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3. MICROFINANÇAS E ISOMORFISMO

3.4. Isomorfismo: uma abordagem conceitual

Ao falar desse fenômeno não se poderia deixar de trazer à baila a vertente institucionalista da teoria organizacional25, especificamente os conceitos de isomorfismo e campo organizacional, empregados neste trabalho para explicar teoricamente o fundamento das mudanças organizacionais em curso nas cooperativas do sistema Ecosol/MG. Estes conceitos estão inseridos na escola de pensamento do

24 Entende-se por “ambiente institucional” o meio no qual são estabelecidas e difundidas regras e

normas de atuação necessárias para o alcance da legitimidade organizacional (DIMAGGIO e POWELL, 2005). Os autores distinguem o ambiente institucional do ambiente técnico, definido pela troca dos bens e serviços.

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Para maiores referências e aprofundamentos sobre essa vertente teórica consultar a compilação feita por Powel e DiMaggio (1991) na obra “The new institutionalism in organizational analysis”.

institucionalismo sociológico, a qual tenta explicar por que as organizações adotam um conjunto de formas, procedimentos ou símbolos institucionais específicos (HALL e TAYLOR, 2003).

O artigo “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e

racionalidade coletiva nos campos organizacionais”26

de autoria de DiMaggio e Powel (2005) é uma referência seminal para essa análise. Os autores partem do questionamento de por que existe homogeneidade de formas e práticas organizacionais e procuram explicar esta homogeneidade e não a variabilidade. A abordagem destes autores enfatiza o caráter macro-estrutural do comportamento organizacional e o tomam como unidade de análise. Para estes autores a homogeneização das organizações está associada à estruturação dos campos organizacionais dos quais fazem parte.

Por campo organizacional DiMaggio e Powel (2005, p. 75) entendem “[...] aquelas organizações que, em conjunto, constituem uma área reconhecida da vida institucional: fornecedores-chave, consumidores de recursos e produtos, agências

regulatórias e outras organizações que produzam serviços e produtos similares”. Na

abordagem dos autores o campo não é formado apenas por empresas concorrentes, mas abrange a totalidade dos atores envolvidos.

A estruturação institucional dos campos organizacionais consiste em quatro elementos: i) aumento na amplitude da interação entre organizações; ii) surgimento de estruturas de dominação e padrões de coalizão interorganizacionais claramente definidos; iii) aumento na carga de informações com a qual as organizações dentro do campo devem lidar; iv) conscientização mútua de que estão em um negócio comum (DIMAGGIO e POWEL, 2005).

Nesta pesquisa, o cooperativismo de crédito rural solidário pode ser considerado um campo organizacional, estruturado no estado de Minas Gerais através dos sistemas cooperativos atuantes e das entidades de regulação das cooperativas. Assim, o sistema Ecosol é parte integrante de um determinado campo organizacional, regido por regras externas ao cotidiano das organizações. Estruturas de dominação são representadas pelas Centrais Cooperativas e pela Confederação (Confesol).

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Título da versão original do artigo: “The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality”.

Uma vez estruturadas em um campo organizacional concreto, as organizações tendem a se assemelharem umas às outras através de um processo de homogeneização: o isomorfismo (DIMAGGIO e POWEL, 2005). O isomorfismo seria então um processo persuasivo que força as organizações a se tornarem similares àquelas que vivenciam as mesmas condições ambientais. Todavia os autores distinguem dois tipos de isomorfismo, que apresentam fundamentos diferentes: o isomorfismo competitivo e o isomorfismo institucional. O isomorfismo competitivo está ligado à competição nos mercados, à mudança de nichos e às medidas de adequação. Para eles, este tipo de isomorfismo não apresenta um quadro completo para a interpretação das organizações no mundo moderno.

Já o isomorfismo institucional parte da constatação de que

[...] as organizações não competem somente por recursos e clientes, mas por poder político e legitimação institucional, por adequação social, assim como por adequação econômica. O conceito de isomorfismo institucional constitui uma ferramenta útil para se compreender a política e o cerimonial que permeiam parte considerável da vida organizacional. (DIMAGGIO e POWEL, 2005, p. 76)

Esses autores distinguem três mecanismos de mudança isomórfica institucional: i) o isomorfismo coercitivo, derivado de influências políticas e da busca por legitimidade; ii) o isomorfismo mimético, que resulta de respostas uniformizadas à incerteza; e iii) o isomorfismo normativo, associado à profissionalização das organizações.

O isomorfismo coercitivo “[...] resulta tanto de pressões formais quanto de pressões informais exercidas sobre as organizações por outras organizações das quais dependem, e pelas expectativas culturais da sociedade em que as organizações

atuam” (DIMAGGIO e POWEL, 2005, p. 77). As mudanças organizacionais

decorrem, portanto, de pressões institucionais. O Estado em seu papel de regulação pode concentrar forças concretas de mudanças isomórficas nos campos organizacionais. A existência de um ambiente legal comum, como é o caso do setor financeiro e das cooperativas de crédito, afeta diversos aspectos do comportamento e da estrutura das organizações.

O isomorfismo mimético difere de outras formas de imitação porque se trata de um processo institucional de adequação das organizações por legitimidade em um

determinado campo e não estritamente por almejarem melhor desempenho econômico. Esta diferença entre o que é institucionalmente legítimo (não necessariamente o que é mais eficiente) e operacionalmente eficiente distingue dois processos diferentes nas análises organizacionais.

Um determinado aspecto ritualístico acompanha, portanto, os processos miméticos de mudança, aquele pelo qual as organizações adotam as "inovações" para aumentar sua legitimidade. Para demonstrar que, pelo menos, buscam melhorias em suas condições de trabalho (DIMAGGIO e POWEL, 2005). A moldagem das organizações em um campo organizacional busca legitimá-la também perante seus membros. As mudanças decorrentes dos processos isomórficos precisam ser legitimadas pelos membros de uma organização para que outorguem validade à mudança. A incorporação da mudança precisa também ser regulamentada pela estrutura institucional das organizações.

Já o isomorfismo normativo, é um processo institucional de mudanças derivadas da profissionalização, através das quais, membros de uma mesma profissão definem métodos e condições de trabalho comuns, para estabelecer uma base cognitiva de legitimação para a autonomia da profissão. As similaridades das condições de trabalho e das práticas empregadas pelos profissionais conduzem as organizações também à similaridade de suas formas e práticas.

Essa discussão, que buscou apresentar os conceitos e não aprofundar na teoria, será operacionalizada nesta dissertação na análise dos resultados da pesquisa, especificamente como subsídio para interpretação das mudanças que acompanham o crescimento das cooperativas do sistema Ecosol e os processos que induzem esse crescimento. Contudo, é importante evidenciar que o isomorfismo faz com que as organizações se tornem parecidas entre si, o que para cooperativas de crédito solidárias poderia representar um risco, dado que precisam manter estruturas de concessão do crédito mais flexíveis e acessíveis a um público de baixa renda. O ambiente legal comum às instituições financeiras condiciona justamente a padronização entre elas. Assim, o cooperativismo de crédito solidário precisa manter suas especificidades, mas também lidar com as pressões coercitivas que configuram o isomorfismo. Como essas cooperativas lidam com essa questão? É possível evitar os impactos do isomorfismo nesse tipo de organização?

Estes questionamentos são importantes para orientar as análises empíricas e salientam desafios interpretativos desta pesquisa. É igualmente importante aprofundar-se em referências que auxiliem na análise das especificidades que caracterizam essas organizações e a operacionalização dos serviços financeiros. Esta é a discussão do próximo capítulo, que se apóia nos argumentos teóricos da nova sociologia econômica.

4. REDES SOCIAIS E CONFIANÇA: AS BASES SOCIAIS DOS SERVIÇOS