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1 APROXIMAÇÕES ENTRE LITERATURA E HISTÓRIA

1.3 Recepção crítica da obra de Ivan Ângelo e de Mario Vargas Llosa

1.3.1 Ivan Ângelo, uma festa experimental entre a vivência e a

Ivan Ângelo, atualmente com 81 anos de idade7, iniciou sua carreira literária8 em Belo Horizonte. Nessa época, escreveu suas primeiras produções na revista

Complemento e publicou seu primeiro livro intitulado Homem sofrendo no quarto

(1959). Ao mudar-se para São Paulo, Ivan Ângelo publicou sete contos na antologia

Duas faces (1961), em parceria com Silviano Santiago. Quinze anos mais tarde, com

a publicação de A Festa (1976), foi agraciado com o prêmio Jabuti. Em 1995, novamente recebe o prêmio Jabuti pelo livro Amor?. O prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) foi concedido às antologias de contos A face horrível (1986) e Pode me beijar se quiser (1997).

Três anos após a publicação de A Festa, publicou as cinco novelas reunidas em A casa de vidro, vistas pela crítica como as obras mais significativas de sua carreira. A partir de 1994, com a publicação de O ladrão de sonhos, Ivan Ângelo envereda por outro caminho: a literatura infanto-juvenil. Publica, então, as seguintes obras destinadas ao público jovem: Pode me beijar se quiser (1997 - prêmio APCA), O Vestido luminoso da princesa (1998) e O comprador de aventuras e

outras crônicas (2000). Ultimamente, sua produção literária está focada em crônicas,

principalmente após a publicação da antologia As melhores crônicas de Ivan Ângelo (2007) e Certos homens (2012).

Em depoimento à revista Nossa América, questionado acerca da literatura que produzia, Ivan Ângelo, ao responder a pergunta “Por que você escreve?”, afirmou que é escritor

7

Coincidência biográfica de Ivan Ângelo e Mario Vargas Llosa, pois ambos nasceram em 1936. 8

A carreira de Ivan Ângelo é entrelaçada pelo jornalismo e pela literatura, pois ele produz nas duas áreas.

Por ter entendido, afinal, que é a escrita que me faz escrever o texto. Há duas décadas [...] mais um tema “necessário” pressionava os escritores: as ditaduras militares. Difícil escrever como se elas não existissem. Muitos livros foram escritos nesse período porque os leitores queriam lê-los. Livros escritos pelo autor e pelos leitores. Literatura induzida. O meu A Festa foi um deles (ÂNGELO, 1993, p. 76).

Como se sabe, a ficção produzida na segunda metade dos anos 70 investiu no experimentalismo estético e na fragmentação. Isto se deve ao contexto repressor, de cerceamento da liberdade, que exigiu novas formas de expressão literária. A

Festa é sempre lembrado pela crítica por ter sido produzido a partir destas

tendências, como se lê no seguinte trecho: “O resultado é um texto fragmentário, marcado pela provisoriedade – já observada – tematizando e denunciando a precariedade de qualquer verdade absoluta” (MACHADO, 1981, p. 59).

Porém, é o próprio Ivan Ângelo que afirma a dificuldade de ter escolhido uma técnica ousada para a confecção da obra: “[...] um livro sobre ditadura tem de ser escrito com bisturi e pinça, com absoluta precisão, sem hemorragia, com domínio rigoroso do material e do discurso, senão não é literatura, é política” (1993, p. 77). No depoimento realizado dezessete anos após a publicação de A Festa, ele relembra a importância do papel social do escritor:

Pessoalmente, ao escrever A Festa, enquanto o pau comia solto nas cadeias da ditadura, eu sentia uma espécie de alegria bêbada, um prazer de escrever só na juventude dos 20 anos. Quando se escreve um livro assim, como quem faz um objeto útil de que tanta gente está precisando, trabalha-se sem angústia, impulsionado pelo prazer e pelo entusiasmo de terminar (ÂNGELO, 1993, p. 77).

De fato, A Festa foi escrita “no calor da hora”. Era uma obra necessária para o contexto específico em que foi produzida (no caso, a ditadura brasileira). Nesse mesmo sentido, Antonio Candido assinala que

o escritor, numa determinada sociedade, não é apenas o indivíduo capaz de exprimir a sua originalidade (que o delimita e especifica entre todos), mas alguém desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo profissional e correspondendo a certas expectativas dos leitores ou auditores (CANDIDO, 2006, p. 83-84, grifos do autor).

O escritor – especificamente no contexto da ditadura brasileira – precisava dar uma resposta imediata àquilo que ele vivenciava nas ruas. Havia uma

necessidade de produzir um texto literário que contemplasse o momento repressor em que se vivia, como se não fosse conveniente deixar escapar a história. A escrita de Ivan Ângelo simboliza “[...] um momento histórico brasileiro em que a narrativa funcionou como uma das formas mais expressivas de resistência” (CALEGARI, 2008, p. 156). O escritor precisava da arte para registrar o presente, uma verdadeira espécie de resistência à censura que corria solta pelas ruas.

Felizmente, A Festa passou despercebida aos censores, assim como outras obras do período, como Reflexos do baile (1976), de Antonio Callado e As Meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles. Para Renato Franco, A Festa pode ser concebida como o romance metaficcional da década de 70, pois

[...] nele se cruzam, de modo complexo e nem sempre bem articulado, tanto a tradição documental de nossa literatura – que o anima a narrar o universo politicamente conflitante do período ou a denunciar a violência nele contida – como a tendência que obriga o romance a refletir sobre sua natureza ou sobre sua condição de existência em uma sociedade que lhe é hostil (FRANCO, 2003, p. 364).

Da mesma forma que Franco visualiza A Festa como o romance paradigmático dos anos 70, Machado assinala que Ivan Ângelo “[...] somente nos anos 70 veio a se revelar como romancista e só assim fazer sucesso literário e ser reconhecido, nacionalmente, como escritor” (MACHADO, 1981, p. 50). Pode-se considerar, então, que A Festa foi a obra responsável pelo reconhecimento de Ivan Ângelo, não apenas por ter recebido o prêmio Jabuti, mas pela demora na produção (iniciou a escrever em 1963, mas só retomou dez anos depois), pelo contexto em que foi produzida – a ditadura civil-militar brasileira, pelo experimentalismo e pelo conteúdo político que se desdobra em suas páginas fragmentadas, na tentativa agonizante de dar conta daquele presente opressor, não deixá-lo escapar.