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No dia 10 de novembro de 2013, a adolescente Júlia Rebeca dos Santos foi encontrada morta em seu quarto, como fio da prancha alisadora enrolado no seu pescoço. Horas antes, nos perfis que mantinha nas redes sociais Twitter e Instagram, ela deu indícios do suicídio, avisando: “é daqui a pouco que tudo acaba”.200

Logo após, Júlia compartilha uma montagem com fotos dela e da mãe e se desculpa: "Eu te amo, desculpa eu n ser a filha perfeita mas eu tentei...desculpa desculpa eu te amo

197 Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/me-senti-impotente-e-com-nojo-diz-estudante-

que-teve-fotos-intimas-vazadas-3974.html>. Acesso em: junho de 2015.

198 Idem 199 Idem

200 Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2014/11/um-ano-depois-investigacao-sobre-morte-

muito mãezinha...desculpa desculpa...!! Guarda esse dia 10.11.13” [sic]201. Sua última postagem diz: “Eu tô com medo mas acho que é tchau pra sempre”202.

O motivo que levou Júlia, com então 17 anos, ao suicídio, foi a repercussão da divulgação não autorizada de gravações em que aparecia fazendo sexo com seu namorado e uma amiga do casal, todos menores de idade. A primeira versão era de que o vídeo havia sido filmado pela própria adolescente, que em seguida o compartilhou com algumas pessoas em quem confiava.

Contudo, a polícia atualmente investiga a participação de uma quarta pessoa que teria filmado e compartilhado o vídeo nas redes sociais.203

O que se atesta é que, nos dias que se seguiram, a gravação de poucos segundos espalhou-se na internet e foi vista por milhares de pessoas, de amigos próximos, colegas de escola a desconhecidos que moravam a centenas de quilômetros de Parnaíba (PI), cidade de Júlia.

Descrita como uma adolescente “alegre e sorridente”, a menina passou as semanas entre o vazamento do vídeo e o suicídio visivelmente deprimida e retraída.204 Passava boa parte das aulas digitando no celular, distante de todas suas amigas. Júlia demonstrava sentir- se culpada e envergonhada pela exposição não consensual de sua intimidade na internet, um sentimento comum entre as vítimas.

Nos perfis que mantinha nas redes sociais, ela já havia deixado claro que estava vivenciando um período difícil. No dia 05 de novembro, a adolescente postou diversos desabafos seguidos, evidenciando seu sentimento de revolta: “Vocês não sabem nem da metade da minha vida para sair espalhando o que vcs [sic] bem entendem”. Depois, afirmou que odiava “esse povo de Parnaíba”; que bastava uma mão para contar quantas eram suas “verdadeiras amizades”; que estava “afim de estrangular quem tá inventando isso”.

Três dias depois, Júlia voltou a postar na mesma rede social, afirmando estar cansada de “fingir sorrisos, de fingir que tô feliz quando na verdade, por dentro tô despedaçada”. Ainda no mesmo dia, levantou a hipótese do suicídio: “Queria sumir para saber quem sentiria minha falta, daí veria quem eram os verdadeiros [amigos]”.

201 Idem 202

Idem

203 Disponível em; <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/policia-suspeita-que-video-de-sexo-com-

jovem-foi-feito-por-uma-4-pessoa.html>. Acesso em; junho de 2015.

204 Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/11/nao-tenho-mais-vida-diz-fran-sobre-

No dia 09 de novembro, fez a primeira menção à existência do vídeo (“Tenho um vídeo mt louco [sic]”) e momentos depois se mostra deprimida: “Desisti de tudo faz é tempo, só falta quem tá ao meu redor se tocar”, “Eu queria ser mais normalzinha”, “Tenho autocontrole baixíssimo”, publicou. No dia da sua morte, afirmou novamente: “Eu não to mais é nem aí [sic]”.205

No dia seguinte ao suicídio de Júlia, um primo da garota confirmou, na rede social Twitter, sua morte e pediu respeito à dor da família. O rapaz solicitou que não fossem enviadas mensagens ofensivas sobre Júlia206, mas não foi atendido. Com a repercussão que a mídia deu ao caso, milhares de pessoas comentavam as notícias nas matérias dos jornais e nas redes sociais. A maioria, culpabilizando a garota por ter filmado e por haver demonstrado prazer na prática sexual.

A outra adolescente que aparece no vídeo também tentou cometer suicídio cinco dias depois da morte de Júlia, mas chegou a ser socorrida com vida no pronto-socorro da cidade, com princípio de envenenamento.

A mãe de Júlia, Ivânia Silva, declarou não saber o que estava acontecendo com a filha. A família desconhecia da existência do vídeo até o sepultamento da garota, quando um primo recebeu a gravação e relatou aos parentes, que resolveram procurar a polícia. Apesar de apresentar inquietações comuns a adolescentes, a mãe relata que a filha nunca compartilhou que estava sofrendo ameaças ou estava envergonhada pelo vídeo. Demonstrando compreensão, afirma: “Todo adolescente têm o direito de ser adolescente. Eles são inconsequentes mesmo. Essa exposição toda, do vídeo, da imagem da minha filha, é uma violação.”207

Depois da morte da menina, a delegacia regional da Parnaíba localizou o que seria um novo vídeo protagonizado por Júlia e um rapaz. A filmagem, contudo, é feita de maneira não consensual, através de uma espécie de janela aberta na porta do banheiro. A garota não percebe a filmagem feita por um terceiro. Seu parceiro, no entanto, sabe que estão sendo filmados e sorri algumas vezes para a câmera. Os suspeitos da divulgação são o jovem que manuseia a câmera e o que aparece no vídeo.

205 Disponível em: <http://180graus.com/noticias/caso-julia-rebeca-twitter-prova-que-ela-buscava-ajuda>.

Acesso em: junho de 2015.

206 Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2014/11/um-ano-depois-investigacao-sobre-morte-

de-julia-rebeca-continua-no-pi.html>. Acesso em: junho de 2015.

207 Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/11/mae-de-jovem-achada-morta-apos-video-

No entanto, o advogado da família alegou que a atribuição do vídeo como sendo protagonizado por Júlia não passou de um boato. A gravação teria sido retirada de um site de pornografia.208

No dia 18 de novembro, oito dias após o suicídio da adolescente, um site intitulado “SP News” anuncia a venda online do vídeo íntimo que ensejou sua morte – cobravam R$4,90 pelo material. A página, hospedada fora do Brasil, garantia o envio do link da gravação para o email do comprador e assegurava: “fique tranquilo que não vem o nome na fatura do cartão [sic]”.209 A família busca a responsabilização criminal e civil do administrador.

Atualmente, a Polícia Civil ainda investiga as circunstâncias da morte da adolescente, uma vez que a distribuição de material pornográfico envolvendo menores de idade configura crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.210

Paralelamente, a Polícia Federal abriu investigação para identificar sites hospedados em provedores internacionais que divulgaram o vídeo da estudante.211 No entanto, mais de um ano após a morte de Júlia, não há nenhum responsável apontado.