eletivo do balão intra-aórtico em pacientes de alto risco submetidos a cirurgia cardíaca não reduz complicações pós-operatórias. Além disso, o uso pré-operatório do balão intra-aórtico resultou em maior necessidade de uso de inotrópicos e em maior tempo de internação na unidade de terapia intensiva.

Desde sua introdução na década de sessenta, o BIA se tornou o dispositivo de assistência circulatória mais utilizado10. Seu benefício hemodinâmico resulta da redução da pós-carga na sístole e aumento da perfusão coronária na diástole, resultando em incremento do débito cardíaco especialmente nos pacientes isquêmicos71. Além disso, o BIA é dispositivo de fácil inserção e manuseio além de ser amplamente disponível, gerando um ganho de até 700 mL/min/m2 72. O estudo Shock demonstrou que o BIA estava associado a redução da mortalidade no choque cardiogênico após infarto do miocárdio24. A partir de então, a indicação do uso do BIA foi expandida para situações de choque cardiogênico por isquemia miocárdica e na estenose coronária crítica, no contexto do tratamento clínico ou na cirurgia cardíaca no pré ou no pós-operatório. Nos últimos anos, a indicação do BIA no choque cardiogênico associado ao IAM vem sendo rediscutida após a publicação do estudo multicêntrico (IABP-SHOCK II), que demonstrou em 600 pacientes analisados, que o uso do BIA no choque

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cardiogênico após IAM não reduziu morbidade ou mortalidade em 30 dias22. O seguimento dos pacientes incluídos nesse estudo por um ano confirmou a ausência de benefício em morbidade, mortalidade e qualidade de vida73. Após a publicação desses resultados, a Sociedade Europeia de Cardiologia revisou a recomendação do uso do BIA, sendo contraindicado como rotina no tratamento do choque cardiogênico (III-A), devendo ser considerado no manejo do choque associado a complicações mecânicas do infarto agudo do miocárdio (IIa-C)34.

A evidência que sustenta a indicação do BIA profilático em cirurgia cardíaca é advinda de pequenos estudos randomizados de Christenson et al.2,39,47,53,54, de Lomivorotov et al.74, de Shi et al.75, e do estudo randomizado mais recente de Ranucci et al.48, de três meta-análises que incluíram apenas os estudos randomizados49,76,77 e de uma meta-análise que incluiu estudos observacionais e randomizados67.

A meta-análise de Zangrillo et al.49 incluiu todos os estudos randomizados, sendo oito até o momento, incluindo um número total de 625 pacientes submetidos a RM com ou sem CEC (312 pacientes foram randomizados para o uso do BIA e 313 foram controles). O uso do balão intra-aórtico foi associado com uma redução significante de mortalidade (3,5% vs. 11%), P=0.004. Entretanto, é válido ressaltar que os estudos randomizados publicados até 2012 além de ter incluído um número reduzido de pacientes, eram heterogêneos em relação aos critérios de inclusão (diferentes cortes de FEVE, não uniformidade na inclusão de cirurgias com ou sem CEC e momento variável da inserção do balão intra-aórtico de um

dia a uma hora antes do procedimento cirúrgico). Esses vieses colocam em dúvida os resultados das meta-análises. O estudo de Ranucci et al.48, publicado em 2013, foi um estudo unicêntrico, prospectivo que randomizou 110 pacientes submetidos a RM com CEC e FEVE menor que 35% para BIA após indução anestésica ou não. Esse estudo demonstrou que em 30 dias de seguimento, o BIA não adicionou benefício na redução de complicações pós-operatórias em pacientes com disfunção ventricular esquerda submetidos a cirurgia cardíaca. Esse estudo tem algumas limitações, como por exemplo a interrupção do estudo com 70% da amostra necessária, a não descrição de um protocolo de desmame do BIA e de cuidados pós- operatórios e a inclusão apenas de pacientes com disfunção ventricular esquerda, sendo excluídos pacientes que poderiam ter se beneficiado do BIA profilático, como os pacientes com EuroSCORE ou STS elevado.

Ao considerar os estudos não randomizados que avaliaram o uso profilático do BIA (em sua maioria registros ou retrospectivos com ou sem escore de propensão), também observamos resultados conflitantes44,45,78-82. O recente estudo observacional publicado por Yu et al.46 merece destaque por ter incluído 877 pacientes submetidos a RM após IAM e ter realizado análise com escore de propensão em 406 destes. O estudo dos referidos autores mostrou associação entre o uso profilático do BIA e tempo prolongado de internação na UTI e maior necessidade de transfusão, sem diferença na mortalidade entre os dois grupos. Esses achados são explicados pois o BIA deve ser retirado no ambiente da UTI, não sendo incomum estar relacionado ao prolongamento do tempo de internação. Além

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disso, hemólise e mais coletas laboratoriais poderiam explicar a maior necessidade de transfusão nos pacientes tratados com BIA. Uma das limitações da generalização dos achados desse estudo é o fato de sua população não ser caracterizada como de alto risco, como demonstrado pelas baixas taxas de mortalidade (1% no grupo controle e 2,5% no grupo BIA). Se por um lado o estudo de Yu et al.46 adiciona resultados importantes ao assunto, não está claro o real papel do BIA profilático em cirurgia cardíaca. Nos estudos realizados até o momento, os critérios para inserção do BIA profilático não foram bem definidos e foram baseados na decisão individual dos médicos ou em critérios pontuais, como a FEVE, que pode ter resultado na inclusão de pacientes com risco bastante variáveis e perfil clínico-demográfico bastante heterogêneo. A definição de alto risco em cirurgia cardíaca é mais adequadamente realizada ao se considerar ferramentas já estabelecidas de risco perioperatório (por exemplo o STS score e o EuroSCORE).

Como já discutido previamente por Grieshaber et al.7, a metodologia mais adequada para obter evidência suficiente para gerar recomendação confiável no assunto BIA profilático é a realização de um estudo prospectivo e randomizado com uma população bem definida, com protocolo de desmame e de cuidados perioperatórios adequados e com desfecho clinicamente relevante.

Nosso estudo foi realizado de acordo com a metodologia acima sugerida. Realizamos um estudo prospectivo e randomizado, com amostra considerável (181 pacientes); incluímos pacientes de alto risco, definido pela

presença de disfunção ventricular esquerda acentuada (FEVE menor que 40%) ou por EuroSCORE maior ou igual a 6; utilizamos critério bem definido de desmame do BIA e de cuidados perioperatórios e analisamos em 30 dias o desfecho composto de mortalidade e de complicações graves do STS modificado.

A análise demonstrou que a população é bem balanceada, não havendo diferenças clínico-demográficas entre os grupos. Além disso, foram incluídos pacientes de alto risco (40,8% foram incluídos pela FEVE menor que 40%, 36,5% pelo EuroSCORE maior que 6 e 24,3% foram incluídos por apresentarem os dois critérios). A incidência do desfecho primário (composto de mortalidade e morbidade grave em 30 dias) foi de 47,8% no grupo BIA e 46,2% no grupo controle, consistente com o valor utilizado para cálculo do tamanho amostral do estudo. Não houve diferença entre os grupos.

No grupo BIA, foi observado um tempo maior de internação na UTI(5 dias em comparação com quatro dias no grupo controle) e um tempo maior de exposição a dobutamina (51 horas de dobutamina no grupo BIA e 39 horas no grupo controle). O maior tempo de UTI e o maior requerimento de dobutamina no grupo BIA podem ser explicados pelo fato de o desmame ocorrer na UTI e ser iniciado apenas quando a necessidade de dobutamina era gradualmente reduzida. As taxas de mortalidade e de complicações graves foram semelhantes em ambos os grupos, incluindo insuficiência renal, infecção, reoperação, AVC, mediastinite e ventilação mecânica prolongada. Os dados hemodinâmicos e parâmetros de perfusão tecidual não foram diferentes entre os grupos, demonstrando possivelmente a

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ausência de benefício hemodinâmico do BIA nesse contexto, pois o grupo controle não necessitou de mais fluidos, inotrópico ou transfusão para alcançar as mesmas metas hemodinâmicas do grupo BIA. Não foram observadas mais complicações vasculares nos pacientes tratados com BIA em relação ao grupo controle.

A cirurgia cardíaca é um procedimento com importantes repercussões orgânicas. Os mecanismos fisiológicos alterados no pós-operatório contribuem para complicações como as cardíacas (IAM e síndrome do baixo débito cardíaco), hipertensão arterial pulmonar, doenças cerebrovasculares, complicações neurológicas, infecciosas e renais. Após instaladas, as disfunções orgânicas definem pior prognóstico a longo prazo. Por isso a necessidade de intervenções precoces e preventivas dessas complicações, bem como a investigação de marcadores que identifiquem precocemente as mesmas. A prevalência de disfunção renal aguda chega a 30% no pós- operatório de cirurgia cardíaca. Em nosso estudo, houve diferença dos níveis de NGAL (marcador precoce de disfunção renal) entre os grupos BIA e controle 24 horas após a cirurgia, porém isso não se refletiu em diferença de incidência de disfunção renal segundo os critérios previamente definidos (de acordo com o modelo STS e classificação AKIN). O BIA eletivo não apresentou benefício em prevenir a disfunção renal pós-operatória na amostra estudada. A avaliação de injúria miocárdica realizada através das dosagens de NT-proBNP, troponina e h-FABP (marcador precoce e específico de isquemia miocárdica) também foram semelhantes entre os grupos nos primeiros dias de pós-operatório.

Apesar de não ter havido diferenças significantes em relação às complicações clínicas entre os grupos, o uso do BIA não foi associado ao aumento de eventos adversos.

Nosso estudo tem a limitação de ter sido realizado em um único centro, entretanto seus resultados são generalizáveis uma vez que a descrição da população de alto risco é semelhante à da literatura. A análise por intenção de tratar realizada poderia mascarar o verdadeiro efeito do BIA uma vez que nove pacientes do grupo BIA não foram expostos ao tratamento proposto, por dificuldades técnicas. Assim, ao final do estudo, a análise per protocol foi realizada e confirmou os resultados da análise por intenção de tratar. A inclusão de pacientes por um ou outro critério de inclusão poderia mascarar possível benefício de algum subgrupo de pacientes. Entretanto, a análise de subgrupos realizada ao final do estudo não identificou diferença de desfechos entre os mesmos.

Um dos grandes desafios em realizar um estudo sobre suporte circulatório mecânico é identificar os pacientes que se beneficiem do seu uso, visto que são dispositivos de custo elevado e não isentos de complicações. O presente estudo não identificou benefício no uso profilático do BIA na população de pacientes avaliada, definida através de disfunção ventricular e EuroSCORE. Enfatiza-se que o uso estudado foi eletivo, em pacientes estáveis no pré-operatório. O uso como tratamento não foi avaliado nesse estudo.

Os resultados negativos desse estudo adicionam evidência notável ao corpo da evidência disponível sobre o efeito do BIA profilático nas

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complicações da cirurgia cardíaca, corroborando o que foi obtido no estudo de Ranucci et al.48 Ao demonstrarmos que o BIA profilático não resultou em redução de complicações pós-operatórias, reafirmamos o conceito atual da importância da medicina personalizada, que determina frente a um paciente complexo como o paciente crítico submetido a cirurgia cardíaca, que a decisão mais adequada no que se refere a intervenções hemodinâmicas é aquela tomada no contexto da análise multimodal de parâmetros fisiológicos do paciente, diante de seu histórico de comorbidades e fatores de risco. Destaca-se o desafio de tentar identificar os pacientes adequados, momento ideal de inserção (nem tão precoce, nem tão tardio) e tipo de dispositivo de assistência ventricular mais eficaz para redução de riscos e melhor evolução perioperatória.

O uso profilático de BIA em cirurgia cardíaca não deve ser indicado rotineiramente nos pacientes de alto risco, cujo critério de risco seja o que foi estudado.

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