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3 1 Antropolo"ia portu2uesa e colonialismo

3 J R Dos Santos Junior,

Table for the general shaoe of the negroes hais. Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia. Imprensa Portuguesa. Porto, 1959.

Moçambique. O que existe de facto são numerosos escritos dos administradores coloniais, publicados e inéditos, em forma de relatórios ou monografias, na maioria dos casos de valor científico medíocre, mas sempre com interesse informativo, quer sobre o colonizado, quer sobre a ideologia do colonizador" ( citado por Rui Pereira, 1 986: 195).

Mas o que havia acontecido com os estudos etnográficos e com a etnologia nestas décadas de hegemonia da bioantropologia até a chegada de Jorge Dias? Muito simples, estes estudos ficaram nas mãos daquilo que Rui Pereira denomina "antropologia de governo", isto é, aquela praticada principalmente por funcionários administrativos sensibilizados com a etnografia, mas buscando dar resposta simultaneamente a alguns problemas de "gestão social"5 . A etnografia ficou a tal ponto nas mãos destes funcionários que já a partir de 1933, na portaria Nro 7728, entre os exames exigidos para o acesso às diferentes categorias da carreira administrativa em Moçambique era incluída uma monografia etnográfica sobre uma das populações da colônia. Entre 1 946 e 1 960 foram produzidas dezenas de monografias, cobrindo quase todos os grupos étnicos de Moçambique (Rui Pereira, 1 989: 278).

Assim, foi uma "antropologia de governo", e não uma antropologia especificamente acadêmica ou nascida na metrópole, que em primeiro lugar interessou­ se em aprofundar o estudo sobre as populações locais e em fazer uma etnografia e um inventário dos "usos e costumes" em Moçambique. Existiam, é claro, razões de ordem pragmática que fizeram com que os "antropólogos de governo" tomassem a dianteira nestas questões. A tarefa não era fácil, e os próprios administradores eram conscientes disso. Em 1 935, um administrador chamado Joaquim Nunes, escrevia: "A codificação . .

dos usos e costumbres dos povos indígenas que habitam a Colônia de Moçambique é

5 Rui Pereira, "Colonialismo e Antropologia: a especulação simbólica" En: Revista internacional de

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uma aspiração difícil de realizar. São muitas as tribus e sub-tribus que habitam a Colônia, ... " (Nunes, 1 935: 146). Naqueles tempos, estas questões pragmáticas em geral tinham a ver com problemas de solução de conflitos de terras. Por isso, os "direitos de herança e sucessão" foram, entre outros "usos e costumes", os que foram objeto de interesse mais detido dos adminisradores "antropólogos", que em sua maioria, além

disso, possuíam formação acadêmica na área de direito.

A partir da segunda guerra mundial, o contexto anti-colonial iria aumentando.

Uma vez que as colônias portuguesas passam a ser "províncias", a saída da

independência política fica fechada. O problema da integração territorial e da assimilação cultural ganha nova força. Assim, os particularismos, os "usos e costumes", a etnografia, deixam d ser questões que somente interessam aos administradores e missionários que lidam no terreno com os "indígenas" e passam a constituir o foco de interesse do próprio estado colonial. Num discurso de 1 949, Marcelo Caetano fala sobre a necessidade de uma "ocupação científica"(Pereira, 1 986: 2 1 7). E se trata-se de assimilação cultural, quem senão a antropologia -- desta vez a cargo de profissionais -­ poderia enfrentar o desafio?.

Em deados de 1 950, devido a sua formação acadêmica, Jorge Dias era um dos poucos que podia reivindicar para si o status de etnólogo. como dissemos, a tarefa de Dias e sua equipe eria realizar uma pesquis; ·de �po e�tre os Ma�ondes. Neste sentido, podiam reclamar certa "independência" como especialistas na área. Mas além disso havia outro objetivo a ser cumprido: fazer um levantam�nto da situação política e social, não só no Planalto Maconde, mas também qo outro lado do r�vuma -- isto é, no território de Tanganica, atua� !�ia

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para onde havia migrado uma grande quantidade de Macondes Moçambicanos: " ... Pretendia o Ministerio do Ultramar, através

dos seus organismos de investigação, conhecer a opinião de alguêm não comprometido com a situação colonial e que pudesse estabelecer uma apreciação relativamente imparcial e cientifica da administração colonial portuguesa, confrontando-á com a administração colonial britanica do outro lado do Rovuma ... Pensando a politica colonial através dos dados da etnografia e da etnologia, Jorge Dias inaugurou um campo até então praticamente inusitado entre nós -o da Antropologia Aplicada" (Pereira, 1 986:

220-22 1 ).

Ao contrário do que se possa imaginar, é difícil que as opiniões de Jorge Dias possam ter chegado a agradar os encarregados do Ministério do Ultramar e muito menos aos porta-vozes do "lusotropicalismo", -que naquela época começava a ganhar força. E a julgar pelos relatórios da missão, o projeto assimilacionista estava sendo comprometido

seriamente no norte de Moçambique: " ... os pretos, hoje, nesta região, temem-nos, muitos detestam-nos, e quando nos comparam com outros brancos é sempre de maneira

desfavorável para nos" (Relatorio de 1 957, p: 59). Dois anos mais tarde, afirmava em outro relatório: "Já ... dissemos que alguns Macondes nos confessaram ter mais admiração pelos ingleses do que por nós, estabelecendo confronto entre o tratamento dado por nós e pelos ingleses no Tanganhica ... �8. _relaçõ�s entre ingleses e africanos são cordiais, e o tema da conversa com os africanos, ou na sua ausência, é de respeito e confiança nas suas capacidades e no seu progreso e colaboração. Mesmo que não haja inteira sinceridade da parte de alguns ingleses, o certo é que representam bem O seu papel, em obediência a instruções vindas de cima, e conseguem criar uma atmósfera de confiança e simpatía. Porém, atravessamos -a -fronte_ira e a atitude muda completamente, mesmo en relação aos africanos assimilados ... " (Relatorio de 1 959, pgs. 2 1 y 26)6

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Num tralbalho recente, Fernando Ribeiro ( 1995) analisa o papel que a antropologia teria desempenhado no processo de construção do apartheid. O fato de que -- à semelhança do que aconteceu com o colonialismo de alguns países europeus, especialmente o inglês -- o saber etnológico tenha sido aplicado cedo às políticas de segregação e aos problemas de administração provocou um "estigma" dificíl de apagar7.

Tal estigma seria menos claro no caso português. A hegemonia da bioantropoogia até a década de 50, o relativo isolamento em relação ao establishment da antropologia européia e a adiada chegada ao .terreno colonial obrigam a relativizar o papel da antropologia portuguesa na construção das políticas assimilacionistas.

É bastante conhecida aquela história descrita por Johan Galtung ( citada por Kuper), segundo a qual o ex-presidente de Gana Kwame Nkrumah costumava pendurar

em sua antesala um quadro enorme, cuja figura principal era p próprio Nkrumah, arrancando as cadeias do colonialismo. As cadeias cedem, diz Galtung: " ... há raios e trovões no céu, a terra treme. De tudo isto fogem três pequenas figuras, homens brancos, pálidos. Um deles é capitalista, leva uma carteira de mão. Outro é o padre missionário, leva a bíblia. O terceiro, uma figura menor, leva um livro intitulado African Political

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System: é o anropólogo" (em Kuper, 1973: 123). Para o caso do colonialismo

português, é claro que esta imagem do antropólogo como "colaborador" só poderia ter sido tecida a partir da segunda metade da década de 50, épo�.a em que os profissionais da área são requeridos pela administração. Época, além disso, em que a chamada Escola do Porto e a sua bioantropologia perdem a heg�monia. No entanto, como vimos no caso --- - de Jorge Dias, o "colaboracionismo" �01· 1• um tanto ambíguo e apesar do jogo de